terça-feira, 5 de maio de 2009

El Conde Drácula: Jess Franco Picareta? Sem dúvida.


Cara, eu adoro este filme!

Para não iludir ninguém (como fui iludido ao comprar esta bomba pela primeira vez), devo deixar claro, de plano, que "El Conde Drácula" é uma porcaria. A primeira vez que tive contato com esta "obra" foi através da Amazon.com. Minha principal fonte de informação foi a seção de comentários de usuários, alguns dos quais defendiam o filme como "a mais fiel adaptação da obra de Stoker de todos os tempos" e "carregado da atmosfera e os cenários góticos do clássico". Mal sabia eu que, geralmente, quando alguém comenta um filme ou livro na Amazon, é para elogiar, por menos virtudes que tenha a obra. Não vá por mim, veja lá: é raro algum produto com nota abaixo de três estrelas.

Mas, enfim, eu não sabia disso à época. Tudo que sabia era que, através das minhas astuciosas buscas pela "rede mundial de computadores", eu havia descoberto uma pérola do cinema de terror até então desconhecida pelo meu círculo de amigos, fãs do gênero. E com Christopher Lee interpretando Drácula! Se ele já era o fodão naqueles filmes da Hammer (menos naqueles dois últimos, em que ele se limita a, respectivamente, ficar nas ruínas de uma igreja, mordendo hippies [pelo menos uma das hippies era a Caroline Munro], e posando de vilão de filme de 007, querendo destruir o mundo), imagine na "mais fiel adaptação da obra de Stoker"! Amigos, serei mais sincero que o necessário: quase ejaculei na cueca quando descobri a existência deste filme. Senti-me como Keanu Reeves se sente ao descobrir, no final de The Matrix, que ele é o Escolhido. Foi um momento de glória. De repente, toda a realidade que me cercava era uma mera cortina de fumaça, que agora se havia dissipado, e eu era um deus entre insetos. Não perdi tempo. Saquei o cartão de crédito, comprei o VHS, escolhi frete priotário via DHL (trinta dólares por encomenda, mais cinco dólares por cada produto) e paguei mais 70% do valor em tributação. Nada disso era importante. O importante é que eu seria especial. EU TERIA A MAIS FIEL ADAPTAÇÃO DA OBRA DE STOKER DE TODOS OS TEMPOS! COM CHRISTOPHER LEE INTERPRETANDO DRÁCULA! E ASSISTIRIA ANTES DE MEUS AMIGOS E FICARIA FAZENDO INVEJA, ANTES DE PERMITIR, MAGNÂNIMO, QUE ELES COMPARTILHASSEM DESTA PRECIOSIDADE. E, APÓS ASSISTIREM, TODOS SE PROSTARIAM DIANTE DE MINHA TREMENDA POTÊNCIA E SE DIRIGIRIAM A MIM COMO "MAJESTADE" E "ALTEZA". VOCÊ SE AJOELHARÁ DIANTE DE MIM, JOR-EL!!! VOCÊ E SEUS DESCENDENTES!!! MUAHAHAHAHA!!! Que posso dizer em minha defesa? Eu era jovem, arrogante, fútil e, principalmente, não sabia o que significava "produção de Harry Alan Towers", "direção de Jess Franco" ou "edição de Bruno Mattei". Tampouco que esta "raridade" já havia sido lançada em VHS no Brasil.

Ainda bem que, ardiloso, eu esperei para assistir o filme antes de contar vantagem aos amigos.

A cópia do filme que eu tenho hoje é o DVD da Dark Sky Films, cuja abertura, tirada da edição francesa, é diferente da contida naquele antigo VHS, que há muito se perdeu numa mudança. Ambas têm, basicamente, a mesma sequência inicial de créditos: o Castelo Drácula filmado sob vários ângulos, ao som da trilha sonora de Bruno Nicolai (que, admito, é excelente). Comecei a ficar desconfiado quando percebi que tudo na sequência é obviamente filmado day-for-night. A segunda pista que me fez questionar a possibilidade de esta ser mesmo a "mais fiel adaptação", entretanto, só está presente no VHS da Republic, de modo que, infelizmente, não poderei colocar uma foto aqui. Trata-se de um texto que surge logo após os créditos, informando-nos (em letras garrafais e vermelhas), em síntese, que "HÁ CERCA DE CINQUENTA ANOS, BRAM STOKER ESCREVEU UMA DAS MAIS ATERRORIZANTES OBRAS DE TODOS OS TEMPOS. PELA PRIMEIRA VEZ, ESTAMOS ADAPTANDO, EXATAMENTE COMO ELE ESCREVEU, UM DAS PRIMEIRAS - E AINDA A MELHOR - OBRA DO MACABRO". Calma aí... O filme é de 1970. Drácula foi publicado pela primeira vez em 1897. De onde eles tiraram esses "50 anos" de idade? Os caras estão fazendo a "mais fiel adaptação" e nem sabem de quando é o livro? Segundo: a melhor obra de terror? Eu gosto bastante do livro, mas há uma diferença entre gostar de uma coisa e considerá-la uma obra-prima. Ok, gosto não se discute. Mas "uma das primeiras"? E Poe, que estava escrevendo "obras do macabro" antes de Stoker nascer? E Mary Shelley? E "O Vampiro", de Polidori. E "Varney, the Vampire"? E "Carmilla"? Fiquei meio desconfiado, mas tudo bem. Vai que o pessoal tinha feito um filme tão bom que acabou se empolgando e acabou escrevendo uma introdução meio desencontrada. Essas coisas acontecem...

O filme começa como o livro, com o advogado inglês Jonathan Harker (Fred Williams) embarcando em um trem, a caminho de Bistritz, na Transilvânia. A produção parece ser "meio" barata, a fotografia lembra uma novela da Globo da década de 80, fica evidente que Jess Franco é meio chegado num zoom (ele dá um close até na madeira da parede de um dos vagões do trem, quando este parte), mas nada que faça supor que o filme é um desastre. Só há outro passageiro no vagão de Harker, com o qual este começa a puxar conversa (é surpreendente como, em todos os filmes que se passam no Leste Europeu do século XIX, sempre tem alguém que sabe falar "um pouco de inglês"). Após uma uma amistosa troca de amenidades, Harker acaba revelando que vai visitar seu cliente, o Conde Drácula, deixando seu companheiro de viagem atônito. É neste momento que o espectador começa a perceber que a sutileza não é uma das virtudes de Franco. Ele demonstra o estarrecimento do passageiro utilizando duas táticas: 1) o ator fica com a expressão de quem está tentando dividir 143698541235792 por 137,78; e 2) a câmera dá um zoom tão intenso na cara do cidadão que quase dá para ver os pêlos do nariz dele. Confiram:



"Meu caro Senhor, que Deus o preserve, pois, se vai encontrar o Conde Drácula, você precisará da ajuda de Deus", diz o viajante, com a mesma cara de quem está tentando descobrir a raiz cúbica de 98768574362145698. Harker, por seu turno, limita-se a ficar com a expressão de quem acabou de detectar um acesso de flatulência. Nada de "Por que eu vou precisar da ajuda de Deus?" Só uma cara de quem acabou de perceber que pisou em esterco e silêncio absoluto. Se essa é a eloquência habitual de Harker, eu sugiro que ele repense sua decisão de ganhar a vida advogando.

Na próxima cena, as coisas parecem prestes a melhorar: Harker chega de carruagem ao hotel onde pernoitará em Bistritz, antes de seguir viagem. É uma tarde nublada e chuvosa, trovões ecoam e as ruas estão desertas. O proprietário do estabelecimento informa ao advogado que seu quarto está pronto e que o Conde deixou reservada uma passagem na carruagem do dia seguinte, que o deixará no Passo Borgo, onde a carruagem do conde o encontrará. Harker vai logo dormir. A esposa do proprietário, contudo, fica com uma atitude bastante suspeita, isto é, andando de um lado para outro e olhando esquisito pro inglês.

