sábado, 25 de agosto de 2012

Bane: O Marxista Definitivo

Em primeiro lugar, SPOILERS! Eu sei que, no final de O Cavaleiro das Trevas Ressurge, revela-se que toda conversa do Bane sobre "revolução" e "devolver Gotham ao povo" é picaretagem, que a bomba ia explodir de qualquer jeito e que a Marion Cotillard é a Talia Al Ghul (e creio que todos que já tiveram algum contato com os gibis tenham "decifrado" o último enigma há mais de um ano ano, ao ler a descrição da "Miranda Tate"). Aliás, acho altamente improvável que alguém que leia isto não tenha visto o último Batman do Nolan. Acho igualmente improvável que alguém tenha engolido a chicana do vilão. Vamos, contudo, partir da premissa de que o Bane estava sendo sincero.

Você desconfiaria da sinceridade deste homem? Eu não.
Afinal, só um cara muito foda usaria um troço ridículo desses em público sem perder sua autoridade. Em segundo lugar, qualquer pessoa que tenha lido os posts anteriores já deve ter percebido que eu não sou fã do comunismo. Em síntese, acho que marxistas são o equivalente político dos criacionistas (isto é, que acreditam em coisas idiotas pra caralho). Curiosamente, criacionistas não me irritam tanto quanto marxistas. Um criacionista que conheço, por exemplo (vamos chamá-lo de "meu pai", porque realmente se trata de meu amado genitor, que é crente fundamentalista) acha que o mundo surgiu, literalmente, da maneira como está descrita no livro de Gênese, que a raça humana começou com um casal de amantes pelados no Éden e que tudo que diz a NASA faz é perda de tempo e/ou picaretagem. Quanto à história de Adão e Eva, os criacionistas sempre tiram o corpo fora quando comento que, se a humanidade realmente começou com só um casal, mais cedo ou mais tarde se tornou inevitável o oba-oba entre irmáo/irmã, pai/filha e filho/mãe. Isso significaria que Deus condena Darwin, mas é totalmente a favor do incesto. Não vejo muita lógica, mas cada um sabe de si. Enfim, criacionistas não me irritam tanto quanto comunistas/socialistas/marxista-leninistas/anarcossindicalistas (até agora não sei a distinção). E, ao ver Dark Knight Rises pela segunda vez, finalmente me lembrei de algo que, por sua vez, explicou por que nutro tamanha hostilidade pelos "comunistas".

Criacionistas não ficam em cima do muro. Por mais que os outros considerem retardadas suas idéias, eles as defendem com veemência. Mesmo no que tange a minha piadinha sobre incesto, conheço uma criacionista que me disse, basicamente que, "o incesto aconteceu e não foi perversão porque era necessário para o homem se multiplicar". Ao passo que os marxistas... Bem, durante minha vida acadêmica e ao longo da minha vida profissional, me deparei com várias pessoas que se diziam "marxistas". Um de meus melhores professores se dizia marxista (mas também afirmava que qualquer país que alega ou alegou ser "comunista" na vida real estava mentindo, pois nunca se superou a fase da "ditadura do proletariado"). Uma colega de trabalho, assistente social e consumista assumida, já me contou que é uma exceção, porque assistentes sociais que não se declaram "marxistas" são discriminados pela própria categoria. E um colega (só  colega, não amigo, porque evito amizades com gente imbecil) de faculdade dizia, com todas as letras, que tentar "mudar o sistema" de forma democrática era inviável e que a única saída era a revolução através de luta armada. Tratava-se de um membro de carteirinha do Partido Comunista Revolucionário (se é que esta bomba ainda existe). E foi ao lembrar de tal indivíduo que entendi por que acho marxistas muito mais xaropes que criacionistas. Minha indagação ao indivíduo foi: "Peraí, se você acha que nosso sistema é podre e só pode ser mudado através da luta armada, o que você está fazendo numa faculdade particular de Direito, que é uma das coisas mais burguesas que se pode conceber?" Ele não tinha uma resposta. Relembrar tal momento me fez identificar por que considero marxistas mais intragáveis do que criacionistas. "Como?", indagaria o leitor hipotético. "Porque quem se diz criacionista geralmente é criacionista", eu responderia ao monitor, "ao passo que quem se declara 'comunista' ou 'marxista' é só um picareta hipócrita."

