domingo, 26 de agosto de 2012

"Mortos que Andam" ("Dead Men Walk", 1943), mas, felizmente não brilham

Apesar da referência no título do post, não vou sacanear com a "Saga Crepúsculo" porque, convenhamos... qualquer piada sobre a "obra" é obsoleta. Vou, ao invés disso, fazer algo construtivo: enaltecer um filme que tentou uma fazer uma "nova abordagem" sobre vampiros com muito mais inteligência que a Stephenie Meyer. Em 1943. Com, aparentemente, um orçamento de 10 dólares. Estou apenas chutando, é claro. O filme pode ter custado menos. Mas merece ser visto.

Dead Men Walk ("Mortos que Andam", surpreendente título brasileiro que consegue, simultaneamente, ser fiel ao original e fugir do ridículo) é uma produção da Producers' Releasing Corporation (mais ou menos o equivalente da década de 1940 aos picaretas da Asylum - se fosse hoje, o filme provavelmente se chamaria "Vrácula 2012" ou algo semelhante) que, ao invés de plagiar o "Drácula" da Universal, parte de uma premissa bastante original e, ao mesmo tempol, fiel ao folclore eslavo.

Apesar de se tratar, em minha opinião, de um bom filme, a pobreza da produção conduz, evidentemente, à inevitável presença do fator trash, que já se faz presente antes dos créditos de abertura: A história começa com um tomo, intitulado "History of Vampires", sendo jogado em uma lareira. Nas chamas, surge o supracitado fator trash: o rosto de um indivíduo anônimo e descabelado (será o Satanás?),  ridicularizando a nós, "criaturas da luz" por não acreditarmos em lendas macabras, tais como, por exemplo, bruxas, lobisomens, e, é claro, VAMPIROS! O monólogo é bem risível: o descabelado fala o tempo todo em um tom de desprezo e superioridade, usando um linguajar rebuscado e pretensioso (ao invés de criatura das trevas, ele poderia ser um "crítico profissional de cinema"). E o visual do "palestrante" sobreposto à lareira parece coisa concebida pelo Ed Wood.

Náo é um devorador de fogueiras que vai me convencer de que vampiros existem...
Após o discurso sobre "Mistérios do Desconhecido" e os créditos, começa a narrativa, no enterro de Elwyn Clayton (George Zucco, veterano coadjuvante de filmes de monstro da Universal), que, ao que tudo indica, já foi tarde: no meio do velório o padre/pastor é interrompido por Kate (Fern Emmett, outra coadjuvante profissional). A senhora fica horrorizada com o fato de Elwyin, um "servo do demônio", cujas mãos estão "manchadas com o sangue de inocentes", estar sendo sepultando como um bom cristão. A véia doida leva um chega-pra-lá do ministro, que a expulsa da igreja e pede desculpas ao irmão gêmeo do falecido, Dr. Lloyd Clayton (adivinha por quem ele é interpretado? Pelo irmão gêmeo do George Zucco? Não! Ele também é interpretado pelo Zucco, pois, por incrível que pareça, naquela época eles já tinha tecnologia [espelhos e edição] que viabilizavam a interpretacão de dois personagens pelo mesmo ator). Este, contudo, não parece guardar nenhum ressentimento pelas acusações da maluca.

Outro indício de que Elwyn não era o indivíduo mais querido das redondezas é mostrado após o enterro, quando, ante o sepulcro, Lloyd conversa com a filha do defunto, Gayle (Mary Carlisle) e o namorado desta, o também médico David Bentley, sobre seu nada saudoso irmão. Após comentar que espera que o defunto encontra na morte a paz que nunca encontrou em vida, o bom doutor passa a, com um tom enganosamente austero, descer o pau no irmão, afirmando que este era sinistro e detestado desde criança e que, após uma viagem à Índia, o mesmo ficou obcecado por demonismo e passou a desprezar "tudo que é caro aos homens decentes" (como certos escritores anglo-saxônicos que conheço, o Dr. Loyd parece nutrir uma certa suspeita [ou, como prefiro colocar, racismo escroto] contra gente de pele mais escura). Depois de, delicadamente, destruir a imagem do falecido ante a filha deste, Dr. Lloyd vai à casa deste, tocar fogo no acervo bibliotecário do irmão. Tudo indica que era ele quem estava jogando o livro na lareira no início do filme.

É então que a verdade sobre o óbito de Elwyn Clayton começa a surgir, tornando duvidoso o caráter do supostamente compassivo e sensível Dr. Lloyd: a destruição dos livros é interrompida por Zolarr (Dwight Frye, interpretando, novamente, o Renfield, só que com outro nome), discípulo do falecido, que acusa o médico de estar destruindo uma coleção de valor inestimável e de ser responsável pela morte de seu mestre, que, oficialmente, sofreu um acidente e caiu de um penhasco. Lloyd alega ter praticado o ato (já está admitindo!) em "legítima defesa", mas o capacho do feiticeiro não engole a conversa: ele insiste que o médico seguiu o irmão até o local da queda desta, com a intenção de cometer o homicídio. O argumento do bom doutor é mais suspeito ainda: ao invés de insistir com a história de "legítima defesa", ele simplesmente observa que o Zolarr "não vai convencer ninguém disso". É impressão minha ou o venerável Dr. Lloyd Clayton está, basicamente, dizendo para o corcunda não encher o saco, porque, embora tenha matado o irmão, ninguém pode provar. Sério, o cara nem se deu ao trabalho de inventar que o irmão foi morto por um "cara porto-riquenho"? Pouco a pouco, o doutor começa a parecer pior que o O.J. Simpson, que pelo menos não se defendeu alegando simplesmente que "vocês não podem provar nada contra mim!" O concurda, indignado, afirma que o véio vai pagar pelo que fez.