Seu sono, contudo, é conturbado, talvez por pesadelos, talvez pelo fato de haver um cachorro chato pra caramba uivando na vizinhança. E não se engane: o uivo é inserido na trilha sonora num volume muito superior ao resto dos efeitos, tornando-se extremamente irritante. "Bem", pensei eu, à época que vi o filme pela primeira vez, "talvez seja intencional. Talvez o objetivo seja provocar desconforto no espectador." Um relâmpago ilumina o quarto (coisa estranha, porque, pelas cenas externas, o céu está claro e limpo como a consciência de um imbecil, sugerindo que está amanhecer de um dia ensolarado se aproxima; mais uma vez, day-for-night vagabundo). Lentamente, a porta do quarto vai se abrindo e, no momento em que outro relâmpago ilumina o recinto, Harker desperta, flagrando a invasora: a esposa do proprietário. Assustada, a moça sai correndo, mas o inglês vai atrás tomar satisfação. Ela explica que, segundo seu esposo, não devia avisá-lo, mas a noite seguinte será a véspera do dia de São Jorge, quando, "à meia-noite, foi enterrado Antônio, que você matou, e à meia-noite, Zé, você sentirá o medo, porque eu virei buscar sua alma!" Não, eu estava lembrando de um filme melhor. Na meia-noite da véspera do dia de São Jorge (então, tecnicamente, já não seria dia de São Jorge?), segundo a fulana, todos os espíritos do mal ficam ao nosso redor. Ela solta mais umas baboseiras vagas a respeito do lugar aonde ele vai, mas nada de explicar exatamente qual é o perigo. Bela ajuda.

Na cena seguinte, testemunhamos o que acontece quando o direção perfeccionista de Jess Franco se funde com a edição detalhista de Bruno Mattei: primeiro, temos uma visão panorâmica de Bistritz, mostrando que o céu está claro; em seguida, vemos Harker caminhando rumo à carruagem, obviamente à noite ou, pelo menos, de madrugada.

Todo mundo na carruagem fica estranhando Harker, o companheiro de viagem de trem (que, veja você, vai pegar a mesma diligência) solta mais mais abobrinhas vagas sobre a noite de São Jorge e o destino da viagem do inglês, mas, como sempre, ninguém fala nada claramente. Eram tempos diferentes, caracterizados por mais sutileza e polidez. Fosse hoje, eu simplesmente seguraria alguém pela gola e exclamaria, "Puta que o pariu, isso não é comercial do Walter Mercado! Falem logo que porra tem nessa merda de castelo!" Mas Harker é um gentleman, e se limita a ficar emburrado.

O colega de viagem conta que eles chegarão ao Passo Borgo após o anoitecer. A carruagem segue mata adentro, até parar numa área de denso nevoeiro (tão denso, aliás, que quase não dá pra ver nada). O cocheiro informa a Harker que "este é o Passo Borgo", deixando o advogado à própria sorte. A cena, tenho que admitir, é bastante atmosférica, até o momento em que a câmera se inclina para cima e flagramos o sol brilhando...

Da névoa, emerge a carruagem do Conde, O cocheiro tem o inconfundível vozeirão de Christopher Lee, mas seu rosto está coberto por um lenço. À medida que o coche segue viagem rumo ao castelo, Harker se assusta com os cada vez mais próximos uivos de lobos. A carruagem pára e só então percebemos, enregelados de pavor, que ela está cercada pelos ferozes predadores.

Quer dizer, quatro simpáticos pastores alemães, com rosnados "raivosos" colocados de qualquer jeito na trilha sonora que, nem de longe, convencem. Se esses adoráveis totós estão mesmo rosnando, eles devem ser ventríloquos. É sério, dá vontade de chegar e dar um afago nos bichinhos.

Paralisado pelo medo, Jonathan observa, incrédulo, o cocheiro descer da carruagem e, com um simples gesto e um olhar esbugalhado, fazer os "lobos" fugirem (e a fuga deles é hilária: é óbvio que alguém, off screen, começou a estalar os dedos e chamar os cachorros, que obedeceram alegremente). No livro (onde, de fato, a carruagem era cercada por lobos, não por pastores alemães ansiosos por um afago), tal episódio tem o condão dar uma amostra inicial dos tremendos poderes sobrenaturais do conde (e, se vocês não perceberam até agora que o "cocheiro" é Christopher Lee mal disfarçado, entrem em contato: estou vendendo terrenos na lua que certamente irão interessá-los); aqui, ficamos apenas com a impressão de que o vampiro é um sujeito ranzinza que detesta animais fofinhos. O cocheiro ecologicamente incorreto volta à carruagem e segue viagem.

Finalmente, a tensa (pfffffffffffffff) jornada chega ao fim e Harker é deixado às portas do imponente castelo. Mais uma vez, dá para ver que essa cena, que se passaria na calada da noite, foi filmada durante o dia, mas vou parar de comentar essas coisas pois já se tornou regra. Mas o castelo, devo admitir, realmente enche os olhos. Fica patente que se trata de um castelo de verdade, não de uma maquete vagabunda conjugada com sets fuleiros (como seria de se esperar). O que nos conduz à seguinte questão: como Franco e seu produtor notoriamente mão-de-vaca, Harry Alan Towers, conseguiram filmar no local? Tenho duas possibilidades em mente: uma, mais prosaica, seria a de que os dois encontraram algum aristocrata falido, ansioso por um dinheiro rápido para ajudar a pagar a hipoteca e resolver os problemas com o fisco (se foi o caso, aposto que a quantia paga ajudou muito pouco); outra é similar à minha teoria sobre a "locação" do equipamento de Kenneth Strickfadden para a produção de "Drácula vs. Frankenstein" - a dupla dinâmica conseguiu algumas fotos comprometedoras do hipotético aristocrata, provavelmente envolvento sexo com ovelhas. Enfim, apesar de ser porcamente filmada durante o dia, com filtros para tentar enganar os trouxas, a chegada de Harker ao castelo causa boa impressão. O negócio está começando a parecer "carregado de atmosfera gótica".

Após observar os morcegos que voam ao redor das torres da construção (muito criativo; mais criativo ainda são os guinchos dos bichos: sinceramente, nunca vi um morcego fazer barulho de um gato sendo estrangulado), o advogado bate na porta. Esta, após alguns segundos, lentamente é aberta, rangendo, e, na entrada, saindo das sombras, finalmente assoma o famigerado Conde. E aqui a coisa realmente começa a parecer que vai melhorar.

A César o que é de César: se há um aspecto em que o filme cumpre, plenamente, sua promessa de ser "a mais fiel adaptação" de "Drácula", é a excelente caracterização do conde. Em primeiro lugar, a aparência física de Christopher Lee está idêntica à maneira como ele é descrito no livro. A interpretação não fica atrás: sua linguagem corporal, seu notório vozeirão, seu porte, em geral, é genuinamente aristocrático, conforme seu equivalente literário. À primeira vista, tudo que enxergamos é um ancião de descendência nobre, impecavelmente refinado, que aprendeu a se comportar segundo protocolos que, mesmo à época, já estavam se tornando obsoletos, mas que se orgulha da história de sua linhagem, apesar de reconhecer a necessidade de "acompanhar o progresso". Quase dá para engolir aquelas lorotas que Lee adora contar sobre como ele pode traçar sua arvore genealógica até Carlos Magno.

