terça-feira, 5 de março de 2013

Considerações de El Santo sobre "Django Livre"



O título do post é, confesso, meio picareta: não estou falando do legendário luchador mexicano (embora tenha certeza de que ele está conosco em espírito), mas do titular do fantástico site www.1000misspenthours.com. Se você ainda não conhece o site, sugiro que o visite - trata-se de prova cabal de como um "leigo" consegue versar, a título de hobby, sobre cinema de forma a deixar no chinelo a esmagadora maioria dos pretensos "críticos profissionais de cinema". Antes de visitá-lo, contudo, sugiro que termine de ler este post.

Quando vi Django Unchained, no início do ano, tive uma surpresa monstruosamente aprazível: apesar de já ter lido (e adorado) o roteiro, o resultado final foi ainda melhor. A obra do Queixada Tarantino é, sem sombra de dúvida, o mais formidável filme norte-americano de 2012, a melhor obra estadunidense que aborda a escravidão nas Américas e, em minha opinião, a melhor obra do diretor. Se eu pudesse mudar qualquer detalhe no filme, não mudaria nada. O entusiasmo, naturalmente, me deixou inclinado a postar sobre o filme, mas, pouco depois de vê-lo, li a resenha sobre o filme em A 1000 Misspent Hours e me encontrei num dilema: por um lado, concordo plenamente com todas as considerações de El Santo sobre o filme; por outro... na verdade, acho que é pelo mesmo lado... concordo tanto que cheguei a conclusão de que, se postasse sobre o filme, acabaria incorrendo em plágio, tamanha a semelhança entre minhas observações e as de El Santo sobre o filme. Tudo que eu tinha a acrescentar já havia sido mencionado (com mais eloquência que eu) pelo post do Ron Perry (de quem só discordo a respeito dos últimos 25 minutos do filme). Cheguei à conclusão de que a melhor saída seria simplesmente postar um link para divulgar a resenha que tanto admirei. Ocorre, entretanto, que boa parte de meu imenso público (minha esposa) não fala nem lê inglês, o que me levou a, desafiando a preguiça, tomar mais uma atitude: consultar Scott "El Santo" Ashlin , titular dos direitos autorais sobre o texto, sobre a possibilidade de traduzir seu texto e colocá-lo em meu blog. Sem a menor frescura, ele concordou, de modo que segue, abaixo, o texto traduzido. Espero que a tradução tenha feito justiça ao original.

“Se há um tema de filmes de ação mais popular do que vingança, certamente não sei qual é. Também não é desafio descobrir o porque. O ímpeto de retribuir ofensas na mesma moeda é um dos mais básicos elementos da psicologia humana. Sublinha as leis mais antigas; serve como princípio norteador de de inúmeras culturas fundadas em honra ao redor do mundo; funcionou como condutor da História humana desde que se tem conhecimento da História humana. Vingança é, assim, um dos mais acessíveis recursos fictícios, mas essa mesma acessibilidade a torna muito mais fácil de usar do que de usar bem. Django Livre me levou a pensar sobre o que usá-la bem singnifica, porque este é, de longe, o melhor filme de vingança que vi em eras. E eis o mais importante princípio a que cheguei após tanta ponderação: a diferença entre uma grande história de vingança e outra nem-tanto é especificidade. É uma questão de talhar a retribuição, precisamente, à natureza e escala do mal a que ela se dirige e de administrar as implicações sobre em quem incide e por quem é praticado o ato vingador. Deixe-me dar um exemplo...

Black Caesar não é propriamente um filme de vingança, mas seu final se escora em um dos atos de vingança dos mais sagazes que já vi em um filme. Um dos vilões de Black Caesar é um policial racista e corrupto chamado McKinney, enquanto o herói é um gangster negro chamado Tommy Gibbs. Os personagens se encontram pela primeira vez quando Gibbs é um garoto que engraxa sapatos por trocados e McKinney, um patrulheiro de baixa patente. As circunstâncias de tal encontro são de tamanha relevância que Gibbs passará a ver, para sempre, McKinney como o rosto simbólico do preconceito dos brancos. Quando um mafioso contrata Tommy como entregador de propina para a delegacia de McKinney e o valor vem menor que o esperado, McKinney desconta no garoto, incriminando-o injustamente e o espancando tão severamente que ele passará o resto da vida mancando. Quando eles se reencontram no final do filme, McKinney é o mais poderoso policial de Nova York (embora ainda completamente corrupto), Gibss é, provavelmente, o mais poderoso criminoso e uma trégua de anos entre eles desmoronou, resultando em violência em massa. O confronto final termina com Gibbs pintando um McKinney ferido de preto com graxa de sapato e o obrigando, a mão armada, a cantar “Mammy” antes de esmagar sua cabeça com uma caixa de engraxate. É a atenção aos detalhes que faz a cena funcionar, percebeu? O que McKinney representa, o que o método de sua morte representa, a duração e intimidade do ódio mútuo entre os dois personagens. Como falei, Black Caesar não é, realmente, um filme de vingança, mas em nenhuma outra obra vi retribuição contra racismo retratada com tanta perfeiçáo quanto na cena de McKinney-com-black-face – até agora. A impressão emocional deixada por Django Livre é muito semelhante a ver McKinney encontrar seu acerto de contas por 2 horas e 45 minutos.

A sequência de abertura merece atenção especial, porque faz mais do que apenas dar início ao filme. Essa sequência de abertura é uma declaração de intenções. Enquanto uma canção-tema desconcertantemente alegre, tirada do Django de Sergio Corbucci (onde seu tom alegre era igualmente desconcertante), a câmera paira sobre uma paisagem que grita “Western Spaghetti”, até chegar, finalmente, às costas açoitadas de cinco escravos negros sendo conduzidos, em grilhões, pela deslumbrantemente inóspita zona rural do Texas. Então, de cara, tomamos conhecimento de quatro coisas sobre o filme: 1) Django Livre será fortamente embasado nas convenções estilísticas de Westerns europeus; 2) o roteirista/diretor Quentin Tarantino não terá nenhum constrangimento em roubar descaradamente as porras que servem a seu propósito; 3) a centralidade da escravidão à obra a tornará mais um Southern que um Western; e 4) ao contrário de praticamente todos os filmes de Hollywood sobre o Sul estadunidense pré-Guerra Civil, Django Livre não terá a menor vergonha em esculachar toda a cultura da região, por ser baseada em exploração, brutalidade e corrupção da pior espécie.

Enfim, entre esses escravos está Django (Jamie Foxx), oriundo da plantação Carucan. Ele e sua esposa, de improvável nome de Brunhilde Von Schaft (seus proprietários originais eram alemães) tentaram escapar há algum tempo, mas não chegaram muito longe. O velho Carucan (Bruce Dern, de The Rebel Rousers e A Casa Amaldiçoada) rapidamente concluiu que escravos tão astuciosos e voluntariosos eram dor-de-cabeça desnecessária e, após mandar açoitá-los e marcá-los com ferro em brasa como fugitivos, deu ordens para que Django e Brunhilde fossem leiloados e vendidos – separadamente. Django foi comprado pelos irmãos Speck, Ace (James Remar, de The Warriors e Tales from the Darkside: The Movie) e Dicky (James Russo, de A Stranger is Watching e O Último Portal), que estão, no momento, transportando a ele e seus quatro companheiros rumo ao oeste. Uma noite, enquanto os Specks e seus prisioneiros estão a cerca de quarenta milhas do próximo povoado, são surpreendidos pelo Dr. King Schultz (Christoph Waltz, de Pact with the Devil e uma das mais recentes versões de She). Este excêntrico cavalheiro é um imigrante alemão, ex-dentista, atual caçador de recompensas e quer comprar Django. Os Specks acham isso muito suspeito e se recusam a vender – ao que Dr. Schultz mata, a tiros, Dicky e o cavalo de Ace, deixando o último preso sob seu falecido meio de transporte. Robustecida sua posição na relação negocial, Schultz saca um recibo de compra-e-venda, dá a Ace US$ 125 e requisita o cavalo e casaco de Dicky para Django. Em seguida, ele cavalga rumo à pequena cidade de Daughtrey em companhia do desnorteado escravo, oferecendo, como presente de despedida aos demais, algumas sugestões sobre como eles devem proceder na hipótese de não sentirem vontade de continuar sendo escravos.

Em Daughtrey, Django recebe uma demonstração esclarecedora sobre os métodos de caçar recompensas de Schultz. O xerife da vila (Don Stroud, de Sutures e Horror em Amityville) é um criminoso foragido e Schultz tem um mandado de busca por ele, vivo ou morto. Só de aparecer em Daughtrey com um negro montado cria estardalhaço suficiente para provocar a aparição do xerife, e executar este a tiros, na rua, diante dos olhos de metade da cidade, é igualmente suficiente para chamar a atenção do delegado local – que Schultz aturde apresentando seu mandado e exigindo sua recompensa de $200. Nos momentos tranquilos ao longo do caminho, o doutor encontra tempo para contar a Django que ele também tem um mandado para os irmãos Brittle – John (M. C. Gainey, de Unearthed e Club Dread), Ellis (Doc Duhame, de O Monstro do Armário e The Open Door) e Roger (Cooper Huckabee, de The Pom Pom Girls e The Funhouse) – que, previamente, trabalharam como feitores para o velho Carucan. É por isso que King precisa de Django. Ele nunca viu os homens que está caçando, mas Django os conhece muito bem. Schultz, destarte, oferece um trato ao escravo: se ajudá-lo a encontrar os irmãos Brittle, King tornará Django um homem livre.

Na verdade, é mais do que apenas os rostos dos irmãos que Schultz não conhece. Os Brittles foram vistos recentemente em Gatlinburg, Tennessee, sendo razoável deduzir que eles ainda estariam trabalhando como feitores, mas Schultz não faz a menor ideia de quem seu atual empregador pode ser. Ele e Django não terão alternativa além de ir de plantação em plantação ao redor da cidade até que este localize seus alvos. Para isso, precisarão de uma história para usar como fachada: o dentista fingirá estar comprando uma escrava de casa experiente, talentosa e bela, enquanto Django posará como seu lacaio alforriado. Após vestir Django de forma adequada a seu papel (“Quer dizer que você vai me deixar escolher minhas próprias roupas?” “É claro.” Corta para Django a cavalo, parecendo um Disco Godfather pré-Guerra da Secessão), eles começam a fazer a busca – um processo de que participamos quando eles chegam na terra de um fazendeiro conhecido como Big Daddy (Don Johnson, de A Boy and His Dog e Machete). Big Daddy, de fato, acaba se revelando o novo empregador dos Brittles e o trio não dura muito após Django avistá-los. O fazendeiro e seus colegas tentarão vingar os irmãos na noite seguinte, mas a missão acabará indo... bem, digamos que “explosivamente mal”.

Subsequentemente, Schultz e Django conversam sobre os planos do recém-alforriado escravo para o futuro. Django conta a King sobre Brunhilde (que flashbacks revelam ser interpretada por Kerry Washington), o que leva King a contar a Django a respeito da legendária homônima de sua esposa, e, rapidamente, os dois acabam chegando a uma parceria. Django e Schultz passarão o resto do inverno no Oeste, caçando criminosos e repartindo as recompensas em 67-33%. Entrementes, Schultz ensinará Django a ler e escrever e treiná-lo em hipismo e uso de armas de fogo. Ao final, na primavera, eles irão ao Mississippi juntos resgatar Brunhilde.
O plano se mostra mais difícil que o previsto. Os arquivos revelam que Brunhilde (registrada pelo oficial semiletrado como “Broomhilda”) foi vendida a Calvin Candie (Leonardo DiCaprio, de Critters 3 e A Origem), cuja plantação, Candieland, é a terceira maior do estado e um sinônimo de sofrimento para os escravos de todo o sul. Candie construiu sua fortuna com algodão, naturalmente, mas sua verdadeira paixão é o esporte sangrento conhecido como “luta de mandingos” - pense em rinhas com escravos no lugar de animais. Esta será a deixa dos caçadores de recompensas. O personagem de King, desta vez, será um homem tão entediado quanto rico, que quer entrar no ramo da luta de mandingos comprando um escravo experiente de alguém que já esteja no negócio. Django, enquanto isso, posará como o que ele considera a forma de vida humana mais baixa que existe: um negro mercador de escravos que Schultz teria contratado para ajudá-lo a escolher os melhores. Eles envolverão Candie com um negócio de $ 12.000 para comprar um de seus lutadores campeões (um negócio do qual eles escaparão sob o pretexto de uma viagem à cidade para convocar o advogado inexistente de Schultz) e, enquanto a imensa quantia mantém Candie distraído, o manipularão no sentido de vender Brunhilde também, por algumas centenas de dólares. É um plano respeitável e Brunhilde já estaria praticamente livre se Calvin, sua irmã (Laura Cayoutte, de Pulse 2: Afterlife e Flight of the Living Dead), e seu advogado (Dennis Christopher, de Blood and Lace e It) fossem os únicos com quem os conspiradores precisassem se preocupar. Basta dizer que todos os referidos não primam pelo brilhantismo. Infelizmente, contudo, os pretensos salvadores de Brunhilde terão que enfrentar o mordomo escravo de Candie, Stephen (Samuel L. Jackson, de Jurassic Park e Do Fundo do Mar). É Stephen quem realmente comanda Candieland, já que Calvin é preguiçoso demais para se dar ao trabalho, além de despido da inteligência necessária para tal. E, como um homem que deve todo o seu poder e privilégio a uma brecha no sistema de castas raciais do Sul, não há nada que ele odeie mais do que um negro livre com ideias acima do status que lhe é conferido por tal sistema.

