quarta-feira, 29 de abril de 2009

The Sadistic Baron Von Klaus: Jess Franco Visionário?


O espanhol Jesus "Jess" Franco é um homem polêmico para os fãs de cinema exploitation. Muitos o consideram um gênio incompreendido; outros, um picareta desleixado. Eu costumo me filiar à segunda corrente, mas é inegável que o homem tem uma visão artística singular. Só creio que é uma péssima visão. Mas não tenho moral para falar, afinal, considero Lucio Fulci, outro papa da exploitation tido por muitos como um picareta, um gênio do cinema, apesar das muitas porcarias que ele dirigiu no final da carreira (para ter uma idéia, sustento, sem vergonha, que acho seu "Zombi 2" superior ao "Dawn of the Dead" de Romero e acho que "House by the Cemetery", além de funcionar como um filme de terror convencional, é uma genial alegoria freudiana).

Mas, enfim, os filmes de Jess Franco, para mim, só tem valor, via de regra, como diversão trash. E essa opinião só contribuiu para o meu choque ao topar com a obra de que vou falar agora: The Sadistic Baron Von Klaus/La Mano de un Hombre Muerto, décimo filme dirigido pelo espanhol, em 1962. Já havia me surpreendido com The Awful Dr. Orlof/Gritos en La Noche, mas, este foi um filme que considerei apenas um gótico muito bom e feito com um profissionalismo que achava além da capacidade de Franco, mas nada à altura de coisas como o Black Sunday de Bava ou o Dr Hichcock de Riccardo Freda.

A premissa do filme é bastante convencional: há vários séculos, donzelas do vilarejo de Holfen eram sequestradas, torturadas e mortas pelo fidalgo local, o Barão Von Klaus. Fatalmente, os aldeões acabaram se emputecendo com essa situação e invadiram o castelo para justiçar o nobre psicopata. Este, entretanto, escapou, fugindo pelos pântanos que cercavam o castelo, onde acabou morrendo afogado. Desde então, corre a lenda, uma maldição paira sobre a família: de tantos em tantos anos, o espírito do barão retorna, encarnando em um de seus descendentes, que procede a dar continuidade às atrocidades do aristocrata. O título de nobreza, atualmente, é portado por Max Von Klaus (Howard Vernon). A história é contada por um par de desocupados (até agora não logrei descobrir a profissão dos dois), Hanzel e Theo, a um escritor que se encontra hospedado no hotel do lugarejo.

O drama se inicia com o jovem Ludwig Von Klaus retornando para o castelo da família a fim de ver sua mãe moribunda pela última vez e, antes que esta expire, apresentá-la a sua noiva, Karine. A velha bate as botas, mas não sem antes de deixar claro ao mancebo que a maldição, em seu entender, é uma realidade e que o avô do rapaz sucumbiu à mesma, tendo cometido vários homicídios e morrendo da mesma forma que seu antepassado infame. Extrai, ainda, a promessa de que Ludwig vai destruir os artefatos guardados pelo seu avô no porão do castelo e partir de Holfen para nunca mais voltar - a única maneira, segunda a geriatra, do mancebo escapar da maldição.

Na mesma manhã da chegada do membro mais jovem da família Von Klaus, dois fatos importantes para a história ocorrem: os dois vagabundos supracitados encontram o cadáver de uma moça que, tudo indica, pereceu de forma similar às vítimas do antigo barão, e Karl Steiner, um repórter de tablóide, é enviado por seu editor a Holfen, a fim de investigar a suposta maldição.

Lá chegando, o mané conhece a gostosa garçonete do boteco local, Margaret, troca tiradas "espirituosas" com o policial encarregado do caso, Borowski, e, como todo repórter de filme, decide meter o bedelhos nas investigações.

A próxima vítima é uma cantora de cabaré de passagem pelo Karnburg Hotel, que encontra em sigilo seu amante num dos quartos. No meio do bem-bom, o rapaz (cujo rosto nunca vemos, evidentemente) dá uma de Sharon Stone e mete facadas na moça. Como na vítima anterior, o único vestígio encontrado pela polícia são traços de um metal enferrujado, típico de uma adaga medieval.