Harker ingressa no castelo e o conde, explicando que os criados "já se retiraram", conduz o advogado até o quarto onde este ficará, no qual, aduz, o mesmo poderá se recompor após a cansativa viagem. E é nesse momento, quando os dois entram no quarto, que começamos a desconfiar de que o bom presságio inicialmente causado pela interpretação de Christopher Lee pode ser um engodo:

A "cena do espelho" já é muito manjada e foi mostrada em vários filmes, mas vamos relembrar como ela ocorre no livro. Após certo tempo de estadia, Harker percebe que, curiosamente, não há um espelho sequer no castelo. Para se barbear, acaba recorrendo a um pequeno espelho que trouxe em sua bagagem, o qual deixa pendurado na parede de seu quarto. Numa noite, ao fazer a barba, Harker toma um tremendo susto: uma mão pousa sobre o seu ombro e uma voz exclama "boa noite". Olhando para trás, ele percebe que se trata do conde, que entrou no quarto, se aproximou dele e colocou a mão em seu ombro sem refletir no espelho. Após olhar para o conde e para o espelho várias vezes, Harker acaba chegando à conclusão de que Drácula não tem reflexo, o que, evidentemente, sugere que o aristocrata é uma criatura sobrenatural.

Franco, por outro lado, tentou uma abordagem mais "inovadora": retratar o vilão do filme como uma besta quadrada que, sabendo não possuir reflexo, deixa um espelho gigantesco de frente à porta do quarto de hóspedes. E leva um hóspede para o referido quarto. E fica conversando com o hóspede na frente do espelho. Puta que o pariu... só faltou ele dar uma de Leslie Nielsen e chamar Harker para dançar uma polka na frente do espelho. Para mim, esse momento tornou nula toda a dignidade que Christopher Lee conferiu ao personagem: ainda bem que esse Drácula é um morto-vivo, pois, se ele fosse vivo, acabaria esquecendo de respirar.

Mais tarde, Harker vai jantar e fechar a venda de uma casa em Londres. O conde vê a foto da noiva do inglês, Mina, e de sua amiguinha, Lucy, mas Christopher Lee aproveita a cena para nos fazer, por breves e preciosos segundos, esquecer a imbecilidade da cena do espelho, recitando, com verve, longos monólogos extraídos do livro. Harker, entrementes, começa a perceber detalhes perturbadores que não havia notado inicialmente, tais como as unhas pontiagudas e os dentes afiados do aristocrata. Lobos começam a uivar e Drácula solta o clássico "ouça-as, as crianças da noite. Que música elas fazem!". O problema é que os uivos (como o cachorro chato no hotel) são inseridos em volume tão alto na trilha sonora que quase esperamos que Drácula perca a compostura e grite "Calaboca, caralho!" De qualquer maneira, a cena é decente, é a interpretação de Lee é fantástica. Como eu disse, a mais fiel ao livro. Após comunicar a Harker que este deverá passar alguns dias no castelo (querendo ou não), a pretexto de ensiná-lo mais sobre os costumes britânicos, o conde percebe que está amanhecendo e sugere que o advogado vá dormir.

Sozinho em seu quarto, Harker observa, pela janela, alguns ciganos carregando caixões no pátio do castelo e, tentando abrir a porta, percebe que está trancado. E o pior de tudo: ao encostar numa das colunas de sua cama, o inglês descobre que TEM UMA ARANHA PERTO DA MÃO DELE! AHHHHHHHHHHHH!

A coisa é ridícula: com uma repetina e histérica nota irrompendo na trilha sonora, Harker dá um pulinho pra trás e a câmera dá um zoom na aranha, como se esta fosse a coisa mais abominável que a mente humana poderia conceber. E nem é uma tarântula nem nada do tipo. Só uma pega-mosca vagabunda (de plástico, aliás). Começo a desconfiar da estabilidade mental desse Harker: ele vê um cara sem reflexo no espelho e não esboça qualquer reação, mas é só aparecer uma aranha pega-mosca e o homem dá um faniquito. Acerta essa porra com o sapato, rapaz!

Mais momentos de horror se concretizam quando o advogado vê a sombra de um morcego na janela (mas, quando ele viu os ciganos, o sol estava brilh... deixa pra lá), decide abrí-la e é atacado pela câmera de Jesus Franco, que ameaça várias vezes golpeá-lo no rosto com a lente. Ou será que a cena significava que ele foi atacado pelo morcego? Prefiro minha primeira interpretação, pois é mais interessante e, certamente, mais assustadora: como você reagiria se Jess Franco partisse pra cima de você com uma câmera em punho?

Exaurido por tantas manifestações macabras, nosso intrépido herói acaba se conformando com a presença da aranha e vai dormir...

... e corta para uma catacumba, onde, aparentemente, alguém deixou Harker, inconsciente. De três esquifes, três espectros se erguem, lentamente adquirindo forma física e revelando serem três beldades - as concubinas de Drácula. Quando estão prestes a morder o mancebo, Drácula surge do nada, puto da vida, e manda suas cachorras se afastarem, pois "este homem pertence a mim". Indagado pelas moças se não terão nada para degustar, o conde aponta, imperioso, para um saco no canto, onde algo se move - um bebê, pelo choro. As três vampiras se apressam em carregar o bebê para um cantinho onde poderão desfrutar de sua refeição mais à vontade e...

Harker desperta, com um sobressalto, em seu quarto. A sequência supracitada parece um raro momento de competência técnica do diretor, mas, após análise mais detida, chega-se à conclusão que o desleixo de Franco e seu editor preponderaram. Vamos às virtudes: a transição do quarto de Harker para a catacumba é feita com bela fluidez (difícil acreditar que Mattei foi responsável por isso): em um momento, Harker está deitado na cama; em seguida, vemos duas velas fora de foco, em close. Vagarosamente, à medida em que a câmara se afasta, um tema sutilmente sinistro vai se elevando na trilha sonora, a imagem entra em foco e vemos que as velas estão em um candelabro coberto de teias de aranha. Vemos Jonathan inconsciente no chão. Vamos os três caixões e formas pálidas intangíveis se levantando destes e caminhando em direção ao segundo plano, onde Harker jaz inconsciente. Os espectros tomam forma sólida enquando andam. Percebemos, então que se tratam de três mulheres de longas camisolas. Corta para as três pairando sobre o inglês e decidindo qual delas o "beijará" primeiro. A catacumba parece ser genuína e, acompanhada da situação e da trilha sonora, realmente imbui a cena com aquele "clima gótico" e a atmosfera sinistra de que os "resenhistas" da Amazon tanto falavam. Quando finalmente a "escolhida" está prestes a partir para o ataque, o Conde surge do nada, furioso, e manda as três se afastarem, contentando-se com o bebê que ele trouxe para jantar. Tudo funciona perfeitamente bem, mas...

Olha, quando se analisa bem toda a situação, a cena é idiota e só funciona fora de contexto. Em primeiro lugar, quem levou Harker para a catacumba? Drácula não foi, pois, obviamente, ele não tem o menor interesse em servir o visitante às suas concubinas. As vampiras? Também não, pois elas estão despertando quando Harker está inconsciente na cripta. E o personagem permanece inconsciente durante toda a cena. Logo, por que porra ele acordou tão apavorado? A rigor, ele não viu nada do que aconteceu.

No livro, o que ocorre é que Harker, passeando sozinho pelo castelo (onde quase todas as portas, com exceção das de seu quarto e da biblioteca) estão trancadas, encontra um quarto abandonado, onde senta num sofá velho e acaba pegando no sono. Quando ele desperta, percebe que três belas mulheres surgiram no recinto. Rolam uns amassos entre ele, ainda meio grogue de sono (ou talvez sob efeito dos poderes hipnóticos das criaturas) e as vampiras. Quando elas finalmente estão prestes a mordê-lo, o conde aparece, mais puto que agentes do Mossad numa convenção neonazista, dá um esporro nas moças e as manda se servirem do bebê que ele trouxe. Vendo as três mortas-vivas atacando o bebê, Harker, compreensivelmente, surta e desmaia, acordando, horrorizado, em seu quarto, sem saber se o que ocorreu foi um pesadelo ou não. Neste filme, a cena simplesmente não faz o menor sentido: nem a presença de Harker na catacumba, nem a maneira como ele desperta. Pensando bem, a edição é mesmo típica de Bruno Mattei.