A partir do momento em que vi os primeiros teaser trailers de Django Livre, eu soube que seria brilhante ou calamitoso – nenhum meio-terno era possível. Quentin Tarantino foi responsável por alguns dos mais inteligentes e eficazes pastiches de gêneros dos últimos vinte anos, mas também foi responsável por algumas das bagunças mais dolorosas e auto-indulgentes. Por um lado, ele parecia bastante franco ao querer lidar com a escravidão de uma forma que a cultura pop nunca quis ou foi capaz de fazer; mas, por outro, ele também é um branco destrambelhado que parece muito afoito em fazer seus personagens usarem a palavra “nigger” livremente. E aqui está Tarantino, praticamente dirigindo um remake de Mandingo em uma época em que a crise está levando a ainda considerável população estadunidense de filhos-da-puta racistas a se tornar mais aberta e loquaz sobre seu preconceito desde a década de 1970. Será que alguém que admira e emula tão ardentemente os exploitation movies de épocas passadas poderia realmente fazer um filme sobre esse tópico que faça justiça à seriedade do material?

Na verdade, ver Django Livre me convenceu de que fazer tal pergunta é formular a questão de forma invertida. Particularmente quando comparado com filmes “sérios” sobre a escravidão americana, Django Livre demonstra que há coisas tão barrocamente horríveis que só um tratamento exploitation pode lhes fazer justiça. A não ser que um artista esteja disposto a sujar as mãos; a não ser que esteja preparado para chamar um monstro de “monstro”; a não que não sinta o menor constragimento em acertar a cabeça do público com atrocidades e lhes esfregar na cara quantidades imensas e fétidas de crueldade – a não ser, enfim, que o artista tenha a coragem de estar pouco se fodendo pra decência ou bom-gosto – ele não terá a menor chance de retratar com honestidade algo grotesco como foi a escravidão praticada nas Américas. Não há como encarar diretamente a engenhosidade do mal gerado pela escravidão sem ser sórdido e ofensivo, porque a própria realidade era sórdida e ofensiva. De forma lastimável, o povo deste país ainda se encontra em negação a respeito da escravidão, quase 150 anos após sua abolição; nós precisamos de arte comercial sobre o Sul pré-Guerra Civil cheia de estupro, flagelamento, castração e gente sendo marcada com ferro em brasa. Isso foi a escravidão e já passou da hora de nós, como uma sociedade, encararmos a história. Amistad, Tempo de Glória e Raízes não vão nos levar lá, quaisquer que sejam seus méritos; somente algo como Django Livre pode dar conta do recado.

Ainda havia, claro, milhões de maneiras de o filme ter saído errado, o que me conduz de volta aos elementos de vingança e especificidade. O maior erro de Tempo de Glória foi agir como se a história girasse em torno do personagem de Matthew Broderick; a pior coisa que Django Livre podia ter feito seria tentar girar em torno de King Schultz. Felizmente, Tarantino entendeu isso, de modo que, embora Schultz conduza a trama por boa parte do filme, Django está sozinho no momento em que realmente conta, agindo por sua própria iniciativa. (E, significativamente, a merda fica feia para nossos heróis no preciso momento em que Schultz começa a dar vazão a sua indignação de segunda mão, ao invés de facilitar a de Django). Ademais, os termos do confronto final tornam claro que o verdadeiro inimigo de Django é algo muito maior que Calvin Candie. Para salvar Brunhilde, Django deve combater todo o aparato da escravidão: os donos de plantação, os feitores, os caçadores de escravos, os advogados, os justiceiros, os facilitadores que lucram com o sistema de forma indireta que alivia a consciência e até o eventual escravo que teve a sorte de conseguir uma porção de poder e agora está disposto a se tornar um tirano se tal for necessário para mantê-la.

É, estou falando de Stephen. Em um filme notavelmente bem guarnecido de personagens coadjuvantes inesquecíveis e interpretações pujantes de tais papéis (até Leonardo DiCaprio está fantástico!), o Stephen de Samuel L. Jackson, não obstante, se sobressai. Até mais do que Calvin Candie, Stephen personifica o poder corruptor do sistema de castas sulista, porque Stephen é o verdadeiro cérebro por trás do funcionamento de Candieland. Tecnicamente, ele não passa de um escravo e mordomo, mas é ele quem administra todo o patrimônio de Candie enquanto o fazendeiro devota suas energias às lutas de mandingo. Além disso, é ele quem mantém a esperada disciplina brutal sobre os outros escravos. Ele é um mestre da manipulação, que sutilmente conduz as ações de seus supostos superiores fazendo com que eles acreditem que tiveram primeiro as ideias dele. Acima de tudo, ele é um homem que, corretamente, se considera a pessoa mais inteligente que conhece, mas esse gênio foi pervertido em maligno porque o contexto social não lhe permite outra válvula de escape senão ser o poder por trás de um trono corrupto. E porque sua posição o exige, Stephen é duas vezes o supremacista branco que Candie, sua irmã ou seus subalternos matutos. Em verdade, considerando sua idade (ele afirma estar em Candieland há 76 anos) e os deveres de um escravo de casa, há razões de sobra para acreditar que Stephen teve o papel cotidiano de criar Calvin – o que significa que Calvin adotou suas atitudes odiosas pelo menos parcialmente através do próprio exemplo de Stephen! Assim, quando Django chega a cavalo, desdenhando de todas as regras da sociedade sulista, Stephen tem absoluta razão em considerá-lo uma ameaça e um inimigo natural. E Tarantino está absolutamente correto em tornar Stephen o derradeiro oponente de Django.

Atenção: a posição de Stephen como o pior dos vilões não implica, nem por um segundo, que Tarantino pega leve com os personagens brancos. Na verdade, é no retrato dos brancos que vemos como Django Livre realmente é uma condenação inflexível da cultura sulista. Acima de todas as suas qualidades repugnantes, Calvin é um francófilo que se arroga em ser chamado de “Monsieur Candí”, mas não fala uma palavra em francês; ele nem sabe o que “panache” significa. Batiza um de seus escravos de D'Artagnan, em homangem ao herói de Os Três Mosqueteiros e suas sequências, completamente alheio ao fato de que Alexandre Dumas era filho de um mestiço alforriado e uma escrava afro-caribenha (tornando-o negro o suficiente para se qualificar segundo o critério sulista de “uma gota de sangue”). Ele tem frenologia como hobby (permitindo-lhe tagarelar, ante a menor deixa, sobre a adequação biológica da escravidão dos negros) e guarda o crânio do predecessor de Stephen, Old Ben, como uma lembrança mórbida do passado conhecido de Candieland. Sua irmã não parece tão repulsiva a princípio, mas, quando Calvin tenta entretar King e Django fazendo Brunhilde mostrar as cicatrizes em suas costas, ela faz objeção não porque se trata de algo cruel, desumano e nojento em múltiplos aspectos, mas porque a mesa de jantar não é lugar apropriado para tais demonstrações. Big Daddy e seus cavaleiros recebem o que pode ser considerado o esculacho mais brutal, quando sua emboscada montada contra o que acham ser o acampamento de Schultz e Django é interrompida por um flashback de agudo humor negro, que mostra a turba quase se desintegrando por uma discussão mesquinha e petulante sobre a forma inepta como foram cortados os buracos dos olhos de seus capuzes de proto-klansmen. Em resumo, não há nenhum “bom sulista” em quem o espectador branco possa se projetar, nenhuma contorção de personalidade (como visto recentimento em Jonah Hex e John Carter) destinada a mostrar que esta ou aquela figura não é “aquele tipo de confederado”. Coerentemente, o único personagem branco com quem se pode genuinamente identificar nem é americano! É assim que deve ser se o escopo é manter o aliado branco de Django imaculado pela escravidão, porque até as regiões mais intensamente abolicionistas do norte pré-Guerra Civil estavam comprometidos não só pela história, mais pela economia contemporânea. Qualquer nortista que usasse roupas de algodão, bebesse café, fumasse tabaco ou consumisse qualquer da vasta gama de produtos que combinassem mal com os invernos severos e períodos curtos de cultiva acima da fronteira Mason-Dixon estavam implicados no sistema de escravidão, tão certamente quanto o feitor que empunhava o chicote. Portanto, novamente, vemos a admirável atenção de Tarantino aos detalhes e sua cuidadosa consideração sobre o significado dos elementos de que se compõe este filme. E, igualmente admirável, vemos que Django Livre visa ser tão desconfortável em nível intelectual quanto o é em nível visceral.”

sábado, 23 de fevereiro de 2013

"A Hora Mais Escura (Zero Dark Thirty)" demonstra que Kathryn Bigelow tem mais bagos que muito diretor metido a macho


Há algumas semanas, li um artigo da Cracked.com que versava sobre diretores ruins que, acidentalmente, fizeram bons filmes. Se quiser, leia o texto aqui. Entre os cineastas que se enquadrariam em tal categoria está Kathryn Bigelow - The Hurt Locker seria a sua exceção à ruindade. Diante de tal assertiva, concluí: "BULLSHIT!!!" Kathryn Bigelow (ou K-Bigs, como a chamarei doravante), em minha humilde opinião, sempre foi uma diretora completamente badass. Ao lado de Antonia Byrd, é uma das poucas cineastas cujo toque feminino consiste em fazer filmes de macho mais casca-grossa que a maioria dos filmes de ação americanos que saem todo ano. The Hurt Locker, é claro, é um prova cabal disso - apesar de ser um grande admirador de Avatar, creio que se trata de um dos poucos casos em que o Oscar foi, realmente, para o melhor filme.

Ocorre, contudo, que The Hurt Locker está longe de ser uma exceção. Meu primeiro contato com a obra de K-Bigs foi Caçadores de Emoção (Point Break), que já considero um clássico - um filme de ação/policial extremamente bem-dirigido, com um Keanu Reeves surpreendentemente convincente (fingir ser um surfista playboy não deve ter exigido muito esforço, claro), Patrick Swayze como um antagonista carismático que acaba conquistando o público e, naturalmente, a presença mágica de The Buse, cuja magnificência já acrescenta pontos de foderosidade a qualquer obra de que participe.

Louco como uma caralha: Tudo fica melhor com Gary Busey.
Sendo fã inveterado de histórias de vampiros (desde que eles não brilhem e matem ou vampirizem humanos idiotas, porque, em caso contrário, WTF?), acabei, posteriormente, deparando-me com mais uma pérola da diretora: Quando Chega a Escuridão (Near Dark). Contrariando toda uma tradição literária e cinematográfica emo que macaqueia a Anne Rice, Near Dark é uma "visão revisionista da lenda do vampiro" bastante diferente da média: ao invés de janotas eurotrash tendo crises de consciência e lamentando seu vazio existencial, Near Dark mostra vampiros fodões  que saem por aí num furgão massa, atacando bares de beira de estrada e barbarizando humanos amanezados. Além do roteiro instigante, o filme tem bela direção e fotografias, que conseguem construir atmosfera gótica no oeste americano.

ISSO É QUE É UM ASSASSINO DE VERDADE, BELLA!
Outro exemplo? Strange Days. Apesar de extremamente datado (a virada do milênio na vida real foi bem menos empolgante), trata-se de um dos poucos filmes que lida com informática em geral e pirataria em particular que parece ter sido feito por alguém que, simultaneamente, tem ideia de como funciona um computador (Len Wiseman: Não dá pra assumir o controle de um avião ou helicóptero com um laptop, porra!) e sabe como construir um filme envolvente. 