Explico: meu pai, por exemplo, não hesita em expor suas opiniões sobre a origem do universo, por mais ilógicas e despidas de fundamento estas possam ser consideradas. Isto é um criacionista. Ele acredita que Deus criou o mundo em sete dias, que a humanidade começou com duas pessoas e pronto. Já um marxista é uma pessoa que acredita que a sociedade é definida pela luta de classes, que as oligarquias dominantes são perversas e vivem do suor dos trabalhadores e que tal mazela só pode conduzir à revolução. E em que tais crenças interferem no comportamento de quem alega adotá-las? Em porra nenhuma. Eu, se resolvesse me tornar um marxista, não estaria trabalhando no serviço público e postando bobagens sobre filmes em um blog prolixo. Estaria formando uma organização paramilitar, com a finalidade de derrubar a "burguesia decadente" que "vive do suor do proletariado". Mas os supostos "marxistas" que encontro não fazem isso. Eles são, essencialmente, burgueses que levam uma vida confortável e passam o tempo livre pregando um monte de baboseiras retardadas contra "o sistema", o "capital internacional", o "agronegócio", "as oligarquias" (claro!) e (isso não é piada) o FMI (que está é quebrado, porra!). Baboseiras que nunca tentarão colocar em prática, porque seria muito inconveniente. Essas pessoas não são comunistas. Elas são hippies. E qual a distinção entre um hippie e um marxista de verdade?

Hippie

Marxista de Verdade

Qual a diferença entre Lennon e Lenin? Plagiando/parafraseando uma piada da Cracked.com: Lenin não ficou só na fase do "imagine", ele fez algo concreto (por pior que tenha sido). Por que o Che Guevara é uma figura icônica, apesar de não ter concretizado nada que preste (basicamente, ele ajudou a instaurar a ditadura cubana, tentou fazer a mesma merda na África, sem sucesso, e veio para a América do Sul, onde foi dedurado pelos camponeses e executado por militares de extrema direita, vivendo exatamente o oposto do previsto por Marx)? Porque ele, pelo menos, teve os cojones de pegar em armas. Ele não é simplesmente visto como "Che, o Comuna". É visto como "Che, o Revolucionário".

E, naturalmente, também como "Avatar do Maddox"
Tal constatação nos remete ao personagem-título do post: Bane, supervilão, badass e revolucionário comunista. Qual é a primeira coisa que ele faz no filme? Ele mata o Mindinho do Game of Thrones.


Eu sabia que conhecia este puto de algum lugar!

Pois é, aquele agente da CIA que se fode no desastre de avião no início do filme é interpretado por Aiden Gillem, que também interpreta o mais escroto, asqueroso (o Varys pelo menos não tem culpa de ser eunuco) e traiçoeiro aristocrata de Westeros. Coincidência ou sutil crítica social? Nenhum dos dois: brutal mensagem contra as oligarquias, pois a sutileza não é uma das virtudes do Bane. Finalmente, o filho-da-puta do Lorde Baelish pagou por ter sacaneado o Ned Stark. Tudo isso graças ao nosso herói. Tudo bem, ele é o vilão do filme, mas, no contexto deste post, ele é um herói injustiçado.

Quem financiou todo aquele mirabolante plano de derrubar o avião "WITH NO SURVIVORSH"? John Daggett, o estereótipo encarnado do "capitalista inescrupuloso" que leva o suposto mercenário e seus subordinados a Gotham. Lá chegando, o parrudo mascarado barbariza a mal velada versão local da Wall Street, a mando do Daggett, que acha que tal sacanagem irá puxar o tapete do Bruce e levá-lo ao comando da Wayne Enterprises. O plano dá certo e o Batman se depara com um novo supervilão: a ameaça de indigência, que ele derrota traçando a Talia Al Ghul (e mostrando como é possível unir o útil ao extremamente agradável, pois, afinal, trata-se da Marion Cotillard).