Nas circunstâncias, eu pensaria que tive um pesadelo. Mas algo convence Harker de que coisas sinistras se passam ao seu redor: espiando pela janela do quarto, ele vê Drácula abrir os braços, desaparecendo, e, logo depois, um morcego voando. Por que Drácula teria esse rompante de exibicionismo logo em frente à janela do quarto de hóspedes, não faço a menor idéia. Mas releva lembrar que estamos falando de um vampiro que tem um espelho do tamanho de uma parede em casa, de modo que não se trata de um agir de todo incoerente. Somando dois mais dois, o jovem logo percebe que se meteu numa roubada. Abrindo a janela e descobrindo que Jess Franco e sua câmera ameaçadora não estão mais na vizinhança, ele decide fugir do quarto da única maneira possível: através de um frágil parapeito de madeira e arame que fica entre a janela de seu quarto e outra, alguns metros à esquerda. Tenho uma ligeira impressão de que esse "parapeito" não fazia parte da arquitetura original do castelo. Na verdade, aposto que Franco, ao invés de fazer Harker sair do seu quarto como no livro (usando mãos e pés nas fendas entre os blocos de pedra da construção para se locomover), pois isso daria muito trabalho, simplesmente arranjou uns dois pedaços de pau, um pouco de arame farpado, algumas trepadeiras mortas e pregou entre as duas janelas. Confiram e decidam a plausibilidade de minha teoria:

De qualquer maneira, um fato é incontestável: o clima de "tensão" da cena é completamente retardado. Porra, dava tranquilamente para ele sair caminhando a passos rápidos de uma janela para outra, dada a largura do parapeito. Por outro lado, trata-se de um homem que quase desmaiou por quase de uma aranha...

Após essa perigosa travessia, o rapaz chega a uma ala do castelo lotada de caixotes de madeira e, acendendo um candelabro convenientemente colocado em uma mesa próxima, resolve explorar a área. E, de fato, o clima da cena é bastante sinistro. Ele acaba chegando à catacumba onde foi atacado pelas vampiras e percebe que, além dos caixões destas, há um gigantesco sarcófago de pedra, com o nome DRACULA talhado. Destemido, o jurista levanta, com esforço, a tampa do sarcófago e chega à conclusão de que seu cliente, de fato, não é um paradigma de normalidade...


Mais uma vez, brota no espectador a esperança de que o filme vai prestar: a trilha sonora, o ritmo, a iluminação, enfim, a construção de toda a sequência, culminando com essa cena, idêntica à do livro (inclusive no que tange ao fato de Drácula estar visivelmente mais jovem), quase nos faz esquecer algumas das tosqueiras prévias. Com as vozes das vampiras e do conde ecoando em sua mente, Harker demonstra tomar decisões com bem mais agilidade que sua versão literária. Como Sir Robin, ele galantamente dá no pé e salta janela afora, despencando do precipício à beira do qual fica o castelo.

E é aqui que todo o xaveco de "mais fiel adaptação da obra de Stoker" é deixado firmemente de lado e a, como diria o amigo Ronald Perrone, genialidade picareta, desleixada e incompreendida de Franco assume totalmente as rédeas da produção. Harker acorda num leito de hospital, sendo informado pelo médico que o examina, Dr. Seward (Paul Müller), que ele está na "Clínica Particular do Professor Van Helsing", próxima de Londres; que seu corpo foi encontrado num córrego nas montanhas, a duzentos quilômetros de Budapeste (e quem o encontrou deu uma passadinha na clínica e deixou o rapaz, pois, como todos sabem, da Hungria para Londres é só um pulo). O moço começa a delirar sobre Drácula e sobre ter sido seguido por este e outros "disfarçados de morcegos gigantes, tão grandes quanto homens" (essa eu queria ter visto; infelizmente, Towers provavelmente não quis abrir a carteira para Franco mostrar), dá um piripaque e Seward, de saco cheio com o papo chato, resolve dopar o cidadão, que volta à inconsciência.

Van Helsing (interpretado por Herbert Lom) entra no quarto e indaga sobre o estado do paciente; Seward conta a história de Harker e, ao ouvir o nome "Drácula", o professor demonstra certa desconfiança e verifica o pescoço de Jonathan, constatando a presença de duas marcas de mordidas (dan-dan-dan!).

Enquanto isso, Seward vai verificar outro paciente, Renfield (Klaus Kinski!), que está jogando comida contra a parede e a espalhando para atrair moscas. Não sei muito como entrar em detalhes sobre a interpretação de Kinski no filme, pois ele passa quase todo o tempo mudo, jogando comida na parede, comendo moscas, e o personagem pouco influi na história. Só posso dizer uma coisa: a interpretação dele como o maluco é ótima (coisa que, pelo que dizem, não era muito difícil para o polonês). É difícil descrever, mas acredite: o miserável conseguia, só com a linguagem corporal, interpretar melhor que a maioria dos astros de Hollywood de hoje em dia. Pena que foi subaproveitado. O único propósito da visita de Seward à Renfield na narrativa é observar que a "velha mansão" ao lado da clínica foi alugada, enquando Renfield observa o movimento do casarão, onde caixotes de madeira estão sendo descarregados (mistério... quem será que se mudou para a mansão?) E, para parafrasear Austin Powers, é incrível como a vegetação dos "arredores de Londres" não lembra nem um pouco a da Espanha:

Enquanto isso, Mina (Maria Rohm) e Lucy (Soledad Miranda. Êba!) chegam para acompanhar o recuperação de Harker. Lembram daquela crítica que fiz quanto à caracterização "moderna" de Lucy na versão de Coppola? Pois é, Franco resolveu fazer o extremo oposto: a Lucy aqui é tão sensível, mas tão sensível, que eu teria medo até de falar alto perto da moça, sob pena desta entrar em pânico e desmaiar. Exemplo número 1: logo que as duas chegam à clínica, Lucy indaga, aterrorizada: "Mina, o que é aquilo?" "Aquilo" é um cachorro, latindo, preso num canil. Que porra é essa? A menina nunca viu um cachorro? Exemplo número 2: enquanto Mina e Seward discutem o diagnóstico de Jonathan (em síntese, o médico acha que Jonathan, segundo o jargão científico, ficou doido), um dos malucos internados começa a gritar e Lucy dá um revestréiz e desmaia. Impende lembrar que a "frágil e delicada" personagem é interpretada por Soledad Miranda, aquele saudoso monumento à exuberância cigana...

Graças a tal piripaque, as donzelas têm que passar a noite na clínica. E, por coincidência, elas trouxeram bagagem. Será que Lucy é, de fato, tão frágil? Será que esse piripaque foi genuíno? Não teria sido o faniquito apenas um fraudulento pretexto para as duas beldades lograrem hospedagem gratuita? Você decide. Enquanto a moça se recupera de seu, como dizemos no sertão, pantim, Van Helsing discute o estado de saúde de Harker com Mina, transmitindo aquela segurança que todos almejam quando vão ver um médico (paráfrase do diagnóstico do médico: "ou ele está imaginando coisas ou está mentindo").

Se minha teoria sobre o verdadeiro motivo do desmaio de Lucy procede, o tiro sai pela culatra: na mesma noite, um morcego voa nas proximidades da janela do quarto da jovem, uma voz fantasmagórica chama seu nome e esta, num ataque de sonambulismo, sai da clínica (reparem na segurança do estabelecimento: nenhuma porta trancada). Mina percebe que sua parceira do crime sumiu e sai em seu encalço, seguindo-a ao que parece ser a ruína de um monastério. Infelizmente para Lucy, Drácula já fez o serviço: quando Mina alcança sua amiga, o conde largando a moça, desvanece, e tudo que a noiva de Jonathan vê é uma sombra desaparecendo. Após superar o choque, ela encontra Lucy inconsciente e a leva de volta à clínica. Sejamos justos: toda a sequência, do momento em que Lucy é acordada pela voz fantasmagórica até a cena em que Mina a encontra, é dirigida e editada com eficiência, transmitindo uma autêntica sensação de desconforto ao espectador. Para que nenhum fã do espanhol me acuse de ser injusto, vejamos um raro lampejo de competência de Franco.