Pouco depois, o médico é informado pela sobrinha que esta aceitou o pedido de casamento do namorado e o júbilo é geral. Sinceramente, esse pessoal todo está me parecendo muito acanalhado. A moça parece tem toda a elegância e timing da Susana Von Richthofen: o presunto de seu genitor mal esfriou e ela já está feliz da vida porque vai desencalhar? Como já disse antes: se minha família fizer esse tipo de escrotice depois de minha morte, vou assombrar geral! Brincadeira, eu sei que isso não vai acontecer: ao contrário do que todo mundo que me conhece pensa, eu sou, como o Ra's Al Ghul, imortal.

Na mesma, noite, Zolarr, provando que era o único amigo do falecido, exuma este, abre o caixão e chamando seu mestre. Que levanta.

Senhoras es senhores, meninos e meninas, uma salva de palmas para Elwyn Clayton!
Isso mesmo: como recompensa pelos bons serviços prestados, Shaitan resolveu presentar seu servo com o dom da imortalidade, transformando-o num vampiro! E sim, esta é, segundo o folclore romeno, uma das formas de alguém se tornar um um morto-vivo: tendo sido um blasfemador contumaz em vida. O que, confesso, me deixa bastante satisfeito. Afinal, quando adolescente, eu era o tipo de ateu escroto que gostava de ridicularizar a fé dos outros só pra me aparecer. Agora, descubro que isso pode render frutos: caso o folclore romeno esteja correto, tornar-me-ei um nosferatu após a morte. E, cara, eu vou ser muito foda: nada de "vampiro atormentado que respeita a santidade da vida" - eu vou ser um monstrolão badass, casca-grossa, aterrorizante, tipo aquelas criaturas de 30 Dias de Noite. Mas continuarei postando aqui pelo resto da eternidade, de modo que todo mundo ficará feliz. Até minhas vítimas, que transformarei no meu exército de vampiros e usarei para finalmente me tornar o Palpatine dos trópicos. Mwuahahahahaha! Aposto que a pessoa que me acusou de fascista, agora, deve estar se borrando de medo. E com razão, pois está fodida.  Mas planejarei minha carreira de vampiro mais tarde. Continuemos com o filme.

Como o Drácula do Mel Brooks, Elwyn está morto e feliz, porém ainda bastante fraco. Faz-se necessária, pois, uma refeição. Numa cena que não faria feio ao lado de filmes expressionistas alemães, o morto-vivo caminha por entre os túmulos e, na cena seguinte, adentra o quarto de uma jovem anônima, que se torna sua primeira vítima.

Sem nenhum sarcasmo: as imagens acima são dignas de posar ao lado do Nosferatu de Murnau.
Em um toque de edição supreendentemente eficaz para uma produção da PRC, a cena termina com um fade to black e temos, em seguida, uma transição para o mesmo quarto, durante o dia, uma semana depois (conforme exposto pelo diálogo), onde o irmão gêmeo está declarando o óbito da moça, perplexo - no lapso de uma semana, o status da moça mudou de "completamente saudável" para "morta por perda de sangue".

Evidente, pois, que Elwyn já superou sua fraqueza inicial. O que ele não superou foi a raiva que sente do irmão, que, de fato, o matou. O vampiro, agora bem alimentado e cheio de moral, vai visitar seu mano, dar-lhe um esporro por tê-lo assassinado (sim, tudo o que Zolarr disse sobre a morte de seu mentor era verdade!) e mostrar que tal escrotice de nada valeu, pois ele continua em plena forma. Mas, como o que vale é a intenção, Elwyn explica tranquilamente ao irmão que vai destrui-lo lentamente, fazendo-o perder tudo que ama antes de uma morte sórdida, e que vai começar pela própria filha, Gayle, que é uma candidata ideal para ser discípula do vampiro. E o que o respeitável Dr. Lloyd alega em sua defesa? Que, além de ser uma ameaça à "pureza teológica" da filha, digamos, assim, seu irmão conduzia um estilo de vida ofensivo a tudo que é decente e sagrado. Então, vejamos se eu entendi bem: Elwyn Clayton viajou para o exterior, adotou uma religião exótica e estava planejando apresentar a filha a tal religião (nada mais natural que um pai entusiasmado com sua nova fé queira compartilhar suas convicções religiosas com a própria familia). E foi por isso que seu supostamente decente irmão o assassinou? Repare que, apesar de toda a conversa mole da Kate (que, não custa lembrar, é uma pessoa de sanidade, no mínimo, duvidosa), não fica demonstrado, em momento algum, que, antes de virar vampiro, Elwyn tenha feito mal a alguém. Sinto muito, mas vou tomar partido do satanista/vampiro. Cada vez mais, o Dr. Lloyd está me parecendo uma versão fuleira do Torquemada. É, doutor, tenho certeza que o Judiciário engoliria essa defesa: "matei mesmo, Excelência, mas a religião dele era esquisita". Apelando, ele saca uma arma (porra, que tipo de médico guarda um revólver no consultório? Ele é avô do John McCabe?) e mete bala no irmão. Naturalmente, sem nenhum efeito.