Como The Hurt Locker, todos esses filmes tem homens como personagens centrais e entendem muito bem a psiquê masculina. Há alguns posts atrás, ao falar sobre Luta com Lobos, ponderei as diferenças entre filmes voltados ao público masculino e filmes que visam o público feminino. Hurt Locker é um dos raros casos de "filme pra macho" dirigido com perfeição por uma mulher. Claro, a premiada obra gira em torno de um monte de homens fazendo coisas másculas. A Hora Mais Escura, apesar de seguir um estilo bastante semelhante a Hurt Locker tem uma distinção: trata-se de uma obra com trama muito mais abrangente e complexa (épica, eu diria) e possui, como protagonista, uma mulher que se faz respeitar num ambiente extremamente machista, conseguindo ser completamente foda sem jamais perder a feminilidade.

A mulher em questão é Maya, interpretada com maestria por Jessica Chastain. Após breve abertura mostrando, somente através de áudio, notícias e reações aos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, o filme avança dois anos e conduz o espectador a uma prisão clandestina da CIA, onde o interrogador Dan (Jason Clarke)  está introduzindo o recém-capturado Ammar (Reda Kateb) às táticas de investigação "supralegais" da agência, observado por uma encapuzada e visivelmente desconcertada Maya, que, aparentemente, está em seu primeiro trabalho em campo. Aqui, o filme já ganhou minha simpatia ao mostrar, de forma seca e objetiva que a tortura é, ao contrário de todas as alegações oficiais em contrário, procedimento-padrão para obter informações e (o mais importante) sem emitir qualquer juízo de valor sobre a prática. Após ficar de saco cheio e concluir que vai ser preciso mais tempo para dobrar o terrorista cativo, Dan é convencido pela protagonista a prosseguir com o baculejo. É aí que começamos a ver a verdadeira natureza de Maya, que decide presenciar as sessões de tortura seguintes sem capuz (indagada pelo colega, ela justifica a escolha observando que ele não está ocultando o rosto) e, diante de um apelativo pedido de ajuda de Ammar, oferece resposta em tom delicado, mas de teor brutal: "Você pode se ajudar falando a verdade."

Após muita tortura física e psicológica, os dois agentes conseguem, através de um brilhante xaveco elaborado por Maya, usar um atentado terrorista de forma construtiva e convencer o terrorista a dar com a língua nos dentes.

HAHAHAHA! You're a fucking dipshit, Ammar!
A confissão acaba revelando um nome até então desconhecido - Abu Ahmed, suposto mensageiro de Osama Bin Laden. Convencida de que tal indivíduo é a chave para chegar ao chefe da Al Qaeda e cética em relação à teoria mais aceita (a saber, que Bin Laden estaria escondido em territórios tribais, provavelmente em uma caverna), Maya vai passar os próximos nove anos, a despeito da incredulidade de praticamente todos os colegas e superiores, usando toda a sua perspicácia e determinação para localizar o moleque-de-recados-de-luxo. A saga vai mostrar a agente deixando, gradualmente, seus melindres de lado, até emular perfeitamente seu tutor em sessões de tortura, partir para a truculência e intimidação de colegas e superiores e, finalmente, conduzir à operação do Team 6 dos Navy Seals que (SPOILERS para quem viveu isolado do resto da humanidade nos últimos dez anos; aliás, se você vive isolado da humanidade e está lendo isto, como conseguiu acesso a Internet?) localizou e eliminou o nada saudoso Osama.

Contrariando minha prolixidade habitual, não vou entrar em detalhes sobre a trama. Basta dizer, apenas, que o filme segue um roteiro instigante, envolvente e minucioso e que, apesar de poucas sequências de ação, não perde a atenção do espectador por um segundo. Embora tenha estilo semelhante a Hurt Locker, confesso que o filme que mais me vem à mente ante a abordagem seca, direta e detalhista (parar de prestar atenção ao filme por alguns segundos pode levar o espectador a perder completamente o fio de meada) de K-Bigs é o clássico O Dia do Chacal: como a obra-prima de Fred Zinnemann, Zero Dark Thirty consiste, basicamente, num longo e complicado trabalho de investigação, com fotografia naturalista,  sem tentar incutir no espectador qualquer valoração moral dos atos dos personagens e usando de pouquíssima pirotecnia até a espetacular sequência final - uma reconstituição primorosa, mostrando domínio de Bigelow sobre cinema puro, da operação dos Navy Seals que culminou com a execução de Bin Laden. Como o Inspetor Lebel de Day of the Jackal, Maya se aproxima de seu alvo através de investigação excruciante e incansável, instinto,  persistência inabalável e completa indiferença às frescuras de seus superiores. A gradual transformação da personagem, de mocinha-com-cara-de-professora-de-pré-escola-melindrada-com-tortura para agente casca-grossa que não hesita em dar carteiradas, prender e arrebentar e consegue se impor entre a macharada que domina seu ambiente de trabalho é completamente verossímil e me fez pensar que a diretora imprimiu um toque autobiográfico à personagem. Aproveitando o ensejo, tenho que tecer um comentário a respeito da interpretação de Chastain. Ronald Perrone, amigo cuja opinião muito prezo, comentou comigo que achou a personagem um pouco forçada. Eu concordo que, a princípio, as tentativas de intimidação usadas pela personagem, de fato, parecem artificiais, mas não considero tal impressão fruto de uma interpretação ruim. Com base em experiência particular, acredito que a "interpretação forçada" foi intencional: Maya, em minha percepção, é uma pessoa de índole pacífica e avessa a conflitos que se obriga a ser truculenta porque, caso não o faça, não logrará sucesso em sua missão. Ao longo do filme, a atitude da personagem vai se tornando cada vez mais natural e convincente, de modo que, quando ela finalmente diz aos Navy Seals que "Bin Laden está lá e vocês vão matá-lo para mim", Maya parece ter assimilado a atitude badass, que se torna parte de sua personalidade.

Além da direção impecável, roteiro enxuto e despido de enrolações ou juízos de valor, e da formidável interpretação de Chastain, posso citar vários outros artistas que contribuem, com participações de peso, para a excelência da obra: Mark Strong, como superior hierárquico que profere um discurso que só posso qualificar como "versão homicida do clássico close it do Alec Baldwin em Glengarry Glen Ross"; Stephen Dillane, como um supervisor da Agência Nacional de Segurança estadunidense, a NSA, que lembra muito o estilo curto, grosso e completamente despido de tolerância a picaretagens do Stannis Baratheon de Game of Thrones; James Gandolfini, excelente como sempre, interpretando o diretor da CIA como um indivíduo tão astucioso quanto e muito menos inseguro que seu personagem mais famoso; e Joel Edgerton (que sempre vi como "a versão jovem daquele bunda-mole do Owen Lars de Star Wars"), muito convincente como um Navy Seal badass. O filme conta ainda com uma curta participação de Scott Adkins que, não obstante os poucos diálogos do personagem, muito me agradou - como já disse antes, acho que o ator britânico tem potencial para ser um astro e a presença dele, por menor que seja, num blockbuster hollywoodiano pode ser o primeiro passo para o estrelato. Caso que considero análogo ao de Adkins é o do Tom Hardy, que começou com personagens que passaram despercebidos (como o Clarkie de Layer Cake e um soldado em Falcão Negro em Perigo) e, hoje, é um ator A-List.

Para ser inteiramente justo, tenho que apontar alguns defeitos do filme: duas sequências de suposto suspense (o carro-bomba no Afeganistão e a tentativa de assassinar Maya) são telegrafadas - segundos antes do clímax, já consegui adivinhar o desfecho das sequências. Nada, entretanto, que macule a excelência generalizada do filme. E, como já referi, a reconstituição da operação que culmina com a morte de Bin Laden (apesar de ter uma conclusão de conhecimento público e notório) é soberba e prende a atenção do espectador do início ao fim, não obstante sua longa duração. A sequência, aliás (apesar de ser dirigida com a mesma neutralidade que o resto do filme), me fez perceber o fundamento mais forte da ojeriza que sinto por indivíduos da laia do Osama: a hipocrisia dos referidos filhos da puta, que convencem moleques influenciáveis de que se matar, levando "infiéis" junto consigo é um passaporte para o Paraíso, enquanto eles, os líderes, preferem ficar bem acomodados em fortalezas e não hesitam em usar mulheres e crianças como escudo.

Yes, now the rains weep o'er his hall and not a soul to hear!
E, contrariando o teor do artigo da Cracked.com que mencionei no início do post, a cena final de A Hora Mais Escura mostra um tema comum à filmografia de K-Bigs: como Will James, Johnny Utah e Bodhi, Maya é uma personagens cuja vida gira em torno de sua missão e que, após o cumprimento do dever, se vê completamente despida de propósito.

Não vou dizer que Zero Dark Thirty é o melhor filme estadunidense do ano (atribuo tal título a Django Livre), mas posso dizer, com certeza, que é um dos melhores e prova cabal de que Kathryn Bigelow é uma das profissionais mais foda em atividade. E, para fechar com chave de ouro, K-Bigs, já nos seus sessenta  e um anos, continua sendo um mulherão:

Yummy granny!
Não recomendo, contudo, a ninguém que passe uma cantada idiota na moça: apesar de gata, ela parece também ser plenamente capaz de cobrir o cidadão médio de porradas. Limitem-se a ver Zero Dark Thirty, que é foda e não vai ferir a integridade física de ninguém além dos membros da Al Qaeda. O que não é problema porque, sinceramente, fuck those guys. Waterboard neles!

P.S.: A cena em que o Chris Pratt se prepara para o ataque ouvindo Tony Robbins e comentando com os colegas que tem "grandes planos" para compartilhar depois da operação é hilária, mas tenho que admitir que faz sentido. Podem me sacanear, mas Tony Robbins é foda, cara!

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

COM NOVO DESIGN!

Cortesia do Ronald "Ron Perry" Perrone, international man of academics (responsável pelo novo cabeçalho e por observar que o fundo preto e texto branco eram horríveis), com participação especial de minha esposa, Mara Quéli  Rossoni Carvalho (que confirmou que o fundo preto e texto branco eram horríveis e disse que já tinha me falado isso antes! [o que provavelmente é verdade, porque eu sou meio tapado e às vezes não presto atenção no que estão me falando]).

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

"Prometheus" e a Sucumbência de Ridley Scott à Síndrome de Sick Boy


Versão concisa: Filme ruim da porra!
Versão humorística: o Ridley Scott "Prometheus e não Cumprhius". Piada idiota? Certamente, mas não tão idiota quanto o filme a que se refere.

Há alguns anos, surgiu o boato de que Ridley Scott dirigiria um novo do filme da série Alien. Minha reação foi achar a notícia fantástica, porque, francamente, os dois últimos são um lixo e "Alien vs. Predador" eu nem levo em consideração. Não me surpreende que o David Fincher tenha repudiado o "Alien ao Cubo" e o Joss Whedon tenha soltado piadinhas sobre a mutilação que seu roteiro sofreu ao ser transformado em Alien Ressurection. Mais tarde, foi revelado que o filme seria uma prequel. Já não achei tão massa, mas, ainda assim... Ridley Scott dirigindo mais um Alien continuou parecendo boa idéia. Afinal, trata-se do homem que, além de do revolucionário primeiro filme da série, dirigiu o igualmente espetacular e influente Blade Runner. Embora meu bom senso insistisse que "as prequels de Star Wars também foram dirigidas pelo homem que criou o primeiro filme", mantive-me otimista. Também fiz vista grossa a certas obras recentes e duvidosas do diretor. Que obras seriam essas? Eu citaria Um Bom Ano, cuja trama pode ser resumida como "Russell Crowe descobre que ser rico bebendo vinho na França é bem melhor do que ser rico se estressando com o mercado de ações na Inglaterra." Ou o desnecessário Robin Hood, que conseguiu desperdiçar US$ 200 milhões e fazer um escriba talentoso como o Brian Helgeland transformar o aparentemente fodástico roteiro original Nottingham em "Russell Crowe usa arco e flecha". Pode parecer piada, mas eu tento adotar uma atitude positiva. American Gangster, por exemplo, foi decente. Nada espetacular, mas decente. Rede de Mentiras também dá pro gasto. Não são filmes geniais, mas me serviram como prova de que Ridley Scott não desaprendeu a dirigir. Posteriormente, foi revelado que Scott não dirigiria uma prequel de Alien, mas um filme de ficção científica que envolveria o mesmo universo. O excesso de mudanças não me pareceu bom sinal, mas tudo bem - como referido, o cara também tinha dirigido Blade Runner, outro clássico sci-fi (apesar de eu achar retardada a teoria, defendida por Scott, de que o Rick Deckard, na verdade, era um replicante também). O elenco é respeitável. E o trailer me pareceu bem promissor - um expedição espacial vai aonde Judas perdeu as botas para descobrir a origem da humanidade e acaba descobrindo uma verdade cabulosa que pode resultar na destruição de nossa espécie? Porra, isso é altamente high concept. Parece, decerto, uma idéia do mesmo cara que dirigiu Alien e Blade Runner. Aí Prometheus foi lançado e elogiado, mas (por falta de tempo) acabei perdendo o filme no cinema. Só recentemente vi em BD. E fico muito feliz por ter economizado o preço do ingresso porque, após cerca de cinco minutos de filme, comecei a revirar os olhos e resmungar. Lá por volta de uma hora de duração, minha esposa comentou a aparente falta de lógica no comportamento de uma das personagens e eu, já frustrado, retruquei: "Você ainda tem esperança de encontrar lógica nessa merda?" Sem exageros: se eu não soubesse que se tratava de um filme do mesmo diretor, teria qualificado Prometheus como "imitação fuleira de Alien". O fato de ser "a Ridley Scott movie", contudo, torna o filme deprimente. E, não, toda aquela conversa sobre "não ser uma prequel de Alien" é lorota. O filme é, sim, uma prequel do primeiro filme. Uma prequel horrível. Que faz as prequels de Star Wars parecerem obras-primas. Que faz o George Lucas parecer o Michael Cimino ou o Stanley Kubrick.