Não tão eficiente é a intervenção profissional de Seward, que verifica as duas marcas no pescoço de Lucy, afirma que não sabe o que houve, resmunga que "Hmmm... ela perdeu muito sangue... a situação é grave" e vai consultar Van Helsing. Sugere, ainda, que Mina contate o noivo de Lucy, o advogado Quincey Morris. Isso mesmo: como é de praxe em adaptações, fundiram os personagens de Arthur Holmwood e Quincey Morris. Este, porém, não é o problema. O problema é o ator escalado para encarnar o personagem:

Jack Taylor! Amigos, quem já viu The Ghost Galleon (o terceiro filme da tetralogia dos zumbis cegos de Amando de Ossorio) ou A Orgia Noturna dos Vampiros sabe do que eu estou falando: se houvesse um prêmio para "figura mais suspeita do cinema europeu", Taylor seria um dos favoritos. Sabe quando você olha para um sujeito e pensa imediatamente: "Bicho, eu aposto que esse cara molesta criancinhas"? Se você é mulher, sabe aquele tipo de homem com quem jamais tomaria um drinque, por medo que ele te passasse um "boa noite, Cinderela" e te estuprasse enquanto você está desacordada? Pois é, Jack Taylor é esse tipo de sujeito. Não há como descrever com precisão, mas ele tem, na falta de palavra melhor, uma aura de escrotice que torna altamente duvidosa a decisão de escolhê-lo para interpretar um dos heróis.

Prosseguindo, Van Helsing se apressa em levar o rapaz a fazer uma transfusão de sangue para sua amada, resolvendo temporariamente o problema. Seward, mais uma vez deixando claro que é um dos melhores de sua área, profere o reconfortante prognóstico: "Agora ela tem uma chance. Vamos esperar e ver".

Drácula, contudo, não é adepto dessa filosofia de "deixa a vida me levar" e parte para o ataque. Desta vez, ele usa seus superpoderes para fazer uma Lucy sonâmbula abrir a janela do seu quarto e mete bronca, fazendo todo o trabalho voltar à estaca zero.

Harker, enquanto isso, despertou e está vagando pelos corredores da clínica (mais uma vez: segurança de primeira), sendo flagrado por um guarda (bom trabalho, parceiro!). Entrementes, Mina e Morris estão (com razão), aporrinhando Van Helsing, que, afinal, não fez porra nenhuma nem deu nenhum diagnóstico convincente até agora. "Você não pode deixá-la morrer por ignorância", afirma Mina, ao que o erudito Professor explica: "Talvez não seja ignorância, mas medo de admitir minhas próprias suspeitas". "Sei," retrucaria eu "então você não é inepto. Só covarde." O acadêmico procede a contar a história de Renfield: basicamente, este estava viajando com a filha pela Transilvânia, a menina ficou misteriosamente doente. Um dia, os vizinhos ouviram um grito terrível vindo do quarto de Renfield e, lá chegando, encontraram-no louco e sua filha, morta. O médico, cheio de autoridade, segue pontificando sobre as lendas da Transilvânia, asseverando que acredita haver um fundo de verdade em tais lendas e que Jonathan teve um vislumbre dessa "verdade". E é neste momento que Jonathan irrompe no recinto e, indignado, exclama, com a entonação de um Samuel L. Jackson do século XIX "Motherfucker!!!" Tudo bem, eu "reimaginei" essa última parte. Jonathan entra e pergunta: "Então por que você não acredita no que eu disse sobre o Conde Drácula?" Mas minha versão mentirosa seria mais merecida. Vejamos o comportamento de Van Helsing: primeiro ele disse que Harker estava louco ou mentindo, agora já diz que ele teve uma experiência com o sobrenatural. Caralho, isso é um picareta muito cara-de-pau, atirando para todos os lados para ver se tira o dele da reta caso ocorra alguma merda. E olha que, diferente de sua versão literária, esse Van Helsing não se deparou a inusitada situação de Lucy, enfiou a cara nos livros e, finalmente, chegou a uma conclusão sobre o mal que pairava sobre sua paciente. Não, estamos falando de um sujeito que passou a vida estudando "as Artes Negras". Falaremos mais sobre o assunto depois.

Confrontado com esta pergunta sumamente pertinente, o "professor" simplesmente responde, cheio de falsa austeridade: "Não posso dizer. Não ouso". Picareta...

Na noite seguinte, Drácula, da varanda de sua mansão, usa seus superpoderes para fazer Renfield abrir as grades da janela de sua cela e se jogar, caindo uns três andares e se estabacando no chão (mais uma vez, sou obrigado a observar que a segurança dessa clínica é fantástica). Por que? Jamais saberemos com certeza, mas eu posso especular: talvez porque, apesar de sua eterna carranca, o conde tenha um senso de humor pra lá de escroto. Posso até imaginá-lo antes de sair na varanda, se estourando de rir e comentando sozinho "hehehehe... isso vai ser muito massa!"

Mostrando que não é homem de enrolações, o conde, em seguida vai fazer mais uma visita a Lucy. No meio do bem-bom, Mina entra no quarto para verificar o estado de saúde de sua amiga e flagra o vampiro em pleno oba-oba. Confrontado com a empata-foda, Drácula vira um morcego e bate em retirada (quer dizer, a câmara desvia de Christopher Lee e corta para o vulto de um morcego na janela), mas o estrago já está feito: Lucy bateu as botas.

Diante dos lamentos de Mina, Van Helsing exclama, numa cara-de-pau inacreditável: "Mas vocês estão vivos! Isso é um sinal! Talvez não seja tarde demais para eu agir." Ô, cagão, já é, sim, tarde demais pra você agir. Caso não tenha percebido, Lucy morreu. Não se trata mais de "é tempo de agir", e sim de "é tempo de limpar a merda". Quem leu o livro sabe que a versão literária de Van Helsing faz de tudo em seu poder para frustrar os ataques do vampiro a Lucy, sendo derrotado por vários ardis do conde e vários golpes de azar. Lembre-se, ainda, que, no livro, Van Helsing nem está em cena quando Lucy é atacada pela primeira vez: ele vem de Amsterdã, a pedido de Seward, quando a situação já está grave, e, mesmo assim, quase consegue salvar a moça. Já o Van Helsing de Franco é um cretino preguiçoso: Lucy é atacada pela primeira vez enquanto está hospedada em sua clínica e ele, mesmo alegando ter "estudado as artes negras" durante toda a vida, não move uma palha para solucionar o problema, salvo uma mísera transfusão de sangue. Nada de alho, nada de vigílias, nada de várias transfusões de sangue: esse oreba se limita a fica coçando a barba, exibir um ar de sabedoria e fazer absolutamente porra nenhuma. Nas palavras de do Reverendo Jesse Jackson, fuck you, Van Helsing! Fuck you up your stupid ass!

O mané prossegue, então, a proferir uma totalmente intempestiva palestra sobre a história do vampirismo e Drácula em particular. Tudo isso seria muito oportuno caso tivesse ocorrido antes de a "paciente" do bom doutor bater as botas. Confrontado com os fatos sobre o Conde, Harker indaga, cheio de indignação: "Por que esse homem não pode ser preso?" Trata-se de uma pergunta tão retardada que a melhor resposta, segundo a sabedoria de Maddox, é uma porrada na cara. Caramba, esse indivíduo é um advogado? Não é à toa que ele tem que atravessar a Europa para arranjar trabalho. Morris, contudo, convencido de que a cota diária de asneiras da cena ainda não foi alcançada, especula, mordaz: "Professor, se o senhor sabe tanto sobre as Artes Negras, talvez o senhor também seja um servo de Drácula." "Nunca encontrei o Conde", replica o homem de ciência, formulando uma resposta sem sentido para uma pergunta asinina, "e no entanto sinto que o conheço melhor que minha própria alma." São momentos assim que me convencem ser sensato não ter uma arma de fogo em casa. Caso contrário, este seria o instante em que uma bala atravessaria a televisão. Não vejo nem sentido em comentar que Morris parece não estar nem aí pro fato de que sua noiva acabou de morrer.