Pois é, olhe o que a falência deu ao Bruce Wayne. Filho da puta...
Mas a questão relevante aqui é se o capitalista selvagem Daggett sai ganhando. Não, ele também toma onde o sol bate. Tendo instaurado o caos financeiro em Gotham City e arruinado a elite dominante às custas da própria elite dominante (como eu disse, nada sutil), Bane quebra o pescoço do seu "patrão" (menos sutil ainda) e resolve implementar seu verdadeiro plano de ação. Antes disso, contudo, resta um obstáculo a enfrentar: o Homem-Morcego. E aqui, aproveitando o tópico "falta de sutileza", tenho que abrir parênteses para mais uma ladainha.

Quando o Cavaleiro das Trevas foi lançado, muita gente de inteligência questionável acusou o Christopher Nolan de estar fazendo apologia à "Guerra ao Terror" do governo Bush. O argumento é que o filme tinha um vilão que mandava vídeos para telejornais assumindo as atrocidades que cometia e praticava atos de terrorismo que em muito lembravam o trágico "11 de setembro". E como o herói derrotava o Coringa?  Grampeando o celular de todo mundo sem mandado judicial (mais ou menos como o Bush conseguiu violar a privacidade de todo mundo com o Patriot Act, de constitucionalidade altamente suspeita) e mentindo, deslavadamente, sobre as circunstâncias em que o Harvey Dent/Duas Caras morreu (mais ou menos como dizer que o Iraque tinha armas de destruição em massa). Por que a mentira? Porque ele achava que o povo não tinha tirocínio suficiente para lidar com a verdade e, caso esta fosse revelada, todas as vitórias do falecido promotor contra o crime organizado teriam sido desacreditadas e, provavelmente, reformadas pela via recursal (afinal, fica difícil defender a idoneidade de um promotor que surtou e saiu matando mafiosos, policiais e [quase] uma criança). Em outras palavras, alegavam tais pessoas, o Batman é completamente facista, assim como o Bush. Eu, particularmente, não acho que tal conduta seja facista. Acho que o Batman estava fazendo valer o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. Mas tudo bem: eu também já fui acusado de ser um facista, coisa que não sou, e só consegui convencer a acusadora de minha inocência com argumentos dos mais contundentes ("Quando eu der o golpe de Estado e me tornar a versão brasileira do Imperador Palpatine, adivinha quem vai ser a primeira pessoa que vou mandar pros campos de concentração?"). Por amor à simplicidade, portanto, minha resposta às pessoas que equiparavam o Batman do Nolan a George W. Bush era muito mais concisa: "Ridículo. O Batman é inteligente e seu plano dá certo."

E, no início de O Cavaleiro das Trevas Ressurge, descobrimos que a mentira disseminada pelo herói e seu cúmplice, o Comissário Gordon, viabilizou a aprovação de uma legislação penal extremamente severa, graças à qual Gotham City está livre do crime organizado. É exatamente como o Patriot Act. Confrontado com tal cenário, cheguei a uma conclusão: o pessoal que acusou o Nolan de ser pró-Bush e fascista tinha razão! O plano do Batman, que preferiu manter as massas na ignorância e criar culto de personalidade a um ídolo caído (expressão, aliás, utilizada no filme) teve resultados absolutamente fantásticos. O Bane não é a única figura nesta produção que carece de sutileza...

Sieg Heil!
Cabe ao Bane, portanto, destruir o Homem-Morcego, que ao decidir, com o Comissário, o que é melhor para o povo sem consultar o eleitorado, simboliza a arrogância das elites. O método utilizado por Bane para cumprir essa missão é caracterizado pela já habitual falta de delicadeza.