Prometheus começa bem: o prólogo se passa em um planeta bem parecido com o nosso, com uma criatura humanóide o suficiente para sugerir relação com nossa espécie, mas esquisita o suficiente para levar à conclusão de que o planeta não é a Terra, saindo de um disco voador. O bicho bebe o que parece um açaí high tech. A iguaria provoca uma desagradável reação: aparentemente envenado, o humanóide se desintegra. Suas cinzas caem na cascata às beira da qual o infeliz tomou a bebida desaconchegante e, sob a água, formam uma imagem muito parecida com uma versão arruinada do genoma humano. Minha reação, sem nenhum sarcasmo: "Caralho! Isso é muito massa! O filme tá ameçando ser todo intelectual e foda!"

"AWESOME!" Um Kurt Breichen extremamente otimista e ingênuo.
Surge o título, de forma muito semelhante ao de Alien - com as letras se formando gradual e aleatoriamente. Uma diferença me causou certo desconforto - a palavra Prometheus se forma bem mais rápido do que em Alien, mas, lógico, não vou criticar o filme por causa disso. Mal sabia eu que era um mau presságio.

Após o título, a ação passa para as highlands escocesas, em 2089, onde os arqueólogos David Holloway (Logan Marshall-Green) e Elizabeth Shaw (Noomi Rapace) estão escavando uma caverna e descobrindo pinturas pré-históricas e outras... mais pré-históricas ainda, digamos... que mostram o que parece um ser um gigante apontando para uma constelação. Os cientistas se empolgam, comentando que a pintura "parece com as outras" e que seria um sinal de que "eles querem nos mostrar onde econtrá-los". Quem serão eles? Os Deuses Astronautas? É o que parece. Minha reação? "Esse negócio está muito interessante! Massa! Massa!" Eu realmente estava bem otimista. Sci-fi do Ridley Scott, mesmo universo que Alien, elenco muito bom e, agora, Deuses Astronautas. "Ridley", pensei, "como pára-quedas de português, tô contigo e não abro! Isso vai ser ser ficção especulativa de qualidade!"

Corta para 23 de Dezembro de 2093. Estamos no espaço, a bordo da espaçonave-título. As legendas informam que Prometheus saiu da terra com destino "não revelado". Então... o pessoal aceitou viajar no espaço sem saber para onde ia? É uma atitude meio questionável, mas, por outro lado, não tiro a razão de quem ameaça enfiar os pés-pelas-mãos pelo que parece ser uma oportunidade única. Afinal, se existir viagem especial em 2093, creio que vai ser algo bastante novel. Estamos praticamente em 2013 e não temos nada capaz de viajar para qualquer outro planeta em tempo hábil. 70 anos deixam margem para poucos avanços na área, concorda? Aparentemente, o filme não concorda, pois logo percebemos que a tecnologia não é muito diferente do Nostromo de Alien, que, tudo indica, se passa num futuro muito distante. Na verdade, Prometheus parece ser uma nave de luxo em comparação ao veículo do filme de 1979, que era o equivalente a um caminhão espacial. Então... em 2093 a viagem espacial já vai ser dominada pela humanidade? A comandante Charlize Theron, descobriremos mais tarde, tem uma suíte de luxo, com oxigênio e mantimentos suficientes para 02 anos e uma máquina capaz de fazer cirurgias quase que sem intervenção humana. Eu acho uma premissa meio audaciosa, mas não vou deixar isso influenciar negativamente meu juízo sobre o filme. Veja o quanto o home video evoluiu nos últimos trinta anos - do VHS para DVD, Blue-Ray e video-on-demand! Quem sabe algo assim não acontece com viagens interplanetárias?

Enfim, o único passageiro acordado é David (Michael Fassbender), que, ao contrário dos humanos que precisam ficar em sono criogênico em razão da duração da viagem, é um andróide, que passa os dois anos de viagem estudando todos os idiomas conhecidos, com o propósito de estar preparado para decifrar linguagem alienígena. Ok. Além da viagem espacial, nos próximos 70 anos, criaremos ciborgues completamente convincentes? Improvável, mas possível. A viagem, percebemos, está próxima do destino, pois David acompanha o despertar dos passageiros humanos e sua recuperação dos desconfortos do hibernar induzido. Tudo muito parecido com o início de Alien, mas, até o momento, trata-se de uma virtude - a narrativa flui com sem pressa, mas jamais se tornando fastidiosa, mostrando um toque de diretor muito parecido com o do primeiro filme. Os passageiros são o casal de arqueólogos já citados, a comandante, Vickers (Theron), o piloto, Janek (Idris Elba), o geólogo Fifield (Sean Harris); Millburn (Rafe Spall), cuja profissão não logrei identificar; e a Lisa Arryn de Game of Thrones. Há também alguns auxiliares de Janek, mas, sinceramente, só fui notar a presença dos caras já no final do filme, de modo que não perderei meu tempo identificando os cidadãos - vou chamá-los apenas de "subordinados do Janek". Enfim, todo mundo acorda, se hidrata, bate um rango e se socializa um pouco (compreensível, após dois anos de sono). Fico com a nítida impressão de que o Fifield é tão psicopata quanto o personagen interpretado pelo ator em The Borgias - quando Millburn tenta puxar conversa com o colega, recebe um baculejo deste, que informa que não está na viagem pra fazer amigos, mas só pelo contracheque mesmo. Grosseiro, mas eu nunca viagei no espaço, nem passei dois anos hibernando, de modo que não vou esculachar o mau humor do cidadão. Após quebrar o gelo, todo mundo vai para o equivalente a uma sala de videoconferência, para saber qual o verdadeiro propósito da viagem.

Após uma breve introdução de Vickers, a reunião é iniciada com a participação holográfica de Peter Weiland (Guy Pearce), fundador da empresa que financia a viagem. Apesar da maquiagem horrível, Pearce é bom ator o suficiente para conseguir convencer. Não vou usar a maquiagem de qualidade duvidosa contra o filme, pois James Woods em Fantasmas do Passado e o DiCaprio em J. Edgar são exemplos de como é difícil envelhecer um ator com maquiagem de forma convincente e, simultaneamente, arrancar uma boa interpretação. O importante é que o segundo quesito é atendido.

Finalmente, uma vídeoconferência que não enche o saco.
O falecido empregador da tripulação explica que, finalmente, no trabalho de Shaw e Holloway encontrou um resposta convincente ao mistério da existência e passa a palavra aos arqueólogos. Buraco número 1: A gravação é de 1991.  Como é que o Weiland, que, tudo indica, faleceu em meados da década de 1990 (o "may I rest in peace" do Pearce é uma tirada simples, porém hilária) tomou conhecimento do trabalho de Shaw e Holloway, que estão fazendo descobertas no final do século XXI? Isso não é uma pergunta retórica. Quero saber mesmo. Como isso é possível? Estamos em 2012 e, até agora, ninguém, além do Christopher Walken, aprendeu a prever o futuro. A Dra. Shaw não responde a minha pergunta, mas sua explicação sobre o motivo da viagem é bastante interessante: pesquisando registros pictográficos das mais distintas civilizações - maias, egípcios, mesopotâmios, etc e, finalmente, highlanders - o casal ciência descobriu algo em comum: pinturas de seres humanos adorando a gigantes que apontam para as estrelas. A única galáxia que corresponderia às cordenadas apontadas pelos desenhos é tão distante da Terra que seria impossível, para civilizações da Antiguidade, qualquer conhecimento de sua existência. Ocorre que, agora, munida de tecnologia que nossos ancestrais não tinham, a pesquisa dos arqueólogos demonstra que tal galáxia possui um sol - como a Via Láctea - e, portanto, possibilidade de vida semelhante à que surgiu na Terra. Melhor ainda, eles identificaram um planeta com uma lua, com características não tão distintas do nosso - uma lua capaz de sustentar vida. Essa lua - LV 223 - é o destino da Prometheus, aonde a nave está chegando. Fifield debocha da teoria, resmungando que toda a viagem se baseou num suposto mapa encontrado numa caverna, mas Shaw explica que não se trata de um mapa, mas de um convite. Quem estaria fazendo o convite? Seres que a arqueóloga chama de "engenheiros". Por que "engenheiros"? Porque eles "engenharam", segundo as teorias do casal, a espécie humana. Com certa razão, Millburn indaga que respaldo a doutora teria para tal conclusão - afinal, trata-se de uma tese que, de certo modo, descarta a Teoria da Evolução. Eu, particularmente, acho que toda investigação científica deve ser norteada pela navalha de Occam e realmente não acredito na hipótese de a humanidade ter, em algum momento da antiguidade, entrado em contato com "deuses astronautas". Isto posto, admito que há vários elementos que podem servir de indício a tal especulação - não acho que provem nada, mas podem ser apontados como indícios. O mais manjado? Como os maias e os egípcios, civilizações tão distintas, conseguiram, com pouca tecnologia, construir pirâmides? Minha explicação é bastante simples: com roldanas e colocando as pedras mais pesadas embaixo e as menos pesadas em cima - daí os prédios terem estrutura, com o perdão da redundância, piramidal. Mas entendo como algumas pessoas podem usar isso como indício de que os antigos tiveram contato com alguma tecnologia alienígena. Outro exemplo? A possibilidade de intervenção alienígena consistir no elo perdido entre o neanderthal e o homo sapiens. Enfatizo: não acredito em nenhuma dessas hipóteses, mas as considero argumentos razoáveis. Não é isso, contudo, que a cientista responde. O que ela responde?

CIÊNCIA!!!
"Não tenho (provas). Mas é nisso que escolho acreditar." Trata-se, como diria o filósofo cearense Falcão, de assertiva da mais elevada catilogência. A imagem acima não é do filme. É o meu labrador, Genghis Kão. Mas a resposta é tão retardada que achei mais prudente colocá-la na boca do meu canino - a frase continua sendo idiota, porém menos irritante, porque o cachorro pelo menos teve o mérito de aprender a falar. A Dra. Shaw, entretanto, não tem a desculpa de ser um animal simpático e bobalhão que, sabe-se lá como, aprendeu a se comunicar em inglês. Ela é uma cientista (coisa que não sou) e não conseguiu nem se sair com as respostas que eu, leigo que não acredita em alienígenas, suscitaria em defesa de sua tese. Ela simplesmente "escolheu acreditar" nisso. Ok, doutora. Don't stop believing! Hold  on to that feeling, yeah! Mas a frase de efeito (porque o filme deixa bem claro que considera a resposta "uma pérola da sabedoria") só faz a arqueóloga parecer uma hippie que viu Matrix depois de fumar muita maconha. Ou uma crente da Igreja Universal defendendo o criacionismo. Eu não preciso de provas, diz ela, em outras palavras, eu só preciso acreditar. Tenho que ser justo - não levei cinco minutos para começar a revirar os olhos. Levei 19 minutos e 11 segundos. Foi este o momento em que revirei os olhos, resmunguei "isso é uma resposta anticientífica pra caramba" e comecei a suspeitar que minhas boas expectativas seriam frustradas. Isso não parece coisa de um filme de quem dirigiu Blade Runner, Alien, Kingdom of Heaven ou mesmo American Gangster. Parece coisa de fã do Paulo Coelho.

