segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Paella Horror Parte 2: "Segundo Nome"


No post sobre Darkness, após longa divagação, observei que, embora seja tarado pelo gênero, são poucos os filmes de terror que realmente me assustam, porque a maioria deles confunde "natureza do mal" com "monstro horrível vai te pegar!"

RAR! I'M A MONSTA!
O mesmo ocorre com a literatura de horror. Gosto bastante de Stephen King, Robert McCammon e Simon Clark, por exemplo, mas (com exceção de Salem's Lot e O Comitério, no caso de King) raramente me assusto com suas obras. Considero os livros do King ou do McCammon entretenimento de qualidade, mas raramente perturbador. Uma figura singular na literatura de horror, em minha opinião, é Ramsey Campbell, cujos livros me assustam PRA CARALHO. Não por acaso, "A Sétima Vítima", embora tenha roteiro original, é um filme fortemente inspirado por Campbell. Seja o objeto horror psicológico ou sobrenatural, as obras do inglês têm em comum a habilidade de situar o leitor num mundo onde tudo é sinistro e desolador e só há duas espécies de pessoas: os malignos e as vítimas. Os protagonistas (ou, habitualmente, as protagonistas) acabam descobrindo que, na ramseycampbellândia, tudo que serve de arrimo para sua existência - família, Estado, religião - são fachadas para monstruosidades ou instituições ineptas que, na melhor das hipóteses, não as ajudarão e, na pior, se aliarão ao Mal que as persegue. Não sei nem se "assustado" ou "aterrorizado" é uma descrição precisa para a sensação que os livros de Campbell evocam. Talvez seja mais acertado dizer que as obras do homem me deixam deprimido, desanimado e convencido de que, como diz a Melisandre de Asshai, a noite é escura e cheia de terrores. Considero o indivíduo o maior escritor do gênero em atividade.

Curiosamente, embora haja uma infinidade de filmes retardados baseados em contos de dez páginas do King (como, por exemplo, Mangler e a aparentemente inesgotável série Colheita Maldita), só duas obras de Campbell foram adaptadas para o cinema até o presente momento. Mais curiosamente ainda, as adaptações em questão - A Seita, baseada em The Nameless, e o filme ora analisado, baseado em Pact of the Fathers - foram concretizadas por diretores espanhóis - respectivamente, Jaume Balagueró e Paco Plaza. Não me emputeço mais com essas coisas porque é desperdício de tempo e energia, mas é um fato que diz muito sobre a inteligência e bom-senso de Hollywood, máxime quando se considera a avalanche de remakes desnecessários e/ou horríveis que saíram nos últimos anos e continuarão a ser lançado - os exemplos mais gritantes são o patético Total Recall do Len Wiseman e o Robocop/Jaspion que, tudo indica, o Padilha não vai conseguir fazer prestar. Mas não adianta perder tempo espancando deficiente. É mais produtivo falar sobre Segundo Nome, adaptação que não só faz justiça à obra de Ramsey Campbell, como supera o original.

O filme começa com um tiro na cabeça. O crânio em questão pertence a Theodore Logan (Craig Hill), que, inexplicavelmente, resolveu precipitar o inevitável e dar uma de Hemingway. O suicídio deixa desolada e atônita a filha do defunto e protagonista, Daniella (Erica Prior). A manceba, o filme revela, tinha uma relação muito carinhosa com o genitor e não faz idéia do que teria levado este a encerrar sua existência. A situação ruim fica ainda pior quando, na mesma noite, Daniella recebe uma fita cassete (crianças, perguntem a seus pais o que é isso) com uma música de ninar que nunca ouviu antes e alguém viola o túmulo de Thedore e submete o presunto a uma profanação ritualística das mais ofensivas e repugnantes - o cadáver do pai da heroína é deixado nas ruínas de uma igreja abandonada, completamente despido, ajoelhado, com punhos amarrados com arame farpado e torso e tornozelos trespassados por lanças de madeiras cravadas no chão. Tenho que abrir parênteses para elogiar a direção de Paco Plaza - sutilmente, combinando a singela canção de ninar e uma edição que leva nos leva do lar da protagonista ao templo arruinado, onde nos deparamos com o cadáver de Theodore Logan e os ratos que lhe fazem companhia, o espanhol cria uma sequência genuinamente desagradável e perturbadora, conseguindo transpor para a tela, com perfeição, toda a "Ramsey Campbell Experience".