Nunca imaginei que veria uma adaptação literal deste quadrinho
Claro, Batman não é o único representante da burguesia perversa que oprime o proletariado. Há também, a polícia, instituição que defende os interesses da minoria dominante; o pão e circo, que mantém as massas devidamente distraídas de sua situação revoltante e, claro, a minoria dominante em si.

Polícia, antes do Bane


Pão e Circo, antes do Bane
Elites, antes do Bane
Como lidar com tais elementos? Nada mais simples: basta ativar uma série de explosões.


Polícia, soterrada pelo Bane
Pão e Circo, caindo num buraco cavado por Bane
Elites, virando churrasco graças ao Bane
Além disso, ele destrói todas as pontes (e, presumo, túneis e estradas) que ligam a cidade ao resto do mundo, transformando Gotham, na marra, numa Cidade-Estado. E, claro, avisa ao público que, se alguém tentar fugir, uma bomba atômica será detonada por um herói anônimo e cidadão qualquer que está em poder do detonador. Pode-se acusar o homem de tudo, menos de inépcia. E é agora que a história fica interessante. Ao contrário de, por exemplo... eehh.... putz, ao contrário de TODO LÍDER POLÍTICO SUPOSTAMENTE COMUNISTA NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE, Bane, ao assumir o controle de
Gotham, não resolve se tornar "ditador provisório"e prolongar a "ditadura do proletariado" pelo resto de sua existência. Mas, antes de entrar em detalhe, deixemos que o personagem declare suas intenções.


Discurso do Bane: "Vocês foram presenteados com um falso ídolo para impedí-los de destroçar esta cidade corrupta. Deixe-me contar-lhes a verdade sobre Harvey Dent, nas palavras do comissário de polícia de Gotham, James Gordon: 'O Batman não assassinou Harvey Dent; ele salvou meu filho e depois assumiu a culpa dos terríveis crimes do Harvey para que eu pudesse, para minha vergonha, construir uma mentira em torno deste falso ídolo. Eu louvei o homem que tentou matar meu próprio filho, mas não posso mais viver com minha mentira. É hora de confiar ao povo de Gotham a verdade e é hora pedir minha exoneração.' E vocês aceitam a demissão deste homem? Aceitam a demissão de todos esses mentirosos? De todos os corruptos?" Diante da demonstração coletiva de júbilo, ele prossegue: "Nós tomaremos Gotham dos corruptos! Dos ricos! Dos repressores de gerações, que as oprimiram com mitos de oportunidade, e a devolveremos a vocês... o povo. Gotham é sua! Ninguém irá interferir. Façam como quiserem. Comecem invadindo Blackgate e libertando os oprimidos! Apresentem-se, aqueles que desejam servir. Pois um exército será formado. Os poderoso serão arrancados de seus ninhos decadentes e lancados no frio mundo que nós conhecemos e suportamos. Tribunais serão convocados. Despojos serão repartidos. Sangue será derramado. A polícia irá sobreviver, aprendendo a servir à verdadeira justiça. Esta grande cidade... ela perdurará. Gotham sobreviverá!"
Em primeiro lugar, Bane deixa claro que, ao que contrário do que a Heloísa Helena quer nos convencer, é possível se rebelar contra as elites sem perder o estilo: esse casaco é totalmente pimp. O cara é um Superfly branco e bombado. Em segundo lugar, trata-se do discurso mais eletrizante que já vi desde que assisti aos créditos de abertura do Malcolm X de Spike Lee. Na última ocasião, quando o X fala, basicamente, que o homem branco é o maior canalha do planeta e que "não há um lugar onde o homem branco tenha chegado trazendo paz e harmonia", minha reação foi: "Caralho! Ele tem razão! O homem branco é maligno mesmo!" Um amigo, que estava vendo o filme comigo observou: "Hã-rã. Você sabe que é branco, certo?" Ao que eu retruquei: "Ehhhh... Não, cara, eu sou... minha avó era negra. Eu sou... mulato!" "Não", insistiu ele, "você é totalmente branco, bro. Branco como folha de papel-ofício." Emputecido, retruquei: "Vai pra porra, seu racista! Não faça pouco de minha negritude!"
Auto-retrato de Kurt Breichen, deixando evidente que este não é um cara-pálida
Mas, falando sério, o discurso realmente é empolgante. Muita gente ridicularizou a "darthvaderização" da voz do Tom Hardy para interpretar o Bane, mas eu achei excelente e, em momento algum do filme, deixei de entender o que o personagem estava falando. Obviamente, não tenho um vídeo para demonstrar, mas a interpretação do Hardy é magistral: sua entonação, ao discursar contra os "opressores", "mentirosos" e "corruptos" de Gotham, o faz parecer o primo demagogo do Vader. Com a diferença que a conversa dele não é demagogia: quando ele diz que "ninguém vai interferir", está sendo 100%  franco. Após destruir as "instituições defensores dos interesses da minoria dominante de Gotham", revelar a verdade sobre a morte do Dent e, por tabela, desacreditar o Comissário Gordon, e libertar os presidiários que foram parar no xilindró graças às lorotas deste, ele realmente não se torna o ditador da cidade, apenas deixa "o povo" (o que inclui, é claro, os bandidos que foram presos em razão da Lei Harvey Dent, pois estão presos em razão de uma farsa) fazer o que quiser. E o povo, demonstrando que nada é mais perigosamente imbecil do que a multidão, faz uso de tal liberdade partindo para a barbárie, saqueando, roubando e colocando os "opressores" no banco dos réus. Mas quem eles colocam no papel de juiz?