Surpreendentemente para um filme desta espécie, Borowski adota uma medida que, sob o ponto de vista da criminalística, faz sentido: ele faz um levantamento de quem estava no hotel na noite do crime e interroga a todos, a fim de encontrar uma pista. Todos os depoimentos apontam como principal suspeito um tal "Monsieur Brenner", que se hospedou no hotel na noite do assassinato e que, aparentemente, saiu na mesma noite. "Brenner", acaba-se descobrindo, é ninguém menos que Max Von Klaus. Levado a interrogatório (que, numa dessas coisas que só acontecem em filme, é feito na presença do jornalista), o barão deixa óbvio que não tem álibi convincente e nem sabe informar que horas chegou e saiu do hotel, nem por que estava lá (algumas respostas, entretanto, fazem sentido: indagado a respeito de horário em que saiu do hotel, Von Klaus retruca: "não achava que fossem me perguntar, por isso não olhei o relógio", para a irritação do comissário). Por conseguinte, Von Klaus é deixado a ver o sol nascer quadrado até segunda ordem. Steiner, porém, fica convencido de que o barão é inocente, alegando que, caso fosse culpado, o suspeito teria um álibi bem armado (lógica que, como bem aponta o policial, é muito interessante na ficção, mas não vinga muito na vida real; felizmente, para o repórter, ele está numa história fictícia).

Dois fatores, contudo, conspiram para sugerir a inocência do atual barão. Primeiro, a amante do moço, proprietária do boteco local, comparece à delegacia e informa ao comissário Borowski que Von Klaus foi ao hotel para um sexy-time com ela. O motivo para todo o sigilo, explica ela, é que o "escândalo" poderia lhe causar problemas em seu processo de divórcio, ainda em juízo.

O segundo fator, ainda mais relevante, é que, ao voltar para casa, a moça é seguida por um indivíduo dos mais suspeitos, trajando sobretudo, chapéu e luvas pretas.

Chegando em casa, ela começa a colocar trajes mais "confortáveis", quando o indivíduo (o assassino, obviamente) irrompe janela adentro e a ataca. Os desígnios do facínora, contudo, são frustrados pela vigorosa defesa da moça e da igualmente vigorosa gritaria desta, que atrai os vizinhos e obriga o homicida a picar a mula. Isso conduz a uma das melhores sequências do filme, na qual o assassino é perseguido por uma multidão pelas ruas, por uma floresta e, finalmente, pelo sinistro cemitério de Holfen, onde finalmente consegue despistá-la, desaparecendo, por coincidência, na cripta da família Von Klaus (Oooooh!).

A partir daí, não vou revelar mais nada. Quem será o assassino? Max von Klaus, que estava preso quando uma das tentativas de assassinato ocorreu? Ludwig, o outro homem da família, que chegou após o início dos homicídios? O escritor, que tentou, sem sucesso, investir na cantora pouco antes da morte desta? Será que há mais de um assassino? Será que a maldição é ainda mais literal do que se pensa, e o assassino é, de fato, o fantasma do falecido barão? A identidade do vilão é revelada numa cena em que Margaret, a garçonete boazuda, resolve partir para uma noite de oba-oba com seu amante e descobre, da pior maneira possível, quem anda matando as beldades da vila. E a cena em que a identidade do assassino é revelada é, sem dúvida, inacreditável para o ano em que foi produzida: ela envolve Margaret nua passando por uma (aparentemente, pela expressão da jovem) extremamente aprazível sessão de sexo oral e sendo submetida, justamente quando está "no ponto", a uma série de violentas chicotadas, acorrentada ao teto e "finalizada" com instrumentos metálicos em brasa. É um negócio ainda mais transgressor do que Bava fez um ano depois, em Whip and the Body, e um prenúncio do que viria a ser uma das marcas registradas de Franco: a cena é fortemente erotizada e fica claro que o espanhol queria não só chocar, mas excitar o espectador. No meu caso, tenho que admitir que funcionou. Isso significa que eu sou um psicopata? Você decide.

O que enriquece o filme, contudo, é a maneira como Franco mescla elementos clássicos do cinema de horror com inovações, de modo a lhe dar nota peculiar. É verdade que ele já havia feitos coisa semelhante em Orlof, onde havia uma forte influência visual dos filmes de terror da Universal, associado ao cinema expressionista alemão, à sanguinolência explícita (para os padrões da época) da Hammer e dos góticos italianos, histórias de cientista louco e uma trama mais ou menos plagiada de Les Yeux Sans Visage, de Georges Franju. Diferente do filme anterior, contudo, Franco mistura um visual típico dos clássicos da Universal e do expressionismo com elementos de um gênero que ainda estava em formação (daí o "visionário" do título): o giallo. Vários dos caracteres que se tornariam típicos deste subgênero - o excesso de suspeitos; as aparições do assassino, caracterizadas apenas pelo vislumbrar, conforme a situação, do casaco, o chapéu ou as luvas; a atuação policial inepta; a motivação psicossexual do vilão, as cenas de perseguição em ruas desertas e a "herança familiar" ligada aos homicídios - embora tenham tomado forma ao longo da segunda metade da década de 60, só se solidificariam, de fato, na década de 70. Estão, contudo, todos presentes aqui.