Injuriada com o ocorrido e com a inépcia da polícia em descobrir o motivo do suicídio e da profanação dos restos mortais de seu genitor, Daniella resolve investigar os últimos dias deste. Descobre que, pouco antes do óbito, seu pai se encontrou com um ex-presidiário deformado, Toby Harris (Craig Stevenson). Oficialmente, Harris passou o último par de décadas vendo o sol nascer quadrado como pena por ter provocado um incêndio no apartamento onde morava, causando a morte de sua esposa e filha recém-nascida. O ex-detento (que, descobrimos, enviou a supracitada fita de aúdio para Daniella), contudo, tem uma versão diferente para o ocorrido: ele alega que o incêndio foi acidental e que só sua esposa morreu no desastre - sua filha teria sido "comprada" de sua cônjuge alcóolatra pelos pais de Daniella. Tudo indica, em outras palavras, que Daniella é, na verdade, filha de Harris. A história, contudo, fica mais cabeluda: ao tentar se comunicar com a mãe, Nana (que está há anos num manicômico, em estado de catatonia crônica e aparentemente incurável e tão inexplicável quanto o suicídio de seu marido), a protagonista só consegue arrancar uma palavra desta: "Josephine". A sucessão de eventos aparentemente sem nexo começa a fazer sentido quando Daniella é abordada pelo Padre Elias (John O'Toole), que tem uma bizarra teoria. Segundo o sacerdote, Theodore Logan fazia parte dos abramitas, uma seita secreta, porém imensamente poderosa, cujos membros seguem a tradição (conforme a história do patriarca do Velho Testamento cristão) de sacrificar seus primogênitos em troca de favores divinos. A forma como o cadáver do pai da mocinha foi profanada seria o castigo típico para membros da seita que não cumprem a obrigação de oferecer o primeiro filho em sacrifício. Outra parte da tradição dos abramitas (que explica o título do filme) é batizar o primogênito a ser sacrificado com o segundo prenome do pai - Joseph, no caso do pai de Daniella, na hipótese de criança do sexo masculino ou (dã-Dã-DÃ!) Josephine, em se tratando de criança do sexo feminino. A moça começa a acreditar na teoria quando descobre, literalmente, um esqueleto escondido e, pouco a pouco, passa a desconfiar que todos que a cercam - os amigos do falecido pai, em particular - estão ligados aos abramitas e que, caso ela não consiga impedir, a próxima criança a ser sacrificada será o filho (a) de sua amiga Chrysteen, que está prestes a dar a luz e pretende batizar a criança de Gabriel ou Gabriella, segundo nome de seu marido. Tudo conduz a um clímax tenebroso, deprimente e que parece corroborar a máxima pessimista segundo a qual "a situação sempre pode ser pior - você é que não tem imaginação."

Como já mencionei, Paco Plaza demonstra entender intimamente o que torna a obra de Ramsey Campbell perturbadora e traduz o "feeling" para o cinema com perfeição. Como Jaume Balagueró fez antes, ao adaptar The Nameless, e faria novamente com o retromencionado Darkness, o diretor inicia El Segundo Nombre com um tom bastante prosaico - a impressão inicial do espectador desavisado será a de que está assistindo a um melodrama sobre uma família desajustada. A aparente banalidade, contudo, é gradualmente demolida, deixando o espectador com a mesma sensação de desamparo e incredulidade que a protagonista e permeando a narrativa com uma sensação de desgraça inevitável. Não logro pensar numa palavra em português que descreva precisamente a atmosfera que o filme consegue atingir - não se trata propriamente de suspense, mas do que os anglo-saxões chamam de doom: o espectador começa a perceber que a protagonista não está fugindo de um monstro, mas que ela esteve, durante toda sua vida, cercada por monstros e só agora, talvez tarde demais para conseguir mudar a situação, está começando a perceber o mundo tenebroso que a cerca. A adaptação consegue ser ainda mais fatalista que o livro em que se baseia - não vou entrar em detalhes, mas o final do filme é completamente diferente e, surpreendentemente, muito superior ao de Pact of the Fathers, deixando o espectador com a estranha impressão de que levou uma porrada no estômago, cujos efeitos vão perdurar por um bom tempo. Não é uma algo agradável, mas é, sem dúvida, infinitamente melhor do que a exclamação de "Puta Merda!" provocada por baboseiras como a "nova versão" de Total Recall. Em síntese: meu conselho é que você veja Segundo Nome, que é, ao lado de Darkness, um dos filmes de horror mais injustamente ignorados das últimas duas décadas (e que, para minha surpresa, foi lançado no Brasil em DVD) e evite o remake de Total Recall (só enfatizando, para não deixar dúvidas aos menos sagazes: TOTAL RECALL 2012 É HORRÍVEL, CARA! NÃO VEJA! É UMA BOSTA MESMO!) como os vampiros evitam a luz do sol.

Walk away! Just walk away!

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