Este cara.
Dr. Jonathan Crane, vulgo Espantalho. Pois é: a decisão das massas é colocar um cientista louco, que sai por aí com um saco na cabeça envenenando os outros aleatoriamente, para presidir o "tribunal popular". Porque, é óbvio, um indivíduo assim atende aos requisitos de "notório saber jurídico e reputação ilibada." E Gotham City, que, no início do filme, estava em paz e tranquilidade, regride ao "estado de natureza" de que Hobbes falava ao explicar a necessidade do Estado. Hmmm... Começo a suspeitar de que a situação estava bem melhor quando os "opressores privilegiados" estavam no comando da cidade, mas quem sou eu para discordar de um homem cuja barba evidencia uma total falta de higiene?

Cara, eu duvido que não haja carrapato aí dentro.
E é aí que o Cavaleiro das Trevas, com o perdão da redundância, ressurge. Ele foge da prisão, volta a Gotham City (como, ninguém explica) e parte para o contra-ataque, libertando a polícia, promovendo uma guerra civil e quase-derrotando o Bane. É então que a grande "surpresa" do filme é revelada: a verdadeira vilã é a Miranda Tate, que na verdade é a Talia, filha do Ra's Al Ghul. Esta, mancomunada com o Bane (que também foi treinado pela "Liga das Sombras" [até hoje não entendi a hesitação em utilizar o nome original da vilanesca sociedade secreta, "Liga dos Assassinos"]) veio concluir o trabalho que seu genitor tentou levar a cabo em Batman Begins, e o único propósito da "revolução anarcossindicalista" era  demonstrar que o povo de Gotham realmente não presta. E, claro, depois de evidenciar tal fato, a bomba atômica vai explodir de qualquer jeito.