Mas essa é só a cereja do bolo. Como o já resenhado Whip and the Body, o filme certamente agradará a qualquer fã do horror gótico europeu da década de 60. Como no anterior Dr. Orlof, Franco exibe um domínio técnico que estaria morto e enterrado na fase mais "madura" de sua carreira, com excelente uso do cinemascope e da fotografia em preto e branco para a construção de uma densa atmosfera gótica. O comic relief dos dois vagabundos e das interações "espirituosas" entre Steiner e Borowski é tolerável, jamais chegando chegando a ser excessivamente irritante. Aspectos que costumam ser criticados no filme são a maneira lenta como a trama se desenrola e o excesso de atenção dado a personagens aparentemente irrelevantes. Eu não sou um dos críticos de tais aspectos. Em minha opinião, eles contribuem para dar um panorama de como é a vida em Holfen e tornam mais palpável a paranóia instaurada pelos homicídios - mais ou menos como Stephen King sabia fazer no início da carreira. Ademais, nenhum desses personagens a quem é dada atenção é realmente irrelevante - todos contribuem, de alguma forma para a trama (exemplo típico é Margaret, que parece estar no filme só para exibir o popozão e conversar com os bêbados, e acaba protagonizando a cena em que é revelada a identidade do vilão). E até a trilha sonora, mesmo quando descamba para uns floreios "jazzísticos", complementa perfeitamente a ação. O que realmente arrasta a história são os "momentos humorísticos" entre o jornalista e o policial, a cena do interrogatório no hotel (que devia ter sido mais resumida) e o surgimento de outro elemento que viria a ser marca registrada de Franco: os desnecessários "momentos musicais" em bares/boates. Nada, contudo, que prejudique severamente o filme.

E a história é concluída de forma excelente e satisfatória (ao contrário do final de The Awful Dr Orlof, que tem um espírito de "já matou o monstro, vamos encerrar logo esta porra").

Minha intenção era deixar um clipe da cena de tortura, mas, como isso revelaria a identidade do assassino, optei pela cena em que o vilão é perseguido pelos moradores de Holfen.

14 comentários:

  1. Eu prefiro achá-lo um gênio picareta desleixado... e incompreendido. Hehe

    Estou adorando estes textos gigantescos!

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  2. Hehehehe... Obrigado. Não deixo de reconhecer que a picaretagem e o desleixo dele têm aquele toque singular que transcende a mediocridade e alcança o genialmente tosco. Mas aguarde. O próximo texto gigantesco gigantesca vai ser baseado em outra obra de nosso amigo.

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  3. Opa, legal. Será que é algum que eu já vi? Com 1000 filmes na filmografia é difícil saber...

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  4. Os outros filmes que eu "analisei" podem dar uma idéia...

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  5. Meu Deus do céu! Achei alguém que escreve (E posta mais imagens de filmes do que eu nesse planeta! rsrsrs.

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  6. Hehehe... A prolixidade é um atributo extremamente subestimado.

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  7. Concordo! Eu até disse no começo do meu novo blog: "Enfim, as palavras simples e opinativas tentarão ser chaves nesse blog, mas não posso prometer objetividade no sentido pleno da palavra, apesar de prometer me esforçar bastante. Até pq por outro lado, parafraseando Gary Oldman em The Contender, as pessoas não querem ler você por sua objetividade e sim por suas opiniões, por sua filosofia e por sua SUBJETIVIDADE. Qualquer pessoa pode ler algo objetivo em qualquer resenha de revista de DVD, mas para prestar atenção no que você realmente tem à dizer são outros tantos."

    Mas daí para arranjar leitores realmente assíduos é outros tantos. Por isso eu tento me conter. hehe.

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  8. A citação é absolutamente pertinente e concordo 100% com ela.

