sexta-feira, 7 de setembro de 2012

"A Garota da Capa Vermelha": Todo mundo merece uma segunda chance...

... é mais uma máxima que pode conduzir a atitudes trágicas. Catherine Hardwicke, por exemplo, não merecia uma segunda chance. A Garota da Capa Vermelha provou isso de forma incontestável. Mas vamos divagar um pouco antes de chegar ao âmago da questão.

Como "brevity is the sould of wit", "toda unanimidade é burra" é aforisma que nem sempre corresponde à realidade. Prova disso é que, ironicamente, o criador da máxima, Nelson Rodrigues, é, hoje, praticamente uma unanimidade. É raro encontrar alguém que não veja mérito na obra do dramaturgo. Mas já procrastinei contato com muitas obras com base na lógica de que "se todo mundo gosta, deve ser ruim". Exemplo: o primeiro Matrix. Todo mundo dizia que era um filme fantástico, com cenas de ação de primeira e um roteiro que faz o espectador refletir. Minha reação: "Não vou ver esta porcaria. Deve ser uma daqueles filmes idiotas 'com mensagem' que todo cretino acha 'maravilhoso' porque consegue entender a mensagem sem perceber que esta é manejada com sutileza de um lutador de sumô dançando pagode" (desde muito jovem, eu sou um sujeito adorável). Um ano mais tarde, vi o filme e exclamei: "Caramba! Todo mundo tinha razão. É realmente um filme de ação muito bom com um roteiro mais inteligente que a média. E eu deixei de ver no cinema por ser 'inconformista'. Animal..." Outro exemplo? O Poderoso Chefão. Duvido da inteligência de qualquer pessoa que não considere tal filme uma obra-prima. Um terceiro exemplo: Game of Thrones. Muita gente me recomendou a série da HBO e eu, naturalmente, enrolei aproximadamente um ano para ver a primeira temporada porque "gente demais estava gostando". Depois que assisti, adorei a série e li, compulsivamente, os cinco livros das Crônicas de Gelo e Fogo do George R. R. Martin. Estou em abstinência porque o próximo só vai sair em 2013. É sério, o troço é muito viciante. O que quero dizer, enfim, é que tento evitar decisões baseadas na atitude de "se todo mundo está fazendo, não deve prestar" porque, às vezes, todo mundo gosta de uma obra porque ela é mesmo excelente.

O que me levou a tentar ler Crepúsculo. Pois é, podem me sacanear. Eu tentei ler mesmo. Assim como tive a infelicidade de ler o Mein Kampf, o Manifesto Comunista e um terço de O Capital. Podem me acusar de tudo, menos de injustiça: hoje posso dizer, com toda segurança, que o Mein Kampf só demonstra que Adolf Hitler, além de um dos seres humanos mais perversos que já pisou neste planeta, era burro como uma porta. Sua "luta" é uma das coisas mais retardadas que eu já li (exemplo: ele tenta explicar a sofisticação do Oriente em face de Europa na Idade Média alegando que os asiáticos "eram arianos àquela época" e só depois se corromperam. Não é piada). E pude constatar que a obra de Marx, embora faça sentido em seu contexto histórico, é tão chata que pode provocar derrame. Se eu tivesse que escolher entre ser sodomizado com ferro em brasa ou ler O Capital, eu... leria O Capital, porque, francamente, ferro em brasa no rabo é uma das piores coisas que posso imaginar. Mas eu ainda pensaria duas vezes. Assim, quando me deparei com a "saga Crepúsculo", tive a ousadia de dar uma chance à obra, não obstante todo mundo com um semblante de inteligência (inclusive o Robert Pattinson) alegasse que era um horrível desperdício de árvores escrito por uma picareta desequilibrada que se apaixonou por um personagem imaginário de sua autoria e voltado exclusivamente para meninas pré-adolescentes, adolescentes emocionalmente imaturas ou adultas emocionalmente imaturas e de pouca inteligência. Então, tentei ler Crepúsculo e tive uma agradável surpresa: "O ser humano é bem mais benevolente do que imagino!", ponderei, "Esse livro não é tão ruim quanto dizem. É muito, muito pior." E era. Horrível. Tenebroso. Toda vez que escuto falar em Stephenie Meyer, tenho que me controlar pra não fazer o sinal da cruz - e não é por medo de vampiros. A "obra" é, como diria o Kevin Smith, horrenda, cara. Comecei a sentir ânsia de vômito toda vez que a mulher interrompia a trama para dizer que o Edward era "um Adônis" ou passar várias linhas elogiando a "pele de alabastro" e outras características do vampiro. O horror, o horror... Mas, como já disse antes, não vou ficar esculachando a "saga" Crepúsculo, porque todo mundo já esculachou e piadas sobre os livros já perderam a graça. Contudo, ainda dei uma chance ao filme. Afinal, o Tubarão do Peter Benchley é a ruindade condensada em forma de livro (a Ellen Brody é uma dona-de-casa frustrada e vadia que acaba tendo um caso com o Hooper; Martin Brody é um xarope fracassado; o Quint morre, literalmente, como o Ahab e o tubarão não morre numa explosão, mas sufocado pelas cordas arpoadas pelos "heróis"), mas serviu de base para o Spielberg fazer um filmaço.