Ocorre, contudo, que essa explicação não faz nenhum sentido, em qualquer circunstância. Afinal, como é revelado pela Talia, seu papai expulsou o Bane da Liga das Sombras, basicamente, porque o rapaz lhe trazia más lembranças (da prisão onde sua falecida esposa ficou presa, coisa de que, releva mencionar, o Bane não tem nenhuma culpa). Tal injustiça a levou a cortar relações com o pai (o que faz sentido, pois o que ele fez com o Bane é uma tremenda escrotice). E por que, no primeiro filme, o Ra's Al Ghul queria destruir Gotham? Para "restabelecer o equilíbrio", pois a corrupção na cidade era endêmica. Só que esse plano não faz mais sentido. Como eu já disse, fica claro, no início do filme, que a distopia que era Gotham City no Begins é coisa do passado e a cidade, agora, desfruta de um período de ordem, paz e prosperidade. O "plano infalível" dos vilões na verdade concretiza o extremo oposto do que o pai da Talia queria: desestabiliza tudo e deixa a cidade no caos absoluto, mais ou menos como ela estava no primeiro Batman do Nolan. Em resumo: a motivação dos vilões é colocar em prática um plano que não faz mais sentido, idealizado por um sujeito que ambos têm motivos de sobra para detestar. É impressão minha ou toda a premissa do filme é, basicamente, retardada? Não, não é impressão minha. É verdade. A moral da história é que deixar sua cidade ser comandada por um bilionário desequilibrado, que nunca trabalhou na vida e gosta de sair por aí vestido de morcego espancando meliantes; um comissário de polícia mentiroso, e um prefeito que conseguiu restabelecer paz e tranquilidade graças a uma lei de constitucionalidade questionável, elaborada em razão de uma mentira, é infinitamente melhor do que colocar o poder nas mãos das massas.

Mas por que, se não havia qualquer razão para acreditar que a revolução daria certo, eles deixaram a bomba atômica com uma contagem regressiva de cinco meses? É aí que entra a minha interpretação, segundo a qual o Bane é o verdadeiro "hero unsung" da trama.

Eles não queriam vingar o Ra's Al Ghul, nem implementar o plano deste. A verdadeira intenção do Bane era mostrar, de forma empírica, que comunismo não funciona na vida real. E ele tinha tanta certeza que agendou, desde o início de sua "revolução", a destruição completa da Gomorra em que Gotham se transformaria. Afinal, um sujeito com um mínimo de decência não poderia deixar aquela abominação continuar a existir. E tal plano, naturalmente, implicava em morrer junto com o resto da cidade, pois ele não exibe, ao longo do filme, a menor de intenção de sair de Gotham antes da concretização do holocausto nuclear. Pois é, o Bane morreu para provar que minha opiniões sobre política estão corretas. Francamente, só faltava terem crucificado o brucutu para seu martírio se tornar completo. A única pessoa na história da humanidade que tentou, sem picaretagens, implementar o comunismo idealizado por Marx só provou, cabalmente, que tal idéia é inteiramente imbecil. Não supreende que tal indivíduo tenha sido treinado por meu herói, Liam Neeson.

Ele merece um lugar ao lado de São Pedro, Ghandi e Martin Luther King.
A Mulher-Gato dá cabo do Bane... Peraí...

Até parece que eu ia perder a oportunidade de exibir esta foto...
A Mulher-Gato dá cabo do Bane, o Batman mata a Talia Al Ghul (embora o Nolan possa alegar que ele, tecnicamente, não MATOU a moça), dá fim na bomba, todo mundo pensa que ele morreu, depois é revelado que ele não morreu e o Robin aparece. Conforme demonstrado, de forma inequívoca, pelo nosso sagaz amigo Renzo Mora, o final é um plágio descarado de um episódio do Batman do Adam West. Sério. Clique no link, veja o vídeo, descreva-o de forma mais objetiva possível e perceba como ele corresponde, exatamente, à sequência de eventos que narrei no início deste parágrafo. Muito bonito pra cara do Mr. Nolan...
 
Agora, falando sério, a verdadeira moral deste post é que, para quem vai ao cinema procurando "mensagens relevantes", qualquer filme pode ser interpretado como metáfora para a convicção política debilóide do espectador em questão. Putz, primeiro aqueles idiotas falando sobre o Dark Knight ser "propaganda pró-Bush" e agora um bando de amanezados dizendo que o filme é uma "alegoria sobre a luta de classes". Pelo amor de Deus, o filme envolve, literalmente, a luta entre os ricos e pobres de Gotham! Se o tema é abordado diretamente, a suposta alegoria, obviamente, não é uma alegoria. Abordagem direta do tema é exatamente o contrário de alegoria. E ainda temos, claro, os irmãos Nolan enchendo a boca para dizer que a obra foi inspirada por A Tale of Two Cities, incluindo citação direta do texto no "enterro" do Bruce Wayne.