Por outro lado, o visual da sequência em que a Prometheus pousa na LV 223 é fantástico. Até me fez esquecer meus receios.
Antes do pouso, contudo, Vickers chama o casal de arqueólogos e explica que, caso seja descoberta vida inteligente no planeta,  eles não devem fazer contato, em razão do alto risco que isto representaria. E eu me pergunto: Hein? Quem foi que escolheu essa dona pra comandar a expedição? Pelo que entendi, todo o propósito da viagem é descobrir seres inteligentes e, talvez, a resposta para a origem da vida humana. E a atitude dela é "nada de contato"? Não teria sido mais simples (e muito mais econômico) ficar na Terra mesmo, já que ela vai ter uma atitude obscurantista dessas? Ou será que estamos nos deparando com mais um clichê: a figura militar que não quer saber das frescuras dos cientistas? Em Avatar, por exemplo, esse tipo de clichê fazia sentido - a galera estava em Pandora querendo minério, não informação e novas experiências. Mas, aqui, é completamente sem pé nem cabeça.

A nave pousa, o Holloway observa que a atmosfera é "como lá em casa" e a Lady Arryn diz (não necessariamente nessas palavras) que "Tu tá é doido, porra! Se tentar respirar diretamente o ar daqui, tu vai morrer!" Ao pousar, o Janek anuncia que vai "anoitecer em breve" e é melhor explorar no dia seguinte, mas Holloway não quer saber de esperar porque "É Natal e eu quero meu presente!" Falou, college boy. É raro o cientista que consegue ser menos prudente que o motorista, mas tudo bem. Como provavelmente diria sua namorada, siga seu coração! E eles resolvem descer e explorar o pedaço imediatamente.

David, Lady Arryn, Holloway, Shaw, Fifield e Millburn descem, apreciam a paisagem (o visual realmente é soberbo - fotografia e locações ruins não são defeitos de Prometheus) e, finalmente, em uns buggies e um busão futurístico, chegam a uma caverna onde tudo indica que há sinais de vida.  Fifield solta umas esferas badass que ele chama de "my pups", que voam caverna adentro para mapear o local e detectar se há algo interessante ao propósito da viagem. Ele solta um uivo quando as bichinhas entram em ação e, de repente, começo a gostar do personagem. Graças às bolinhas, a turma encontra uma passagem claramente artificial no piso da caverna. Esse trecho, por coincidência, está com teto solar, através do qual está caindo chuva. Não sei bem como, mas Holloway deduz, imediatamente, com base na chuva, que os visitantes prévios estavam "terraformando o planeta" (como a infeliz colônia de Aliens estava fazendo) e que a atmosfera do planeta, portanto, é respirável. Ato contínuo, ele decide mandar o bom senso às favas e tirar o capacete.

Cara, você não acha melhor... Ah, agora já foi.
Foi nesse momento que comecei realmente a me irritar com o comportamento dos "cientistas". Puta merda, cara, não faz quinze minutos que a Lady Arryn constatou que o planeta tem uma atmosféra tóxica pra caramba, mas é só descobrir uma chuva e um alçapão high-tech que o Holloway deduz que "tudo bem, dá pra respirar", tira o capacete e resolve ver o que acontece. Curiosamente, ele tinha razão: o ar, realmente, não é tóxico e tudo fica bem - por um instante, achei que veríamos coisa semelhante ao Arnoldão inchando e estufando os olhos em Total Recall, mas o palpite totalmente infundado de um cientista que parece não entender muito bem o conceito de "método científico" se revela correto. A cena parece querer mostrar que o Holloway é um badass impulsivo e indomável (características que Hollywood pinta como "cool", mas que, no mundo real, certamente fariam o indivído ser chamado de  burro e irresponsável), mas a impressão que fica é que o rapaz é tão tapado que chega a ser suicida.

Mas, enfim, provando que talvez Darwin estivesse errado, Holloway tira o capacete, sobrevive e todo mundo resolve seguir seu exemplo. Eu ficaria de capacete assim mesmo, só por precaução, mas cada um sabe de si.

O alçapão leva a um túnel que termina em uma parede com inscrições que o David tenta decifrar. Antes que o replicante (é o mesmo universo de Alien e Blade Runner, certo?) consiga entender as runas, os exploradores tomam um susto: através do que só posso descrever como "holograma-assombração", eles vêem a imagens de gigantes com trajes espaciais correndo em direção a alguma coisa ou, mais provavelmente, fugindo de alguma coisa. Vou aproveitar a data e classificar ao fenômeno como "fantasmas dos Natais passados".

BOO!!!
Os exploradores resolvem seguir as aparições e, ao final da trilha, encontram uma porta hi-tech e um cadáver humanóide, mas não humano, que parece ter sido decapitado pela supracitada porta. Duas coisas são certas: realmente há (ou houve) presença de vida inteligente na LV 223 e o presunto encontrado teve uma má sorte danada. Mas isso não importa. O que importa é que Fifield... Porra, esse nome é uma cacofonia. A partir de agora, vou chamar o geólogo de Phil. Achou ruim? Tente me impedir. Bora, tough guy! Faça alguma coisa! É, você é um frouxo mesmo. Enfim, o Phil surta geral, explicando que "Eu sou um geólogo; eu gosto de rochas, eu amo rochas! Mas está claro que vocês estão cagando pra rochas. O que parece interessar a vocês são cadáveres gigantes! E eu não tenho nada pra contribuir na ÁREA DE CADÁVERES GIGANTES! Vou voltar pra nave, se vocês não se incomodam." Hmmm... Ok, por um lado, o cara se destemperou um pouco, mas tenho que admitir que, após me deparar com uma cyberassombração e um cadáver colossal no mesmo ambiente, eu ficaria tentado a me retirar do recinto também. Aquele pessoal de Horror em Amityville só passou 28 dias na casa porque eles não podiam se dar ao luxo de se mudar para um local mais acolhedor. Não é o caso aqui e Phil aproveita a situação, faz como o Eric Cartman (Screw you guys, I'm going home!) e decide que ir para a nave é uma opção bem mais interessante para quem tem instinto de preservação. Millburn segue o personagem. Covardes? Sei lá. Eu diria que eles são prudentes, mas não sou um acadêmico de renome como o Dr. "Vou Tirar o Capacete e Dançar na Chuva" e a Dra. Neo.


Os cientistas e seu amigo robô ficam investigando o presuntão, que está ao lado de uma parede cheia de figuras que em muito lembram um mural de pirâmide. A César o que é de César: eles podem não ser um monumento à cautela, mas a teoria sobre deuses astronautas parece proceder. Através de datação por carbono, Shaw estima que o cadáver tem aproximadamente 2000 anos. Entrementes, David está futucando a parede, tentando abri-la. A Dra. Shaw adverte, com razão, que "não sabemos o que há do outro lado", mas é tarde: o replicante já conseguiu abrir a passagem. Em um instante, a doutora deixa o instinto de preservação de lado, adota a filosofia de "o que não mata, engorda" e resolve explorar o  novo recinto, onde encontram aquele cabeção do poster e, no chão, outro cabeção, menor, obiamente pertencente ao cadáver decapitado. "Notavelmente humano", observa David.

Confesso que esta imagem é massa. Meu otimismo voltou.
Hmmmm... Minhocas. Então realmente há vida aqui. A coisa está começando a melhorar.
Esse mural também é totalmente foda.
Sweet, dude! Essa sequência deve ter ficando fantástica no cinema. E em 3D!
Como as legendas acima evidenciam, meu humor começou a melhorar: o Ridley revela que não perdeu o jeito com visuais fantásticos e a cena mostra, simultaneamente, que há vida no planeta. Melhor ainda, a trilha sonora que acompanha a aparição das minhocas é um tanto sinistra, sugerindo que a coisa pode ficar perigosa. Já estou me empolgando. A Dra. Shaw, finalmente se comportando como alguém que realmente estudou arqueologia (ao invés de ficar lendo Paulo Coelho e achando que os filmes do Indiana Jones são documentários), ressalta a importância de não tocar em nada. Os recipientes da última imagem aparentam estar suando, como uma long neck gelada e pronta pra ser degustada. Mas não é o caso: à medida que o troço começa a derreter, David observa que os recipientes são orgânicos. Mais uma vez se comportando como uma cientista de verdade, Shaw observa que os murais estão derretendo e conclui que a presença da turma no ambiente pode estar perturbando a atmosfera, provocando sua degeneração e que a melhor atitude é colher amostras e cair fora o mais rápido possível. Ok, bem pensado.

Enquanto nossos heróis estão colocando o cabeção alienígena no saco, os tripulantes da Prometheus observam que há uma tempestade se aproximando. Janek avisa aos cientistas que o negócio vai ficar feio (incluindo ventos a aproximadamente 200 km/h) e que seria mais prudente os cientistas voltarem imediatamente à espaçonave. Shaw emburrece novamente e avisa que, "Ok, mas vamos precisar de mais tempo". Filha, ele falou em ventos de 200 km/h e voltar imediatamente. Se "esperem mais um pouco" fosse uma opção, ele teria avisado. Mais uma vez, a criadagem se revela mais sensata que os acadêmicos, mas posso até dar um desconto, pois há o risco de a descoberta se degenerar e a pesquisa se perder caso Shaw, Holloway e sua turma não colham amostras imediatamente. Vickers, entretanto, é categórica - ou eles voltam em 15 minutos ou vão tomar num local não alcançado pelos raios solares. Quando o bom senso finalmente fala mais alto (afinal, saber científico é muito bom, mas continuar vivo é bem melhor) e a Dra. Shaw anuncia aos colegas que está na hora de picar a mula, David, misteriosamente, congela com spray e colhe uma porção de um dos "frascos orgânicos". Enquanto isso, Holloway resmunga que "isto é só mais uma tumba". Ok. Falou. Ele não passou meia hora no local, mas já chegou à conclusão de que a viagem foi perdida. Não quero ficar martelando na mesma tecla, mas.. puta merda! Aposto que esse cara pagou a alguém pra fazer a monografia dele. Para fechar com chave de ouro, o casal ciência sai da caverna, pega os buggies e vai pra nave, deixando Phil e Millburn para trás. Assim, os caras que se comportaram com bom-senso e só queriam fazer seu trabalho, receber o contracheque e (imagina-se) sustentar suas famílias ficam para trás graças à falta de consideração dos "heróis".

Graças à intrepidez dos arqueólogos, Phil e Millburn ficaram no meio dessa roubada. Desconfio que eles só não jogaram a Lisa Arryn pra fora do bus porque o David seria testemunha.
Para caprichar ainda mais na cretinice, a Dra. Shaw quase morre porque, quando ela e os personagens que tiveram a sorte de não ser abandonados estão chegando na Prometheus, o cabeção alienígena cai do carro e a dedicada arqueóloga (claro que teria sido mais prudente não deixar a relíquia largada na traseira do buggy) sai correndo atrás do negócio e é baculejada pela ventania (que, repito, o Janek avisou que chegaria a uma velocidade de 200 km/h). Não querendo ficar para trás de sua amada no quesito "escrotice"... Digo, mostrando seu heroísmo, Holloway vai atrás dela, no buggy, arriscando sua, vida, a vida dos colegas que não estão apaixonados pela Noomi Rapace e a integridade da Prometheus. O melhor de tudo é que, nessa brincadeira, o buggy se esbagaça. Parabéns, Dr. Holloway! É assim que um profissional se comporta: colocando os colegas em perigo de morte e destruindo os bens do empregador. Graças ao David (que, robô ou não, sempre se comporta com profissionalismo e competência), que segue os dois idiotas com um cabo de aço (ou titânio, sei lá, é um troço bem resistente), o casal escapa da morte certa, sendo guinchados de volta para a nave, sobrevivendo e me deixando com a impressão de que o filme realmente está querendo suscitar dúvidas a respeito da seleção natural. Chegando na nave, os arqueólogos levam um merecido esporro de Janek, personagem que, até agora, está fazendo por merecer o salário. Provando que, ao contrário de certos personagens que eu conheço, se preocupa com o bem-estar dos colegas, o capitão indaga onde estão Phil e Millburn, ao que Shaw replica: "Eles ainda não chegaram?"

Quase dá pra ver um balão de pensamento com os dizeres "Puta que o pariu!"
Como? Como caralho eles teriam chegada, doutora? Os dois carros estavam lá quando vocês saíram da caverna que, evidentemente, estava bem distante da nave (afinal, em alta velocidade, eles levaram mais de quinze minutos e chegaram praticamente junto com a tempestade). Talvez algum professor engraçadinho da faculdade pagou-passou que ela fez tenha ensinado que "geólogos sabem se teletransportar" e a moça tenha acreditado. Eu não me surpreenderia.