    Agora, quanto à questão de arranjar leitores assíduos ou não, francamente, não acho muito sadio considerar esse fator antes de escrever. Quer dizer, é óbvio que eu espero que muita gente leia, comente e debata o que eu estou escrevendo - gostei bastante, por exemplo, de seu comentário contestando minha opinião sobre o "Drácula" de Coppola, apesar de achar que você está completamente errado. Tanto tenho interesse em ser lido que não perdi tempo em deixar uma mensagem no FILME PARA DOIDOS usando a popularidade do Guerra (que foi uma de minhas inspirações e é, em minha opinião, o melhor blogger sobre cinema do país) para divulgar minha página. Mas, em última instância, este blog é só uma coisa que faço por prazer. Tentar tornar meu estilo mais palatável para atrair um número maior de seguidores, para mim, seria um esforço sem sentido. Viraria "trabalho", na pior acepção da palavra.

    Além do mais, um de meus sites preferidos sobre cinema é o Jabootu.net. Dê uma olhada lá e você vai ver o que é REALMENTE uma resenha comprida. E mesmo assim o cara tem uma legião de seguidores. Então...

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  9. Isso que vc diz é verdade.

    Mas enfim, é legar saber que tem gente que pensa como vc até para ter desculpa para continuar escrevendo textos grandes. Só gostaria que mais pessoas entendessem que no fim alguns textos acabam sendo grandes pq o escritor tem coisas para dizer sobre vários aspectos dos filmes (Ou de qualquer coisa q ele esteja interessado em dizer) ao invés de simplesmente taxar de prolixo. A prolixidade dos filmes do Tarantino por exemplo são essênciais para suas obras. Não seriam tão boas sem elas, na minha opinião.

    Anyway, legal ter encontrado seu blog. Achei por acaso linkado em um outro de um amigo meu e adorei o nome. Keep the good work and the extreme long reviews, mate! Be sure that at least i will read it! :D

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  10. JD: Much obliged, pilgrim. A próxima saga épica sai em breve e estarei mais prolixo do que nunca.

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  11. Juro que vou parar de encher linguíuça nessa caixa de comentários, mas tenho que dividir esse blog com vc aqui justamente pq entra nessa conversa de textos longos: http://cinemafromhell.blogspot.com/

    É até engraçado como o dono do blog é justamente NATURALMENTE contrário aos textos longos mesmo que tentando não ser. E ele ainda explica em um post que seria sobre Rei de Nova York: "Insira aqui um post enorme, cheio de palavras complicadas pra parecer um texto bonito e frases clichês elogiando o filme. Não sei resumir filmes, tampouco comentá-los"

    E outro sobre IF...: "ps: Eu tinha muito mais coisa pra comentar, mas tive que sair assim que acabei de rever o filme e agora esfriei.Seria meu maior post. Seria."

    E achei genial a forma como ele se expressa em relação a isso pq eu não consigo deixar de me identificar com isso muitas vezes, e apesar de ainda criar textos grandes, sei criar um post monossilábicos como ninguém. E tudo se deve pq no fundo que nem ele, acho que não sei escrever sobre filmes. Por isso q saí algo tçao grande ou tão pequeno.

    È por isso que eu digo, a "complexidade de Drácula que o deixa tão fascinante". Hehehe. Acho que estou entre vc e esse cara em termos criativos de posts.

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  12. Hehehehe... Porra, a do "Bad Lieutenant" também foi massa. Concordo 100%, mas acho que ia escrever umas dez páginas sobre o filme.

    "E achei genial a forma como ele se expressa em relação a isso pq eu não consigo deixar de me identificar com isso muitas vezes, e apesar de ainda criar textos grandes, sei criar um post monossilábicos como ninguém. E tudo se deve pq no fundo que nem ele, acho que não sei escrever sobre filmes. Por isso q saí algo tçao grande ou tão pequeno."

    Essa história de "saber escrever sobre filmes" é balela. A internet meio que aleijou a "crítica profissional" porque comprovou que qualquer pessoa que saiba escrever e tenha um conhecimento decente de cinema pode se tornar crítico. Vai comparar um post do Felipe Guerra ou do Ronald Perrone com as críticas do Pablo Vilaça e do Rubens Ewald Filho e veja o que você vai achar mais interessante...

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  13. Hahahaha. É verdade. Aliás, eu sempre leio o Pablo justamente para saber pelo o menos como NÃO escrever sobre cinema...

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  14. Hehehehe... Bem pensado. Mesmo quando concordo com a opinião geral dele sobre um filme, ainda detesto a maneira como ele expõe e fundamenta a opinião. Inacreditável.

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