Elwyn Clayton, sendo foda
Cara, o "Muahahahaha" no final da cena é totalmente massa e, ao mesmo tempo, hilário. E o Zucco mostra que, de fato, estava sendo subutilizado pelos grandes estúdios: ele interpreta o "mocinho" e o "vilão" usando o "método Clark Kent" (sem tirar nem por: a única diferença entre Lloyd e Elwyn é que um usa óculos e tem o penteado diferente) e ainda assim logra duas caracterizações muito distintas de forma extremamente convincente. Em momento algum, o espectador vai ter dúvidas a respeito de qual Clayton está em cena. E a maneira escolhida pelo ator para interpretar o morto-vivo também é bastante criativa: ao invés de macaquear o Bela Lugosi, como se poderia esperar de um filme de vampiro de uma produtora de fundo-de-quintal, o vampiro criado por Zucco lembra uma versão mais sinistra do Lex Luthor do Gene Hackman: um supervilão brilhante, cheio de planos fodásticos e se divertindo à beça com toda a maldade. Com um plus: ao contrário do Luthor, Clayton tem um capanga razoavelmente competente. Zolarr faz algumas besteiras, mas todas compreensíveis e nada que o faça parecer um comic relief debilóide.

E o "plano infalível" do vilão também faz bastante sentido: ao contrário dos monstros da maioria de filme de vampiro, ele aproveita mesmo o fato de ninguém acreditar em tais criaturas em seu favor. Quando a saúde da Gayle começa a fraquejar e seu tio explica ao noivo da moça que suspeita se tratar de uma doença de cunho sobrenatural, a reação natural do jovem médico, ao contrário do Dr. Seward, é concluir que o Lloyd está perigosamente desequilibrado e procurar a polícia. Quando o moço finalmente é convencido de que a noiva, de fato, está sendo vítima de vampirismo, a merda já está feita: o boato vaza, toda a vila acha que o médico está louco e provocando a morte da sobrinha (pois ninguém acredita em vampiro, mas todo mundo achava Elwyn um pervertido psicopata, não sendo surpresa que seu irmão seja também maluco). Para tornar a coisa ainda mais feia, Elwyn começa a praticar maldades em público, com o objetivo, evidentemente, de que que a culpa recaia sobre seu irmão gêmeo. Tudo isso leva os "líderes da comunidade" a reunir um turba para linchar o Dr. Lloyd (mostrando, mais uma vez, que nada é mais perigosamente imbecil que a multidão), enquanto o médico tenta salvar a sobrinha e destruir o vampiro satanista de uma vez por todas. Tudo conduz a uma conclusão bastante coerente, que amarra todas as pontas e não apela para nenhum golpe baixo.

Atenção: não estou dizendo que Dead Men Walk é uma obra-prima. Longe disso. Tirando o George Zucco e o Dwight Frye, todas as interpretações são péssimas, executadas com aquele inconfundível semblante de "só estou aqui para pagar as contas". Os cenários deixam evidente que a produção contou com um orçamento muito limitado. A trilha sonora é genérica para filmes de horror da época. A abertura do filme é muito trash e os monólogos vilanescos de Elwyn Clayton, embora declamados com inegável verve por Zucco, frequente e hilariantemente descambam para o camp. Ainda assim, trata-se de um filme acima da média, dirigido com competência e, por vezes, com bastante estilo e com uma bela fotografia em preto-e-branco, que acentua a natureza gótica da trama. Até onde eu sei, seu roteiro é singular na abordagem do vampirismo. Nenhum dos personagens assume comporamentos implausíveis, o que já torna o filme superior a 90% do cinema de terror. A história é concisa, com uma duração de 63 minutos. E, o melhor de tudo, o filme está em domínio público e você pode vê-lo de graça, no YouTube. Só para mostrar como sou um cara legal, eis o vídeo abaixo:

 
É original em inglês, sem legendas. Vejam-no. Vale a pena. E, se alguém  que não falar inglês estiver realmente interessado em assistir, deixe uma mensagem. Tenho uma cópia do filme com (péssimas) legendas em português e qualidade de imagem inferior, mas é melhor que nada. Se alguém quiser ver, coloco no YouTube.

2 comentários:

  1. Saudações amigo tomei da liberdade de pegar emprestado seu texto e tambem upei o filme na rede
    http://bagacafilmesentrenimento.blogspot.com.br/2013/05/mortos-que-andam-dead-men-walk-1943.html
    espero que goste.
    tenho mais coisas de horror em meu blog

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