Enquanto isso, na caverna, Phil e Millburn estão andando em círculos e, por conseguinte, provocando a erosão (Ha! E o Phil é geólogo! Sério, não pensei nisso antes de falar em "erosão") de minha boa vontade com a dupla. Se memória não me falha, o Phil era o cara que trouxe as esferas badass que mapeariam a caverna. Como raios ele conseguiu se perder? Isso, claro, não serve de desculpa ao casal Shaw-Holloway - eles deviam ter percebido a ausência dos colegas, mas não! Arriscar a vida pelo cabeção do alienígena? Confere. Verificar se todos membros da expedição estavam nos carros? Não é prioridade. Estou começando a suspeitar que o passeio turístico de Mar Aberto foi organizado pelos antepassados do casal. Enfim, Phil consegue entrar em contato com o capitão, mas este informa, obviamente inconformado, que não tem como ir buscar aos dois até a tormenta passar. Compreensivelmente emputecido, Phil pede ao capitão que transmita aos arqueólogos seus sinceros votos de "vão se foder", conquistando a solidariedade do piloto e seus subordinados (e recuperando a minha), que soltam boas gargalhadas e respondem que vão passar o recado.

Péssima situação, mas, tendo em vista que Janek só não está identificando a localização exata dos dois em razão da tempestade, minha sugestão é que os abandonados fiquem onde estão e esperem a tempestade passar. Talvez tirem um cochilo. Não é bicho de sete cabeças. Mas, é claro, ninguém está ouvindo minhas sugestões e a dupla resolve dar um rolé pela caverna (cujas assombrações, releva mencionar, tinham deixado, há pouco tempo, o Phil apavorado).

Entrementes, na nave, Shaw e Lady Arryn estão congelando o cabeção. Vickers chega no laboratório e vai logo indagando se os "engenheiros" estavam todos mortos. Como o Janek já tinha observado previamente, a comandante parece estar torcendo para a expedição dar errado, o que me faz questionar, mais uma vez, qual foi o processo de seleção que resultou na escolha da moça para chefiar a viagem. Só posso especular, claro, mas um argumento convincente é o de que a foto abaixo foi a capa do CV apresentado por Vickers.

E o curriculum, naturalmente, continha o telefone dela. Ainda prefiro a minha esposa (amor, se você estiver lendo isso, não estou sendo sarcástico: você é a mulher mais linda do mundo). Mas dá para entender a motivação do empregador...
Elizabeth Shaw, Lisa Arryn e David percebem que o formato bizarro do cabeção não decorre da presença de um exoesqueleto, mas de um capacete, que o ciborgue consegue tirar, revelando que a cabeça do ET é bastante semelhante ao do humanóide visto no prólogo - obviamente, trata-se de uma criatura da mesma espécie. Percebem, também, que há uns troços na parte superior da cabeça do bicho que parecem espinhas gigantes. Shaw sugere que se tratam de células em mutações. Que tipo de mutação? Não sabemos, mas a arqueóloga sugere que a Lisa tente estimular o sistema nervoso do humanóide com uma broca, a fim de fazê-lo "achar que ainda está vivo". O experimento não dá muito certo e o cabeção começa a se decompor, mas não antes de dar sinais de que ter uma broca enfiada em sua cabeça está sendo assaz inconveniente.

"Cara, isso é a pior ressaca da história!"
As moças tentam congelar o crânio novamente, mas é tarde demais: este explode e a brincadeira acaba, para a infelicidade de Charlie Holloway que, acabei de notar, está mamando numa garrafa de pinga durante o procedimento. Parece que o Direito do Trabalho do futuro vai ser bastante free jazz, porque, se eu fizesse coisa semelhante, seria demitido imediatamente. Por outro lado, o alcoolismo do cientista explica muitas de suas ações.

Depois (não sei quanto tempo se passou), Vickers encontra David em um corredor da nave e, aparentemente enfurecida, indaga "o que ele disse?" "Ele" quem? Mistério... Após certa resistência do ciborgue ("Ele não gostaria que eu contasse a você"), este sofre um baculejo da comandante e acaba confessando que "ele" disse para "tentarem mais". Tendo em vista que o David é um robô e a Charlize Theron é fisicamente delicada, creio que a violência física não fez nem cócegas e o David podia acertar uma pancada nela a qualquer momento, mas vou presumir que ele acabou cedendo por uma questão de urbanidade. Vickers parece não ficar satisfeita com a resposta, mas deixa o replicante em paz. Ele procede a examinar um dos "frascos" orgânicos que trouxe da caverna (muito astucioso, David. Se fosse outro personagem, eu diria que se trata de erro de continuidade; David, porém, me convence ter sido capaz de levar a relíquia sem ninguém perceber). Enquanto Shaw e Arryn tentam identificar o DNA  da cabeça explodida (descobrindo que este é idêntico ao genoma humano, o que não faz muito sentido, porque, se a memória não me falha, o bicho era um gigante, de modo que deve haver alguma diferença, a não ser que o elo perdido seja o incrível Hulk). O robô abre o recipiente, dentro do qual há frascos transparentes contendo um líquido negro não muito distinto daquele que sacaneou com o Wikus em Distrito 9. Isso não pode ser coisa boa... Ele colhe uma gota do líquido e comenta consigo mesmo que "coisas grandes têm inícios pequenos". Menos coisas como, por exemplo, um bezerro, que já nasce grande.

David volta ao laboratório, onde encontra um Charlie Holloway bastante chunbado (mais um exemplo de imprudência: ficar bêbado num laboratório, como o Seth Brundle pode atestar, nunca resultou em nada que preste). Solícito, o ciborgue oferece mais uma dose ao cientista, que sugere a David que tome uma lapada de pinga também. O robô declina, aduzindo que seria um desperdício, ao que Holloway observa que "tinha esquecido que você não é um menino de verdade." PQP, um pouco de tato não faz mal a ninguém! O cara te encontrou bêbado no local de trabalho, não reclamou, ofereceu mais uma dose e você fica é fazendo piadinha de mau-gosto com ele? Douche... David ignora a grosseria e se solidariza com o bebum, comentando que lamenta que este não tenha conseguido encontrar seu criador. Nervosinho, Charlie-boy pergunta ao replicante se este acha que a viagem foi um desperdício, ao que ele responde que "isso depende de sua compreensão sobre o propósito da viagem." O propósito, responde o "cientista", era encontrar os criadores da humanidade e obter respostas - saber, por exemplo, o motivo da criação da espécie. Pertinente, David indaga por que os humanos criaram os ciborgues. Holloway responde que retruca que foi "porque podíamos". David (que, aparentemente, tem mais noção de ironia que o intelocutor humano) indaga como ele reagiria se os engenheiros oferecessem a mesma resposta. "Eu ficaria decepcionado", responde Holloway, "mas ainda bem que você não é capaz de sentir isso". Francamente, bêbado ou sóbrio, esse cretino é grosso pra caralho. Holloway trata o robô (que, não custa lembrar não cometeu nenhuma merda até agora, ao contrário do arqueólogo) com o mesmo deboche com que um senhor de escravos trataria o "negro de casa". "Mas, Kurt", um leitor imaginário pode aduzir, "a situação é totalmente diferente. Os escravos eram humanos e o David, não. É bobagem querer poupar os sentimentos de um robô." Então, tá. Vai ser mal-educado com o T-1000 e veja o que acontece.

Deviam ter colocado este organismo cibernético para acompanhar Holloway.
Ignorando a grosseria, David pergunta a Holloway o que este seria capaz de fazer para descobrir as respostas que procura. Holloway: "Toda e qualquer coisa." Diante de tal afirmação, o replicante serve uma dose da cachaça e, discretamente, coloca uma gota do líquido preto dentro desta. Sem perceber, o cientista toma sua birita com a maior satisfação.

Pegadinha do Mallandro!
"Então, aparentemente, David não é tão bonzinho quanto parece", alguém pode observar. Bem, em defesa do robô, posso dizer que 1) seja lá qual o objetivo, ele é um robô e provavelmente só está cumprido ordens (no caso dele, ao contrário do que ocorre com nazistas, o argumento faz sentido); e 2) ele só fez o Holloway de cobaia depois que este disse que estava diposto a fazer "qualquer coisa" para obter respostas. Efetivamente, David não sacaneou com ninguém - ele só atendeu aos desejos do arqueólogo.

Na caverna, enquanto isso, Phil e Millburn encontram uma PORRADA de cadáveres...

UMA PORRADA DE CADÁVERES!
Parece que os falecidos estavam fugindo de algo e a causa mortis, observa Millburn, foi "algo saiu de dentro deles." Enquanto isso, eu observo que essa história toda está familiar demais. Isso é mesmo uma quase-prequel-de-Alien-mas-não-exatamente (como insiste o diretor) ou só mais um remake vagabundo? Para o mal-estar de todos os envolvidos, Janek avisa aos dois que a nave detectou uma forma de vida próxima do local onde estão. De repente, o negócio desapareceu e Janek conclui (não convencendo a dupla abandonada) que o sinal de vida era provavelmente um bug.

No quarto do casal Holloway-Shaw, a doutora está fazendo uma gravação e especulando se uma doença teria se propagado pelo planeta e provocado a morte dos bichos. Claro! Decapitação é um efeito comum de várias doenças. Semana passada, dois caras que moram aqui perto pegaram um resfriado e a cabeça de um deles caiu. Trágico, mas assim é a vida. Conversando sobre "quem teria criado os criadores da humanidade" (teoria que não foi comprovada de forma alguma, diga-se de passagem), o casal chega a um momento dramático: Elizabeth Shaw lamenta que "não pode criar vida." Suspeitando do que está por vir, começo a me sentir fortemente inclinado a dar uma porrada na tela, mas não o faço, na esperança de que Ridley não tenha apelado para o que eu estou pensando. Esperança tola, percebo, porque a doutora revela exatamente o que eu temia: que ela é estéril! Arrá! Freud e Jung explicam. Então é por isso que ela está tão interessada em descobrir a origem da vida: a cientista não pode conceber. E foi nesse exato momento que desisti de esperar qualquer coisa que preste do filme. Já reclamei sobre isso no meu post sobre A Rede Social e vou repetir a ladainha: Porra dum caralho, será que ninguém em Hollywood entende a possibilidade de alguém se dedicar a pesquisa científica por amor ao conhecimento? Sempre tem que haver uma motivação pseudopsicanalítica? Cara, caso a teoria de Shaw seja corroborada, tudo que se conhece sobre a origem da vida humana se tornará obsoleto e a humanidade terá que repensar tudo que acha que sabe sobre si. Isso não é motivação suficiente para uma cientista? É realmente necessário apelar para um clichê tão ordinário? Tudo em Hollywood tem que se basear em aulas de Psicologia Geral I? A partir deste momento, parei de me decepcionar com Prometheus, pois percebi que Ridley Scott está, evidentemente, no piloto automático.

Com a sensibilidade que lhe é peculiar, Holloway decide que a melhor maneira de resolver o drama é com uma bimbada na mulé. Pô, começo a suspeitar aonde essa história vai parar, mas não... aí já seria óbvio demais. Não é possível que o filme apele para transmitir a infecção e incubar um não-alien na protagonista através de sexo. No Alien, Ridley Scott teve a sutileza de "engravidar" um homem. Nem a pau ele vai, aqui, apelar para uma recurso tão óbvio, certo? Certo?

Na cabine do capitão Janek, Vickers está enchendo o saco novamente, querendo saber quando vão poder ir embora. Provando que, como diz a música, é um negão de tirar o chapéu, Janek não se intimida, passa uma cantada digna do Austin Powers em sua hierarca e, diante da negativa, reage com bom humor (If you can't be with the one you love, love the one you're with, canta o piloto, tocando uma gaita futurística).

Falando em encher o saco, Phil e Millburn estão na sala que David descobriu na caverna, entediados  (mais ou menos como eu). Phil, mais uma vez ganhando minha boa-vontade, mostra ao colega que deu um jeito de implantar um cachimbo em seu capacete e dá uns tapas para passar o tempo. É então que algo começa a se mover no chão, sob as poças de líquido negros oriundas dos vasos que derreteram. Hmmm... Então, realmente havia um terceiro ser vivo na caverna. A criatura se revela:

RAR! I'M A MONSTA!
É óbvio que esse bicho não é boa coisa, mas...putz... Em Alien, o chest-burster aparece depois de aproximadamente uma hora de suspense cuidadosamente construído. Aqui, após uma série de trapalhadas e conversa mole, Scott aparece com esse bicho esquisito e claramente hostil. A reação de Millburn: achar a criatura bonitinha e tentar brincar com ela! Isso não é piada: o cara topa com uma forma de vida desconhecida, num recinto repleto de cadáveres, e sua atitude é ficar de frescura com o bicho, como se fosse um fofo filhote de labrador. Phil, mais uma vez demonstrando um sadio instinto de preservação, se apavora com a criatura, mas Millburn fala pra ele se acalmar e tenta afagar o "bichinho", alegando que "she's a lady". Cara, mesmo que seu palpite sem fundamento proceda e a criatura seja uma fêmea, há uma GRANDE diferença entre "fêmea" e "lady". A primeira atitude de uma fêmea de tubarão branco após o nascimento dos filhotes, por exemplo, é tentar devorá-los. Uma naja fêmea (belo réptil, com o qual o monstrinho em questão se assemelha) não vai pensar duas vezes antes de atacar um humano otário que tente mexer com ela. Mas nada disso passa pela cabeça do rapaz. Millburn acha que ela é linda e, portanto, inofensiva!