Acima: "O Oposto do Tubarão do Spielberg"
"Crepúsculo - O Filme", é, como todo mundo sabe, péssimo. Mas ainda tenho uma coisa positiva a dizer sobre a adaptação: ela só dura aproximadamente 100 minutos. É bem menos dolorosa do que tentar ler o livro. Infelizmente, não é o tipo de porcaria que merece uma resenha prolixa. É simplesmente um filme ruim de uma maneira bastante banal. É tedioso e desinteressante. A reação que ele provoca é, simplesmente "Putz, que negócio chato. Como é que alguém se diz fã desta merda?" Não é de uma ruindade como, por exemplo, o Dracula vs. Frankenstein do Al Adamson, que te faz exclamar "Cacete, como isso é ridículo! Calma aí, isso é uma piada? Não é um video caseiro? Esse negócio saiu no cinema? Eles acharam que alguém ia engolir esse mané com pó-de-arroz como Drácula? A maquiagem do monstro de Frankenstein é feita de mingau estragado? Pessoal, venham ver isso!" Paciência. Daqui a vinte, trinta anos, as meninas que encheram o bolso da autora de Crepúsculo vão criticar o gosto literário dos filhos e mentir que "no meu tempo, não tinha esse tipo de porcaria." Normal. Toda geração tem seu lixo cultural constrangedor. A minha, por exemplo (o pessoal que está na faixa dos 30-35 anos) pode até dizer que, "em nosso tempo", tinha Cazuza, Legião Urbana, Nirvana, Pearl Jam e Pantera. E tinha, mesmo. Mas o que ninguém vai dizer é que, antes disso, alguns de nós abraçaram um fenômeno tão asinino quanto as músicas do Justin Bieber. Um fenômeno tão popular que rendeu não só um, mas dois filmes horríveis.

O segundo tem um título tão ridículo que sempre é citado quando fazem sequência de filme ruim.
Quando digo "alguns de nós", claro que não estou falando de mim. Eu sempre fui cool e tive um gosto impecável. Nem a pau eu cai na besteira de tentar o breakdancin'.

"Nem eu!", exclama o Vin Diesel. "Ei, quem colocou essa porcaria aí? Não sou eu, cara. É... meu primo... Von Diesel."
Hahaha, o Vin Diesel se ferrou. Eu, pelo menos, tive o bom-senso de não deixar ninguém me fotografar ou filmar tentando dançar break. Digo, nunca tentei dançar break. E as meninas de "minha geração" também têm teto de vidro quando se trata de mau gosto. Se não fosse por elas, os New Kids on the Block não teriam levantado dinheiro para pagar segurança e acabariam, inevitavelmente, assassinados por bullies. E o Marky Mark Whalberg teria sido preso na primeira vez que decidiu baixar as calças em público.

Enfim, para encerrar essa embromação, não formei mal juízo sobre a Catherine Hardwicke com base em Crepúsculo. Afinal, Os Reis de Dogtown foi decente. E Crepúsculo é uma franquia milionária. A mulher não deve ter tido a menor liberdade, mais ou menos como fizeram com o Fincher em Alien ao Cubo. Aproveitando o ensejo: Perrone, na boa: você precisa escrever um post explicando por que não achou o primeiro filme do Fincher uma porcaria. Eu já assisti mais de uma vez e não consigo ver mérito. Minha opinião é sempre "É basicamente uma versão tosca do primeiro, só que com a Sinead O'Connor no lugar da Sigourney Weaver." Não seria o primeiro exemplo de um artista competente que faz porcaria. Lembra do primeiro filme do Cameron? Alguém, sinceramente, viu Piranha 2: Assassinas Voadoras e pensou "aposto que o cara que dirigiu este filmaço um dia vai dirigir O Exterminador do Futuro e Aliens"? Seria injusto julgar a moça com base em um único momento de ruindade. Ademais, não sejamos hipócritas: se alguém te oferecesse uma montanha de dinheiro para filmar referida porcaria, você recusaria? Eu recusaria, mas sei que nem todos têm minha integridade.