Lucy é sepultada. Cena seguinte: algumas crianças estão brincando e uma delas se separa das demais, encontrando... Lucy! Toda vestida de preto e pálida. "Venha cá", diz a vampira, suavemente, e as duas adentram um matagal. Não vemos o que ocorre, mas a trilha sonora certamente sugera que é algo abominável. Vá lá. A cena é decente, apesar de ser obviamente filmada durante o dia. Mas a aparência de Soledad Miranda é realmente sinistra e a reação da criança, que parece hipnotizada, também convence. O momento em que ela sorri para a criança é particularmente enregelante. Se fosse em um filme melhor...

Mas vamos continuar lidando com a dura realidade: Van Helsing, a despeito de toda a conversa mole sobre "não ser tarde demais para agir", está desfrutando de um aprazível café da manhã, lendo e jogando conversa fora com Mina. Parece que todo mundo superou a morte de Lucy com celeridade. Aviso logo: se minha família e meus amigos se comportarem dessa maneira quando eu morrer, vou assombrar todo mundo. Todo esse júbilo acaba assim que o médico lê o jornal e descobre a morte da menina da cena anterior. Rapidamente, convoca Harker e Morris e solicita que estes o acompanhem, à noite, à sepultura de Lucy. Vale referir que os dois finos moços, até o mórbido convite, estavam com uma aparência bastante sadia e jovial, o que é bastante curioso. Quer dizer, a noiva de um acabou de morrer e o outro, duas cenas atrás, parecia estar à beira da morte.

Na calada de noite... pfffffffff....

Prosseguindo... na calada da noite, os três intrépidos cavalheiros vão à necrópole onde Lucy foi sepultada. Van Helsing explica sua teoria sobre quem teria matado a criança e Morris fica puto (finalmente esboçando alguma reação além de apatia a respeito de sua falecida noiva), mas o nobre líder do grupo afirma que tudo será provado, desde que eles o obedeçam "absolutamente". Considerando os padrões de comportamento do professor, tal tarefa não será das mais árduas: eles provavelmente terão que passar a noite coçando o saco e caprichando nas expressões de seriedade.

Os três zebas entram na sepultura de Lucy, abrem o caixão e.... a moça sumiu! Oh! Seria uma surpresa, se já não soubéssemos, inequivocamente, que Lucy virou uma vampira. Como eu previ, os três passam o resto da noite, escura como breu (hahahahahaha), escondidos perto da cripta de Lucy, coçando o saco. Finalmente, um vulto é visto se aproximando da cripta e Van Helsing dá ordem de ataque. Os manés entram no mausoléu, abrem o caixão e encontram Lucy, sangue em seus lábios, olhos arregalados e uma ridícula dentadura que sugere não vampirismo, mas uma urgente necessidade de consultar um ortodontista. A coisa é lastimável e intrigante: por que raios Franco achou por bem usar essa papagaiada, quando, na cena em que Lucy ataca a menina, esta usava maquiagem e dentadura perfeitamente discretas e convincentes? A mente do homem é um enigma que desafia os limitados conhecimentos científicos acumulados pela humanidade. A primeira vez que vi a cena, achei que fosse um boneco, mas não é o caso (conforme explicarei logo).

A "descoberta", contudo, é suficiente para convencer os dois debilóides da teoria de Van Helsing: Lucy é uma morta-viva! Temos que destruí-la! Estaca no peito e decapitação já! Para quem não leu o livro, esses eventos ocorrem da seguinte forma em sua versão literária: Van Helsing, ao descobrir a ocorrência de uma série de ataques a crianças, os quais deixaram vestígios similares aos de Lucy, leva Seward para o túmulo desta durante a noite e abre o caixão, que está vazio. Seward levanta uma série de possibilidades bem mais plausíveis que o sobrenatural: talvez a moça tenha sido enterrada viva e conseguido se libertar ou talvez o cadáver tenha sido levado por ladrões de corpos. Van Helsing não discute. Ele leva o rapaz ao cemitério no dia seguinte e mostra que, agora Lucy não apenas está no caixão, como nem sequer parece estar morta - na verdade, ela parece estar mais sadia do que quando morreu. Finalmente, os três levam Arthur Holmwood e Quincey Morris para o cemitério na calada da noite e mostram que o caixão está vazio. Van Helsing veda a entrada da cripta com hóstia consagrada e os quatro ficam à espera do amanhecer, quando um vulto se aproxima do sepulcro: é Lucy, com uma aparência e um comportamento demoníaco e carregando uma criança - sua próxima vítima. A vampira tenta seduzir seu ex-noivo, Holmwood, mas Van Helsing impede o ataque, afugentando a vampira com um crucifixo, que a deixa completamente apavorada e impotente, e tira as hóstias da entrada da cripta. É então que Lucy, finalmente, consegue entrar no mausoléu pelas frestas entre a porta e o umbral. Olha, eu tenho, essencialmente, uma visão materialista do universo, mas, diante de uma situação dessas, eu seria obrigado a reconhecer a existência de vampiros e o fato de que Lucy se tornou uma.

Mas não nesse filme. O pessoal é mais fácil de convencer do que um crente da Igreja Universal: abriu o caixão, não tem ninguém; um vulto (totalmente indistinto) se aproximou da cripta, abriu o caixão, Lucy está dentro dele, com a arcada dentária totalmente deformada e sangue nos lábios. Conclusão: Lucy é uma vampira. Estaca nela.

No que eu creio ser a pior versão da cena na história do cinema (e eu acho que já vi todas as adaptações cinematográficas de "Drácula", com exceção da versão para a TV inglesa de 1968 [com Denholm Elliot como Drácula]; aliás, se alguém soube como conseguir uma cópia, favor me avisar), Van Helsing crava uma estaca de madeira no coração da moça e Morris corta fora sua cabeça com uma pá (ou melhor, filmam Quincey Morris cravando a pá em alguma coisa e depois a câmera corta para Soledad Miranda, com uma faixa de tinta vermelha no pescoço e um a pincelada de tinta clara no meio, para indicar que a cabeça foi decepada). O troço é feito sem um pingo de estilo e não provoca qualquer impacto - parece que Franco estava doido pra encerrar logo o dia de trabalho e adotou a tática de "andem logo com essa porra! Corta! Beleza! Vamos ao bar!". Quer dizer, quase não provoca impacto:



O impacto que a cena provoca é fascinação diante de tanto desleixo. Caso ninguém tenha percebido, eis por que conclui que se trata, de fato, de Soledad Miranda no caixão, e não uma boneca: porque, após a "decapitação", é possível ver que a "vampira" ainda está respirando.

Resolvido o problema, os bravos caçadores de vampiros se reúnem para traçar planos. Nessa reunião, Harker exibe mais um indício de que seu diploma foi comprado: só então ele "lembra" que a casa que vendeu a Drácula fica ao lado do asilo. Isso mesmo: o cidadão fugiu do castelo porque descobriu que seu cliente, a quem havia vendido uma casa em Londres, era um vampiro; sabia que o vampiro tinha intenções de se mudar para a referida a casa e, internado na clínica ao lado da casa, onde alguém recentemente foi morta por um vampiro, o animal leva esse tempo todo para somar dois mais dois.