A verdade é que O Cavaleiro das Trevas Ressurge é só um filme de ação muito bom, mas com o roteiro cheio de buracos. Christopher e Jonathan Nolan deviam tentar sanar as inconsistências de seu texto antes de evocar comparações com a obra de Dickens. Cara, francamente... Por que raios o Bane, após derrotar o Batman, deixa seu arqui-inimigo numa prisão da qual este pode escapar, basicamente, dando uns pulos? Como diabos o Bruce Wayne, falido e sozinho, conseguiu viajar do Paquistão para uma Gotham City tão definitivamente isolada que nem as forças armadas tentaram invadir? E desde quando basta dar uma pancada nas costas e deixar o cara pendurado para curar uma coluna vertebral fraturada? Eu tenho certeza que os paraplégicos e tetraplégicos vão adorar descobrir que todos os seus problemas podem ser resolvidos de forma tão singela. Puta que o pariu, não tinha como elaborar uma motivação para os vilões que não fosse completamente sem sentido?

Não me entenda mal. A despeito do que tudo indica, eu adorei The Dark Knight Rises. Vi o filme mais de uma vez e vou comprá-lo quando sair em BD. Não sou cretino, contudo, a ponto de acreditar que "adorei o filme" significa que este é perfeito. Acho que o Christopher Nolan fez os três melhores filmes baseados em gibis de todos os tempos. Gosto muito de suas obras (inclusive de Insônia, que, em minha opinião, é muito superior ao original e foi injustamente esculachado), considero o sujeito um artista de verdade, um cineasta muito mais competente que a maioria dos colegas de sua geração e fico feliz ao perceber que ele tenta fazer filmes comercialmente viáveis, porém mais inteligentes que o blockbuster padrão, com sucesso. Agora, para ele chegar ao ao mesmo patamar que um Kubrick, um Friedkin, um Coppola-da-década-de-70, um Michael Mann, um Sergio Leone ou um Scorsese, o inglês ainda vai precisar comer muito feijão. O Cavaleiro das Trevas Ressurge não é superior nem a Inimigos Públicos. Não faz o menor sentido tentar colocar o filme na mesma categoria de obras como The Godfather, Operação França ou Era uma Vez no Oeste. Isso é completa falta de noção.

2 comentários:

  1. Gostei do post. Bela análise. Concordo com muita coisa que vc disse. Eu apenas acho que o Nolan usou e abusou da liberdade poética, o que justificaria tanto furo no roteiro. Acho que o cara se preocupou menos em fazer um filme isento de furos e se preocupou mais em captar o espírito de vária sagas do Homem-Morcego (eu me senti como se eu tivesse lendo pedaços de "Queda do Morcego", "O Legado do Demônio", "Terra de Ninguém" e mesmo o mais recente "Descanse em Paz").
    Quanto à comparar Nolan com esses Pesos-Pesados, eu acho desnecessário, como não é necessário comparar Lucas com Pelé, ou Riordan com Tolkien.

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    1. Obrigado pelo feedback. Entendo que comparar o Nolan a monstros do cinema e da literatura pode ser injusto, mas ele próprio (ao citar "Fogo Contra Fogo" como inspiração para TDK e colocar passagens de "A Tale of Two Cities" no final de TDKR) acaba evocando tais comparações. De qualquer maneira, apesar de todos os defeitos que enumerei (e de a "surpresa" no final de "Rises" transformar o Bane, que até então, era um antagonista tão formidável quanto o Coringa do Heath Ledger, em um capacho de luxo) ainda concordo contigo: considero a trilogia "Dark Knight" do Nolan uma das melhores (senão A MELHOR) adaptação de HQ para o cinema e acho que o diretor concretizou coisa que gente como o Coppola (com "O Poderoso Chefão") e o Spielberg (com o Indiana Jones) não conseguiram: fazer uma série que mantém, consistentemente, uma qualidade acima da média.

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