Sexo feminino e beleza não são sinônimo de doçura, Mr. Scientist!
Para a surpresa de absolutamente ninguém que já tenha visto um filme de monstro antes, a "bichinha" dá o bote e se enrosca no Millburn; ao tentar salvá-lo cortando a criatura, Phil é brindado com um jato de sangue ácido que derrete seu capacete e sua cara, enquanto a "fofinha" entra no capacete e sistema digestivo de seu colega idiota. Ambos, evidentemente, morrem, e a tripulação da Prometheus agora tem uma pessoa sensata a menos.

Na manhã seguinte, Holloway está se sentindo mal e com a aparência de quem tomou três litros de vodca Popov na noite anterior (o que, dado o amor de arqueólogo pela garrafa, pode corresponder à realidade). Janek interfona para os pombinhos, anunciando que é hora de ir buscar o os dois pobres diabos que os idiotas deixaram na caverna. Meio tarde, mas o Janek estava com as mãos atadas e nada dessa desgraça teria acontecido se um certo casal de exploradores tivesse contado quantas pessoas estavam voltando para a nave. David só logra encontrar uma das esferas mapeadoras às portas de mais uma cômodo escondido na caverna, onde encontra mais uma porradas dos frascos orgânicos, cadáveres de humanóides gigantes e uma câmera criogênica onde, aparentemente, um ou mais gigantes repousam em sono induzido. Está vendo, Dr. Holloway? Bastava um pouco de persistência e você teria logrado sucesso. Mas, agora, é tarde - o revestréiz do arqueólogo está muito mais acentuado e não melhora quando o grupo encontra o cadáver de Millburn e a forma-de-vida-extraterrestre-que-segundo-o-diretor-não-tem-nada-a-ver-com-Alien salta da traquéia do presunto, fazendo com que a Lady Arryn borre seu traje espacial. Shaw, entrementes, desinteressada no fim trágico do colega (que não seria possível sem sua negligência) só quer saber de levar o namoradinho dodói de volta pra nave. David, enquanto os humanos estão de frescura contraproducente, encontram uns botões que parecem ovos cozidos e, ao mexer neles, enseja nova manifestação das assombrações espaciais, que, percebemos, não são assombrações, mas vídeos mostrando o que ocorreu na nave (é meio óbvio que a caverna é uma nave escondida) antes do sono induzido de seus tripulantes. O visual da cena é... interessante, mas nada que vá empolgar que já viu, por exemplo, Minority Report.

Enquanto isso, os demais tripulantes estão tentando entrar na Prometheus com um Holloway obviamente infectado. Janek, em surpreendente momento de idiotice, "ordena" que Vickers abra a porta. Em primeiro lugar, tenho que observar que esta cena é basicamente a mesma que ocorre em Alien quando o pessoal quer entrar na nave com o John Hurt-com-um-bicho-grudado-na-cara.  Em segundo lugar, como é que o Janek está dando ordens a Vickers? Quem é o comandante dessa birosca? Ao contrário do que ocorre em Alien (onde a Ripley explica, racionalmente, por que não pode deixar os colegas potencialmente infectados entrarem na nave e a porta só é aberta porque o Ian Holm passa por cima das ordens da comandante-interina do Nostromo e deixa o pessoal entrar), Vickers baixa a pomba-gira, pega um lança-chamas totalmente foda, abre a rampa de entrada da nave e...

HAHAHAHAHAHA!
... incinera Charlie Holloway! Irrú! Ele morreu! No final das contas, Darwin estava mesmo certo! Por um lado, fico feliz com o fato de a comandante ter equilibrado um pouco a situação (agora, a tripulação da Prometheus tem um debilóide a menos). Por outro, tenho que constatar que a medida drástica não serviu de nada. Lembrem que, em Alien, Ripley se recusava categoricamente a abrir a nave para evitar qualquer contágio. Aqui, Vickers abre a porta, manda "todos, menos Holloway" entrarem na nave e só dá cabo do "cientista" quando este se aproxima, com intenções obviamente suicidas. Isso é totalmente retardado. Todo mundo que estava com Holloway teve algum contato com o cara antes de levá-lo para a nave e, caso o contágio se dê pelas vias aéreas, como diria o Capitão Nascimento, "já perdeu", pois a rampa da nave está completamente escancarada. Não vou dizer que Holloway morreu em vão (porque a morte do personagem, inevitavelmente, vai reduzir a quantidade de imbecilidades possíveis), mas, depois de ter aberto a porta e mandado os outros entrarem, a comandante podia muito bem ter deixado o moribundo entrar junto. A namorada do churrasco surta, fade to black e a próxima cena se passa no que creio ser a clínica da nave.

Com tato surpreendente para um robô, David indaga a Shaw se ela teve algum contato sexual com o de cujus (quando ele estava vivo, evidentemente). Antes que a arqueóloga possa responder, um scanner-ultrassom revela que ela está grávida de três meses, o que seria impossível, pois a única relação que a moça teve com o Holloway nos últimos dois anos ocorreu há aproximadamente dez horas e... porra. O Ridley realmente apelou - o contágio não só se efetua através de gravidez, como a grávida em questão é 1) uma mulher (óbvio) e 2) estéril. Se a Shaw é estéril, não vejo como o esperma alienígena tenha facundado um óvulo. Independentemente da natureza do esperma, ela continua sendo estéril. Mas, aparentemente, o esperma (cacete, isso está parecendo aquela cena de Superbad em que os policiais comentam que queriam que os criminosos deixassem esperma em todas  as cenas do crime e que a polícia tivesse um cadastro de sêmen) infectado vence todas as barreiras. Ou o Ridley Scott resolveu ligar o foda-se e nem tentar se esforçar. Como já referido, costumo seguir a Navalha de Occam, de modo que fico com a última hipótese. Perdendo completamente o tato (mas também não tiro a razão dele - todo mundo sacaneia com o cara só porque ele é um robô; nada mais justo que ele pare de ficar medindo as palavras), David informa à futura mamãe que não se trata de uma gravidez comum - não é um bebê fofinho que está se desenvolvendo lá dentro. Com a elegância e sutileza que lhes são peculiares, Shaw se destempera completamente, insiste que quer abortar agora e recebe um "não" acompanhado de tranquilizante - afinal, o objetivo da viagem foi descobrir formas de vida extraterrestre e, aparentemente, a única que eles encontraram está no útero da moça. Mas e aquela sala com câmaras criogênicas? Sei lá. David não comenta com ninguém.


Mais tarde, Lisa Arryn acorda a moça, que reage, como diria o jovem Frankenstein, com graça e calma dignidade: ela, mais uma vez, surta geral, sai dando porrada pra todo lado, corre para a suíte da Vickers e tenta preparar a máquina de cirurgias para um aborto. Negativo - a máquina (Oh!) só pode tratar de homens. Improvisando, Elizabeth se entope de tranquilizantes, programa a máquina pra fazer uma cirurgia abdominal e o resultado é (não muito diferente do filme) um aborto mal-sucedido que não faria feio ao lado de cenas como o nazista de Zombie Lake que leva um tiro e passa uns 30 segundos enrolando antes de cair ou o Rod Steiger caprichando na reza braba em Horror em Amityville. Hilariantemente, após abrir o bucho da moça e extrair o feto teratológico, a máquina mostra ser um primor de eficiência e fecha a ferida com grampos. Sinceramente... na cena em que a máquina é mencionada pelos personagens, no começo do filme, é dito que se trata de equipamento altamente sofisticado e que só fabricaram cerca de uma dúzia do modelo. E esse equipamente hi-tech sutura um corte que certamente deixaria as tripas da paciente de fora com essa baboseira de MacGyver? Isso me lembra a morte do Michael Imperioli em Dead Presidents: ele está na guerra do Vietnã, se afasta da tropa para tirar água do joelho e é atacado por vietcongs, que evisceram o infeliz soldado, cortam seu membro viril e o enfiam em sua boca. Se ele ao menos tivesse levado um grampeador, uma morte trágica e brutal teria sido evitada! Enfim, após toda essa palhaçada, a moça consegue congelar seu estranho rebento e, pensa ela, evitar desgraça. Sem exageros, a cena é totalmente ridícula e o comportamento histérico da "cientista" faz a Mia Farrow parecer a Sarah Connor. A única maneira de realmente vivenciar toda a riqueza da cena é assistindo. Eis o vídeo:



Enquanto a arqueóloga (que, num filme realista, estaria dopada de tanto tranquilizante ou, mais plausível ainda, tentando segurar as tripas) se recupera do desaconchego, Janek detecta sinal de que, aparentemente, Phil está do lado de fora da nave. Mostrando, mais um vez, pouca prudência (mas, pelo menos, mais consideração pelo bem-estar dos colegas do que os arqueólogos), ele manda um de seus subordinados, imediatamente, ir ao encontro do geólogo esquecido. O enviado descobre, de forma extremamente desagradável (para ele; eu achei a cena massa), que Phil está "um pouco" diferente.

Por uma questão de concisão (e porque é badass!) vamos chamá-lo de "Monster Phil"
Nosso novo herói barbariza geral, sai metendo a pancada pra todo lado, mata o pobre subordinado do capitão, ignora tirambaços (Raios Laser! Massa! Foi aí que comecei a cantar "Uh-lê-lê! Uh-lá-lá! O monstro vem aí, o bicho vai pegar!", até minha esposa mandar eu "parar de palhaçada") até ser esmagado por um dos veículos e incinerado. E assim se encerra a participação do Monster Phil, que morreu como viveu: sendo totalmente destemperado e completamente foda. Mas ele fará falta.

A seguir, acompanhamos Elizabeth Shaw, que (enfatizo: se fosse na vida, real estaria completamente dopada ou tentando empurrar as tripas de volta) está vagando sem rumo, até entrar numa sala onde se depara com David, dois caras que eu não sei se apareceram antes e (pausa dramática)... Peter Weiland, que, apesar de velho pra cacete, está vivo e a bordo!

Não enche o saco. Eu disse que ele estava vivo, não saudável. Se você presumiu que ele estava com boa aparência, só posso dizer que when you assume you make an "ass" out of "u" and "me".

Isso explica quem estava dando ordens a David, mas deixa várias outras coisas sem explicação. Shaw, como eu, fica atônita: "Você estava adormecido! Você estava na nave esse tempo todo! Por que?" Bom, além de comentar o óbvio, a cientista, mais uma vez, deixa as questões importantes de lado. Posso entender a sobrevivência do Weiland. Digamos que ele fez com dizem que o Walt Disney fez - ao invés de morrer em meados da década de 1990, ele foi congelado criogenicamente em meados da década de 1990. Posso até aceitar essa possiblidade. O que não entendo é como, tendo hibernado em 1992, ele tomou conhecimento das teorias do casal Holloway-Shaw. Será que alguém viu as teorias, achou interessante, resolveu descongelar o velho, que gostou das idéias, mandou providenciarem a viagem e foi congelado novamente? Não faz muito sentido. Se qualquer babaca podia descongelar o cara sempre que achasse conveniente, todo o lance do congelamento perderia seu propósito. Então, quem seria essa pessoa? Como será que ela sobreviveu a tempo de tomar conhecimento das teorias do casal, as quais, tudo indica, só foram minimamente corroboradas em 2089, quase cem anos após a suposta morte de Weiland? Será que é um negócio que passa de pai para filho? Que há disposiçóes testementárias complexas e minuciosas, determinando que, sempre que um dos "guardiães" do corpo do velho falecer, outro assumirá seu lugar? Como ter certeza de que sempre haveria alguém disposto a assumir tal responsabilidade, por mais bem remunerada que fosse? Peraí, na videoconferência, Weiland se refere a David como a coisa mais próxima de "seu filho". Pode-se inferir que o David já existia quando o empresário se congelou, no final do século XX, e ficou cuidando do "pai" desde então, certo? Duvido. Estamos em 2012 e, até agora, não há nada nem remotamente parecido com um andróide sofisticado como o de Prometheus. Sabe de uma coisa? Foda-se este filme. Não lembro quem elaborou a máxima (acho que foi o Ebert), mas posso repetí-la sabendo que se aplica perfeitamente à situação: se você precisa ficar elaborando explicações mais complicadas que as apresentadas pelo roteiro, é sinal de que o roteirista não fez o trabalho direito.