Enfim, munidos de tal conhecimento três dos quatro jacus (Van Helsing, em mais uma demonstração de valentia, decide, sabe-se lá por que, ficar na clínica) decidem ir à mansão, dar cabo do vampiro e, caso não seja possível encontrá-lo, purificar seus caixotes de madeira. E... puta merda... é sério, esse é o Van Helsing mais bunda-mole da história do cinema. Enquanto Seward, Morris e Harker vão atrás do vampiro, o destemido professor tem um derrame, provocado por toda essa tensão. "Pussy!", sussura Wesley Snipes, cheio de desprezo.

Invadindo a mansão do vampiro, numa cena repleta de suspense (os três orebas são filmados, em tempo real, pulando o muro e correndo, sem muita pressa, pelo longo jardim, até chegar à casa. Tudo isso numa cena que foi patentemente filmada durante o dia). E é agora, senhoras e senhores, que testemunhamos o "momento mágico" do filme, aquela cena que enche de júbilo o coração do amante do lixo reduzido a celulóide. Após percorrerem um curto corredor, os três guerreiros das forças do Bem contra o Mal se deparam com um horror lovecraftiano: uma raposa, um porco, uma coruja, um peixe-espada e uma marmota empalhados. E a trilha sonora tenta nos convencer de que os bichos são a coisa mais tétrica que alguém poderia vislumbrar. O conde, percebem os mancebos, já caiu fora. Mas o melhor está por vir: um estridente guincho ecoa, trovões soam, relâmpagos... ehhhhhh... relampejam e, diante dos olhares aterrorizados de nossos heróis...

Pffffffffffff...

Os animais empalhados começam a se mover e grunhir, fazendo os três intrépidos heróis dispararem, em vão, vários tiros, e quase borrarem as calças. HAHAHAHAHA... Caralho, essa cena é fantástica! Tem até uma avestruz empalhada satânica! É óbvio que o "efeito especial" consistiu em um ou mais manés, fora do alcance das câmeras, sacundindo e empurrando os bichos, com os barulhos colocados posteriormente na trilha sonora. Qualquer criança percebe isso. Os atores, entretanto, exibem expressões de profundo medo e repulsa, deixando claro que a cena foi filmada sem um pingo de ironia. Enquanto isso, num show do dinamismo do editor Bruno Mattei, Mina está, sabe-se lá por que cargas d'água, tentando convencer Renfield a falar o que sabe sobre Drácula. O maluco, sob a influência do Conde (a sequência é intercalada por cenas de um Drácula totalmente rejuvenescido, isto é, Christopher Lee com o cabelo e o bigode pintados de preto, fazendo uma cara de quem está com prisão de ventre), tenta estrangular Mina. Na mansão, Harker, tapando a boca pra conter o terror (ou Fred Williams tentando abafar uma crise de riso), acidentalmente exibe um crucifixo cuja corrente estava amarrada a sua mão. Drácula (e nunca fica claro onde ele está) dá um chilique, intimidado pelo símbolo de fé cristã, o ataque dos bichos empalhados demoníacos cessa e Renfield larga Mina. Amigos, trata-se de uma sequência, com o perdão da frescura, divina. Meus escassos conhecimentos da língua portuguesa são incapazes de lhe fazer justiça. Destarte, contemplem o horror de bichos empalhados e estremeçam:



Os babacas "santificam" o local, Renfield acaba numa camisa de força e nada se conclui, salvo nosso juízo sobre os heróis da história serem um bando de frouxos.

Em seguida, aparentemente sem motivo algum além da diversão, Mina vai a uma ópera. Aliás, eu sei por que: no contexto, não havia como Franco colocar uma cena em uma boate, cabaré ou bar, então ele apelou para o que julgava ser o equivalente para a alta burguesia inglesa do século XIX: uma casa de ópera. Drácula, enquanto isso, está passeando pela cidade. Jonathan e Morris, por coincidência, estão passando de carruagem pelo mesmo trecho que o vampiro (afinal, Londres é praticamente um vilarejo) e o advogado o reconhece o vampiro, observando que ele está "muito mais jovem". E o que faz Harker, diante desta oportunidade única de atacar o mal que assola o seu mundo? Porra nenhuma. Van Helsing, de fato, ensinou bem a seus pupilos como lidar com situações emergenciais.

Os dois vão encontrar Van Helsing, que está com o home secretary (como esse bundão conseguiu esse tipo de prestígio?). O político avisa que todas as fronteiras do país já estão em alerta. Harker recebe um bilhete de Mina avisando algo sobre encontrá-lo na ópera. Ocorre que o zeba não mandou bilhete nenhum: foi Drácula, que, enquanto os patetas estão jogando conversa fora, ataca Mina em seu camarote. Pelo menos alguém nesse filme sabe usar seu tempo de forma produtiva.

Corroborando minha opinião, enquanto os cabeças-de-bagre descobrem o que ocorreu com Mina, Drácula está num cais de porto. Adepto da filosofia de que "seguro morreu de velho", o morto-vivo se utiliza de muito charme (a prepotência do conde é cativante: ele parece estar enojado pelo simples fato de ter que negociar com o sujeito) e uma carteirada para convencer um capitão a levá-lo em seu navio, clandestinamente, ao porto de Varna.

Enquanto isso, na clínica do Professor Van Helsing, Seward está tentando extrair alguma coisa de Renfield, que, finalmente, justifica sua presença no filme: ele diz "Varna" e morre. Adeus, Klaus Kinski. Foi bom tê-lo a bordo. Seu personagem só teve um instante de relevância, mas mesmo assim sua presença foi um alento.

Os heróis, com uma capacidade de dedução que, até então, parecia aquém de seus intelectos (e de fato é; o roteiro só usa essa jogada para deixar dentro dos 90-100 minutos, pois rolos de filme custam dinheiro) concluem, com fulcro unicamente na última palavra de um doido varrido, que o plano de Drácula é viajar pelo Mar Negro, desembarcar no porto de Varna e, de lá, seguir por terra para seu castelo.

Van Helsing, é claro, vai ficar na Inglaterra, usando sua temporária incapacidade como pretexto. O velho, porém, não está enganando ninguém: todos sabemos que isso é só desculpa pra tirar o dele na seringa. O Conde, contudo, não pretende bater em retirada sem deixar uma lembrança.

Van Helsing está "estudando" quando alguém entra no recinto: é o Conde, determinado a terminar o serviço com Mina. Cara a cara com seu arquiinimigo e escondendo com certa eficácia que está se borrando de medo (Van Helsing certamente joga pôquer melhor que Le Chiffre), o douto cientista levante e comenta: "Por toda a minha vida, estudei as 'Artes Negras'. É estranho finalmente confrontar o Príncipe das Trevas em pessoa." O Conde, que não partilha do amor de Van Helsing pela conversa mole, é curto e grosso, dizendo, friamente, o que todos nós já concluímos: "Você aprendeu muito. Você não pode fazer nada." E parte para cima de Mina. Mas Van Helsing, em sua única demonstração de competência e agilidade em todo o filme (e eu sabia que aquela cadeira de rodas era só uma desculpa para fazer corpo mole!), tira dois gravetos, em chamas, da lareira e os joga no chão, fazendo o sinal da cruz e afugentando o vampiro. Tenho que admitir que a cena foi bem editada, mormente quando se leva em conta que Christopher Lee e Herbert Lom nunca estiveram presentes nas mesmas locações.

Entrementes, na Transilvânia (ou não, pois, aparentemente, a cena se passa à beira do mar), um bando de leais ciganos já está levando uma carroça, contendo o "caixão" (é óbvio que o caixote de madeira é pequeno demais para conter o corpo do varapau Christopher Lee, que mede quase dois metros de altura) de Drácula ao castelo. Harker, Morris e Seward, entrementes, estão nas catacumbas do castelo (engraçado, Jonathan teve que pular de um precipício para fugir, mas entrar é tão fácil que nem vemos como eles conseguiram), dando cabos das três vampiras (sequência filmada com a mesma perícia que a da execução de Lucy) e consagrando o sarcófago do Conde.