Kurt Breichen, numa realidade alternativa em que lhe ofereceram uma montanha de dinheiro para dirigir Crepúsculo
O tempo passa, estou numa locadora vendo os lançamentos em Blu-Ray e me deparo com Sequestro no Espaço (Lockout). Imagino, naturalmente, que se trate de um filme de ação fuleiro, mas, como minha reação inicial a Busca Implacável (também produzido pelo Luc Besson) foi a mesma, decido dar uma chance à obra. Fiquei surpreso: embora não seja uma obra-prima, Lockout é um filme de ação bastante divertido e bem-dirigido. Apesar de Los Angeles - Cidade Proibida, Amnésia, Mortos de Fome e Guerra ao Terror, sempre lembrarei do Guy Pearce como "aquela Drag Queen de 'Priscilla, a Rainha do Deserto' que era tão chata que até suas amigas a trancaram do lado de fora do ônibus. E ela continuou enchendo o saco!" Mas, em Lockout, ele está totalmente convincente como um badass que mete tiros, porradas e, volta e meia, solta uma piadinha hilária. Estou inclinado a acreditar que o Luc Besson é o filho perdido do Menahen Golam. Mas falarei deste filme em outra oportunidade. O outro lado da moeda é que, um dia, na mesma locadora, me deparo com a obra abaixo e penso: "pode prestar".

"Não pode", o bom-senso tentou me avisar. "Sério, cara, não toque nisso. Walk away. Just walk away..."
O bom-senso, na minha imaginação, parece com o Lord Humongous de Mad Max 2
Com a capa do filme em BD em punho, indaguei ao balconista: "Ei, este filme é uma versão 'terror' da história da Chapeuzinho Vermelho, certo?" E ele, atormentado pelo dilema "Minto ou falo a verdade e perco o emprego?", retrucou: "Eh... Não, terror não. É... tipo... suspense." E eu levo o filme. Só quando chego em casa é que minha mulher observa, com um olhar de asco: "Deve ser um lixo. É da mesma diretora de Crepúsculo." E eu (que não tinha notado isso) tento, como o Michael Cera diante da identidade falsa do McLovin, ser otimista: "Mas... Isso não quer dizer que seja péssimo, tá certo? Pode prestar, certo?" Fiquei estarrecido ao ver o filme, porque, se ele me convenceu de alguma coisa, foi a seguinte: Crepúsculo foi uma obra sofisticada demais para Catherine Hardwicke. A Garota da Capa Vermelho, o filme que ela fez quando teve maior "liberdade artística" é muito, muito pior.

A título de exemplo, o Billy Burke, que faz o papel do pai da Kristen Stewart em Crepúsculo, é um ator decente. Foi um dos poucos alentos no filme - eu ficava genuinamente aliviado toda vez que ele estava em cena, pois enfim aparecia alguém que não parecia ter tomado uma overdose de Ritalina. Em Red Riding Hood, contudo, ele, acostumado com o festival de inépcia ao seu redor, parece ter abraçado a filosofia "if the money is there, we do not care". Em todas as suas cenas, ele está com uma cara que parece ter sido alvo de uma injeção de um litro de Botox. Feliz, assustado ou triste, seu personagem (não memorizei o nome e não vou procurar saber) só tem uma expressão: a de um homem que desistiu de tentar.

E, se você (como eu, ao locá-lo) não prestou atenção no poster do filme, a mocinha com expressão de tédio permanente agora não tem mais um "interesse amoroso" pálido e apático: são dois! Cada um mais risível que o outro.


Putz... Não consigo tecer qualquer comentário que diga mais que as imagens acima...
Que raios é isso? "Anêmico com prisão de ventre" é o novo padrão de beleza masculina? E toda vez que um deles aparecia, meu único alívio era o fato de que a expressão do indivíduo me lembrava a clássica interpretação de Poker Face por Eric Cartman.