Lembra de toda a perseguição aos ciganos no livro, repleta de ação, tiroteios e facadas (cena, que, aliás, admito que Coppola, em sua versão, filmou com maestria)? Aqui teremos uma interpretação levemente distinta.

Corta mais uma vez para os ciganos que já estão chegando ao castelo com o Conde. Mal sabem eles que, logo acima, nas muralhas, Harker e Morris estão de tocaia, aguardando o momento certo para atacar (cadê Seward?). Demonstrando toda sua bravura, virtude e devoção ao lema romano virtus et honor, os dois, na maior covardia, jogam duas gigantescas rochas (obviamente de isopor; fosse de verdade, nem a pau dois caras conseguiriam morrer os troços) sobre a procissão. Aliás, Franco, com seu perfeccionismo de sempre, nem se esforçou para disfarçar que as "rochas" eram dois blocos de isopor: um deles acerta um cigano e a cabeça do cavalo que ele está montando, quica e rola para longe. Nem o cigano, nem o pobre eqüino sofrem qualquer ferimento, evidenciando apenas que tomaram um tremendo susto.

Os ciganos, por seu turno, demonstram que têm por seu mestre uma lealdade porporcional à bravura e cavalheirismo dos heróis: diante da ameaça, picam a mula e abandonam a corroça com o caixote.

Os valentes caçadores de vampiros aproveitam o ensejo para descer e abrir o caixote. E lá está Drácula, que desperta e, indefeso durante o dia, exibe uma inconfundível expressão de "me fodi". E Morris pousa uma tocha acesa sobre o Príncipe das Trevas, revelando um fato pouco conhecido sobre os mortos-vivos: eles são altamente inflamáveis. Mal a tocha encosta no Conde e o caixão explode em chamas. Drácula, com a expressão facila de quem está sendo forçado a assistir, ininterruptamente, vários episódios de "Felicity", é gradualmente destruído pelas chamas, primeiro envelhecendo, depois se transformando num tosco boneco que sequer tem caninos afiados. Concluída sua missão, os heróis jogam o caixote penhasco (digo, queda de um andar e meio) abaixo e contemplam o resultado de seu labor com ar de orgulho. A batalha foi árdua e suas vidas jamais serão as mesmas, mas nossos heróis terão a força para prosseguir, firmes na convicção de que o Bem sempre triunfa sobre o Mal. E assim, com este eletrizante clímax, se encerra um dos primeiros contos do macabro, exibido no cinema, pela primeira vez, exatamente como Stoker o escreveu.


Pois é, o filme é uma porcaria. Jess Franco não esconde que estava dirigindo com todo o entusiasmo de um paciente de câncer em estado terminal: é óbvio que todas as cenas "noturnas" foram filmadas, com pouco esforço para disfarçar, em plena luz do dia; afáveis pastores alemãos tentam passar por lobos; Fred Williams, Paul Müller, Maria Rohm e Jack Taylor (aaargh!!) esbanjam toda a versatilidade de atores do calibre de Steven Seagal e Keanu Reeves; Herbert Lom, apesar de dar uma boa interpretação, encarna o Van Helsing mais incompetente da história do cinema; Klaus Kinski é desperdiçado; Bruno Mattei, como editor, mostra tudo aquilo que o tornou legendário; Soledad Miranda aparece sempre vestida e a magnífica interpretação de Christopher Lee como o vampiro só serve para deixar o espectador ainda mais frustrado, porque foi completamente ofuscada pelo fator trash. É justamente essa tosqueira, entretanto, que torna o filme especial. Mesmo sendo um filme "sóbrio" para os padrões do espanhol, a inépcia do produção é surreal e certamente vai agradar os amantes do humor involuntário. E, só para não ser injusto, admito que, apesar de seus vários defeitos, o primeiro ato do filme, no castelo, até que funciona e tem uma bela atmosfera; a trilha sonora de Bruno Nicolai, apesar de estridente e risível em certos momentos, é, a maior parte do tempo, excelente.

De bônus, o DVD da Dark Sky contém ainda uma interessante entrevista com Franco a respeito da produção. Ele fala sobre seus problemas com Lee (que, como eu sempre suspeitei, apesar de ser um de meus atores preferidos, parece ser um indivíduo dos mais indigestos) e compara sua obra com a versão 92. Tenho que admitir: apesar de ser uma abobrinha, o filme é mais fiel ao espírito do livro que a surperprodução de Coppola e Franco, com certeza, tinha uma compreensão muito melhor do texto. Pena que essa compreensão na prática, não serviu pra muita coisa.

E o mais deprimente de tudo: li em algum lugar na internet (não faço mais a menor idéia de onde tenha sido, de modo que talvez seja mero boato), que a idéia inicial era fazer uma produção italiana dirigida por Mario Bava e estrelando Lee e Vincent Price como Van Helsing. Suspeito que seja só conversa mole, afinal, jamais encontrei qualquer evidência para consubstanciar a parte relativa a Bava; Price, porém, realmente considerou aceitar o papel de Van Helsing, não o tendo feito, supostamente, por motivos de saúde. Mesmo assim, considerem a possibilidade de tal boato ter fundamento. É uma história quase tão triste quanto o cancelamento da adaptação que a Hammer faria de "Eu Sou a Lenda".

9 comentários:

  1. Mas, pelo que eu li na sua crítica, parece ser mais fiel à obra de Stoker do que a versão de Coppola.

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  2. Na verdade, é. Até a parte em que Harker foge do castelo, é bastante fiel à letra, apesar de algumas tosqueiras. A partir daí, o filme é COMPLETAMENTE tosco, mas ainda assim mais fiel ao espírito da obra do que a "adaptação" de Coppola.

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  3. Pelo visto vc está em uma sessão drácula no momento, hein...

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  4. Na verdade, era mais uma "sessão Jess Franco". Calhei de pegar o "Drácula" dele, que acho hilário. Mas vou mudar de tópico. A próxima (também por acaso) vai deixar parecendo que estou numa "sessão Christopher Lee".

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  5. Putz, só agora que eu vi que você atualizou essa bagaça! Não vi este aqui do Franco e apesar dos pesares, me parece uma belezura! haha! E o texto esté imperdível como sempre!

    Tô com um Franco/Lee aqui também, The Blood of Fu Manchu! Ainda não vi, mas vamos ver o que sai daqui...

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  6. Se tiver a oportunidade, assista e divirta-se! Perrone, o filme que tu tens é o "Blood" ou "Castle of Fu Manchu"? O "Blood"... hehehe... é genial! É hilariante como Christopher Lee teve a cara-de-pau de participar de pérolas como essa (Caramba, um inglês fazendo papel do Fu Manchu? Nos anos 30, vá lá que dava pra entender, dado o racismo generalizado, mas na década de 70? Aí já é trash mesmo), o "Drácula" de Franco e "Howling II" e hoje sai dando uma de "cheio de princípios artísticos" quando fala da "falta de qualidade e coerência" das sequências do Drácula da Hammer...

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  7. Hehehe, sobre o Lee concordo plenamente. E o filme que eu tenho é o Blood mesmo.

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  8. SOU FÃ DO FILME..
    E
    JÁ OUVI MUITA COISAS A RESPEITO..
    DAS TREVAS INFERNAIS..
    AO CONDI DRÁCULA ..
    REALMENTE ISSO A HISTÓRIA..
    SE TORNOU 1 HISTÓRIA..
    PQ. A REAL SITUAQÇAO FIKOU P/. ISSO !!
    1 HISTÓRIA,>>
    ÉS 1 OUTRA VIDA SEM FIM..

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  9. christopher lee é e será uo único nesse gênero ate então jamais será substiruído.E como o elvis no rok michael Jakson e outros.

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