Em algum lugar da Inglaterra, Judi Dench está resmungando: "007 porra nenhuma. Eu devia ter mandado aqueles dois zumbis para jogar com o Le Chiffre. Ele não teria chance." Se alguém acha que estou exagerando, reparem que as duas imagens acima são publicidade do filme. Alguém olhou para os dois "gatinhos" com a cara de quem acabou de farejar um acesso de flatulência e decidiu que "preciso vender o filme e esta é a expressão mais atraente que conseguiram arrancar dos rapazes". Não tenho palavras para descrever como a apatia do elenco é profunda e generalizada. Cada diálogo é travado com o entusiasmo de quem está recitando o atestado de óbito da mãe. Todos os personagens parecem estar perpetuamente constipados. Após os primeiros cinco minutos, comecei a resmungar, ininterruptamente: "Puta que o pariu, que troço maçante! Até as fãs da 'saga Crepúsculo' vão detestar esta merda. Como é que alguém achou que seria lucrativo lançar isto?"

É então que surge o Gary Oldman, interpretando um padre caçador de lobisomens. Como o saudoso Peter Cushing, Christopher Lee e Michael Caine, Oldman mostra que faz parte de uma augusta elite de atores britânicos: não importa a qualidade do filme, o homem vai fazer por merecer o dinheiro que recebeu. Seja como Sid Vicious, Lee Oswald, Beethoven, o Drácula traveco do Coppola, Stansfield ou o Comissário Gordon, Oldman sempre brinda o público com uma interpretação fantástica. E Red Riding Hood não é exceção. Isto torna o filme melhor? Não, muito pelo contrário: a interpretação do Oldman, como uma ilha de profissionalismo cercada por um oceano de picaretagem, só logra chamar atenção para o fato de como o resto do elenco está péssimo. E seu personagem faz uma surpreendente revelação: lobisomens não permanecem sempre na forma de lobos. Eles se disfarçam de humanos! E todo mundo fica fascinado com tal notícia! Sinceramente, se ninguém sabia disso, por que chamavam o bicho de lobisomem? Se ele náo fosse um humano que se transforma em lobo, não seria só "lobo"? Será que, a despeito das aparências, a história não se passa na Idade Média,, mas nos dias de hoje, numa comunidade "alternativa" tipo o pessoal de A Vila? E todo mundo leu o excelente Wolfen, de Whitley Strieber, e considera tal obra pesquisa científica? Sei lá. Não me importa. O que realmente importa é que, a certa altura do filme, a "heroína" se vê cara a cara com o lobisomem. E é aí que Hardwicke traz sua "inovação" à lenda do homem-lobo: o monstro consegue se comunicar telepaticamente com a mocinha!

Assim como Crepúsculo tornou vampiros ridículos com a novidade do "brilho à luz do sol", A Garota do Capuz Vermelho torna os lobisomens ridículos com sua capacidade telepática. Mas o pior de tudo é que tal inovação já havia sido criado pela Stephenie Meyer. O que demonstra que a Catherine Hardwicke, quando teve a liberdade de dirigir uma obra original, decidiu que a melhor opção seria fazer um plágio inferior da "Saga Crepúsculo"! E foi neste momento que eu dei um tiro na televisão, quebrei toda a mobília de minha casa, descobri que tinha poderes telecinéticos e saí a pé pela cidade, destruindo tudo que cruzava meu caminho. A sério, foram poucos os filmes que não aguentei aturar até o fim. De cabeça, posso citar A Jurada ("Porra! Este filme é, basicamente, uma versão mais cara e inferior de Tribunal sob Suspeita! E a única virtude da Demi Moore é ser gostosa!") e Frankenstein de Mary Shelley (que, hoje, acho decente, mas, quando vi no cinema, fiquei tão constrangido com os exageros melodramáticos que acabei saindo na metade do filme). Red Riding Hood é um deles. A diferença é que (ao contrário do Frankenstein do Branagh), jamais darei uma segunda chance a este filme. Nem uma terceira chance à Catherine Hardwicke, que só comprovou que Dogtown foi bom por acidente. Não vejam este filme. Se meus comentários deixarem a impressão que se trata de algo "tão ruim que é cômico", descartem tal impressão. O filme não pode ser nem chamado de trash, pois conta com uma produção luxuosa, embora tenha aparência bastante genérica. Trata-se simplesmente de uma obra medíocre e enfadonha. Completamente desinteressante. Não funciona nem como comédia involuntária. Se, algum dia, A Garota da Capa Vermelha estiver ao seu alcance e você cogitar assistir...

Walk away! Just walk away!

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