Weiland alega que ainda "tem alguns dias de vida e não queria despediçá-los antes de saber que Shaw cumpriria sua promessa: a de apresentá-lo ao seu criador". Mais um buraco. Repito: como é que ele tomou conhecimento das teorias do casal, se estas só foram elaboradas aproximadamente cem anos após sua hibernação? Vamos, mais uma vez, ignorar isso, porque o negócio realmente é ilógico e retardado. Shaw afirma que os engenheiros morreram, ao que David aduz que não, ele encontrou "um deles vivos". Eu sabia! Havia mesmo alguém dormindo naquela câmara. Pelo menos isso faz sentido. Weiland e sua banda estão planejando acordar o "engenheiro" para este explicar como prolongar a vida. Isso também não tem pé nem cabeça. Como o próprio Ridley Scott demonstrou em Blade Runner (para o desgosto do Roy Batty), o fato de alguém criar vida (artificial ou não) não significa, necessariamente, que tal entidade possa prolongá-la. Isso é mais ou menos como eu chegar na casa de meus pais e exigir que eles expliquem como eu faço para viver mais cem anos. A analogia é ridícula, eu sei, mas o filme não fica muito atrás. Sabe o que é mais ridículo ainda? A reação de Shaw, que diz que havia se enganado, que os humanóides que encontrou "não são o que pensávamos" e que eles "tem que ir embora da LV 223". Sei que estou ficando repetitivo, mas ela realmente não está falando coisa com coisa. Como diabos ela sabe disso? Os únicos "engenheiros" que ela encontrou estavam mortos. A doença do Holloway e subsequente gravidez aberrante podem muito bem ser fruto de, por exemplo, o fato de o idiota mal ter chegado ao planeta (ou lua, sei lá), deduzido que a atmosfera era basicamente a mesma coisa da Terra (embora a Lady Arryn tenham explicado minuciosamente que não era) e contraído um vírus ou seja lá o que. Nós sabemos que foi o David quem deixou o cara doente, mas ela não sabe. Não há qualquer evidência de que isso tenha sido obra dos "engenheiros". Francamente, ela passou dois anos dia viagem e, de repente, depois de toda a bagaceira, quando finalmente encontra um suposto "criador" vivo, sua atitude é um faniquito digno de uma adolescente de slasher vagabundo? Parece que os roteiristas usam o termo "cientista" em acepção bem ampla mesmo. E o pior de tudo é que o Weiland, basicamente, faz o mesmo questionamento que acabei de fazer. A arqueóloga, naturalmente, não tem uma resposta minimamente lógica. Corta para ela chorando no banheiro, talvez por ter percebido que é burra demais para viver.

Janek adentra o recinto e diz à arqueóloga que a LV 223 não é o lar dos engenheiros, mas uma instalação militar. Os alienígenas, deduz o capitão (com base em que, não faço idéia, mas se até os cientistas saem com teorias sem pé nem cabeça, como posso repreender o piloto por incorrer no mesmo erro?) não foram burros (como nós! que irônico e socialmente relevante!) de criar armas de destruição em massa e armazená-las no mesmo planeta onde viviam. É isso, exclama o capitão, que está "naqueles vasos" e o que ocorreu, em sua opinião, é que houve um vazamento e todo mundo na suposta base militar morreu. Ok. Tudo bem. Não vou mais esquentar a cabeça. Vou partir da premissa que é isso mesmo que aconteceu (embora seja tudo suposição do Janek) e ver aonde esse drama vai parar. Agora que alguém aparece com argumentos (infundados, mas são argumentos) para justificar a batida em retirada, a Shaw subitamente muda o discurso e volta a pregar que os engenheiros têm a chave para todos os mistérios da história do eterno e indaga se o capitão não quer saber o que eles têm a dizer. Janek é incisivo: "Não me interessa."

"I don't care." Amen, brother.
A pentelha continua tentando usar o que certamente considera (equivocadamente, claro) o método socrático com o capitão, mas Janek é incisivo: não impoprta o que aconteça, nem a pau ele vai levar a bagaceira que aconteceu aqui de volta para a Terra. Pelo menos, alguém nesta cena sabe o que quer da vida.

Shaw se reúne à turma do Weiland que, como eu, fica surpreso com a inexplicável mudança de idéia da moça. Interessante como um senhor de idade avançada demonstra mais coerência que a jovem cientista. Antes de embarcar na mais nova aventura, Weiland fica um momento a sós com Vickers e reclama que ela deveria ter ficado em casa, ao que a comandante, injuriada, aduz que não ficaria na Terra "discutindo quem manda enquanto ele (Weiland) viajaria pelo espaço em busca de um milagre" e acrescenta que a "ordem natural" das coisas é envelhecer e morrer. Isso sim, é irônico. Parece que alguém está tentando passar uma triste, porém realista mensagem a Ridley Scott e este nem percebe. Ironias à parte, já deu pra entender que a moça é reacionária, mas temos agora a explicação de como ela se tornou a comandante da expedição - Vickers, aparentemente, é da mesma família que o fundador da empresa, demonstrando que, mesmo na beirola do século XXII, o velho e bom nepotismo continua vigendo com toda a força. Irritado, Weiland pegunta se ela tem alguma coisa a acrescentar, ao que Vickers responde que "Não... (pausa dramática)... pai." Calma aí. CALMA AÍ! "Pai"? Não "tataravô", nem "bisavô", nem mesmo "avô"? "Pai"? "PAI?' O cara estava nas últimas em 1991! Como diabos ele teve uma filha que ainda está, um século depois, na flor da idade, com a aparência da Charlize Theron? Isso é para ser entendido literalmente? Ou ela é "filha" dele como o David? Ela é uma replicante? A resposta do Ridley Scott pra tudo agora é "o(a) personagem é um(a) replicante"? Sério! Eu quero saber! Não, não mude de cena! Eu exijo uma respos...*

* Para ser justo, há uma resposta: o holograma do Weiland foi gravado em 2091, não 1991, como entendi equivocadamente. Isso explica muita coisa (especialmente como o Weiland tomou conhecimento das teorias do casal Shaw-Holloway), mas cria uma série de outras dúvidas, como, por exemplo, "Por que porra ninguém sabe que ele não morreu?" e "Por que o cara que pagou a viagem está escondido". Não vou corrigir o texto porque, francamente, fuck this movie.

Na cena seguinte, David e a Dra. Shaw estão jogando conversa fora sobre "vontade", "liberdade" e "complexo de Édipo". Não vou entrar em detalhes, só deixar mais uma dúvida: é possível uma mulher ter complexo de Édipo? Porque David insinua que todo mundo tem vontade de matar os pais, inclusive a arqueóloga. Isso é possível em se tratando de mulher? Complexo de Édipo, quero dizer. Se alguém quiser esclarecer a dúvida, deixe um comentário. Não vou pesquisar porque nem a pau vou perder meu tempo procurando respostas para questões retardadas que o filme levanta. Eles entram na caverna, chegam na porta do cômodo onde o engenheiro está dormindo, Shaw indaga se não é possível que a infecção que David contraiu não se transmita pelo ar (meio tarde para pensar nisso, não?), Weiland diz que não é (claro!) e todo mundo vai acordar o gigante. Enquanto isso, na Prometheus, Janek, acompanhando os aventureiros à distância, fica horrorizado com os vasos orgânicos, manda os caras mexerem num programa de computador e descobre que a "caverna", na verdade, é uma nave gigante. Eu já tinha deduzido isso há muito tempo. É bem mais plausível do que a hipótese de que os engenheiros terem construído um hotel 5 estrelas subterrâneo. A única surpresa é que a nave tem o formato de um donut gigante, mas isso é irrelevante. No dormitório do gigante, David observa que os engenheiros devem ser "uma espécie superior", dada a sofisticação das câmaras. Com base na gravação que assistiu quando esteve previamente no recinto, David toca uma flautinha (ui!) e o sistema da nave alienígena (Só estou narrando, não escrevi o roteiro. Não xinguem minha mãe!) começa a funcionar. O simpático robô explica que descobriu que, antes de serem chacinados, os engenheiros estavam em processo de partida. Para onde, indaga a "heroína". Para a Terra, replica David, acrescentando que "às vezes para criar, é preciso destruir". Certo. Digo, hein? Destruir o que para construir o que mesmo? É um mistério. Weiland, que não quer saber de conversa mole, pergunta logo aonde está o alienígena. David mostra e garante ter certeza de que o bicho está vivo e que consegue se comunicar com ele. Abre-se a porta da câmara onde o belo adormecido se encontra, o engenheiro desperta e levanta, em um sequência completamente prosaica, levando-se em consideração que a porra do filme todo girou em torno dessas criaturas superiores que supostamente criaram nossa espécie. O gigante pigarreia, dá uma olhada ao seu redor e, antes que possa esboçar qualquer reação, Weiland manda David falar com ele e perguntar o que ele quer dos humanos (já que, segundo a teoria de Shaw-Holloway, os engenheiros estavam nos convidando a aparecer no planeta deles para tomar umas cervejas e jogar conversa fora), Shaw manda o robô perguntar o que está nos recipientes e como todos os outros engenheiros da LV 223 foram mortos e blábláblá. Weiland ganha minha simpatia mandando a mocinha calar a boca e um dos coadjuvantes cujo nome não gravei, demonstrando que não sou só eu quem está se irritando com a Missus Scientist, acerta uma pancada na arqueóloga. A pancada não surte efeito: Shaw continua indagando o que "nós fizemos de errado" (eu diria que foi um filme cujo título começa com "P" e termina com "rometheus") e "por que eles nos odeiam". Mais uma vez, não sei de onde a Liz tirou esse dramalhão - a única coisa que eu vi até agora foi um bando de humanos idiotas entrando onde não foram chamados, sem nenhuma precaução e, em consequência, se lascando. Não culpe os "engenheiros", doutora - vocês é que chegaram na LV 223 parecendo um bando de adultescentes idiotas passeando pelo Camp Crystal Lake. O cara estava dormindo esse tempo todo. Weiland, finalmente, consegue calar a boca da Shaw com uma forte tática de persuasão ("Se ela abrir a boca de novo, atire nela!") e David finalmente começa a falar com o (creio eu) desorientado engenheiro. A sábia "criatura superior" reflete por alguns instantes, toca na cabeça do ciborgue e...

Hehe...

Hehehehe...

Hahahahaha...

Hahahahahaha!!!


HAHAHAHAHAHAHA!!! Puta merda, cara! Aparentemente, após ouvir toda a conversa mole dos humanos, o engenheiro, mostrando sua superioridade intelectual, decide que a melhor atitude é SE DESCONTROLAR E SAIR DISTRIBUINDO PORRADA! Hahahahahah! Acho que era nisso que o Marcial (conforme tradução do Conde de Surrey*) estava pensando ao escrever sobre "sabedoria aliada a simplicidade". No final da brincadeira, Peter Weiland bateu as botas, Lady Arryn saiu pela porta da lua, o outro cara também virou presunto, David se tornou mais um ciborgue membro do clube "participei de um filme da série Alien (embora, neste caso seja só uma quase-mas-segundo-o-diretor-não-exatamente-prequel), arrancaram minha cabeça e eu agora falo silvando e soltando uma baba da cor de porra" e Elizabeth Shaw faz como o bravo Sir Robin e bate em retirada. Cara, não exagerei. Essa cena me mata de rir. Depois de toda aquela masturbação intelectual, o engenheiro prova que o baculejo é a linguagem universal e sai distribuindo violência como o Jason na rave de Freddy vs. Jason. Não estou criticando. Se eu acordasse no meio da noite cercado por um bando de duendes falando baboseiras, minha reação provavelmente seria a mesma. Não deixa de ser coerente, contudo, que, em um filme em que "cientistas" se comportando como personagens de um slasher movie clichezento, a criatura de "inteligência superior" acabe se comportando da mesma forma que o Jason.

* Na verdade, não sei nada sobre a obra de Marcial. Meu único contato com o poeta romano foi através de um episódio de The Tudors. Ao contrário de certos cientistas, eu não finjo ser mais sofisticado do que realmente sou.

Mostrando que não está de frescura, nosso novo e gigantesco amigo ativa os comandos da nave e se prepara para decolar. Mostrando ser completamente inepta, a ilustre Dra. Shaw sai correndo de um lado para outro, soluçando como uma debilóide. Confesso que a cena da decolagem do donut gigante é visualmente espetacular, mas, a essa altura do campeonato, só possso acrescentar que é muito estilo e nenhuma substância. Se eu quisesse só imagens exuberantes, rever Avatar seria uma opção bem mais interessante e infinitamente menos ofensiva. Shaw, mais uma vez desafiando a seleção natural, consegue escapar da caverna antes da decolagem, mas não pode fazer mais pora nenhuma de construtivo. Talvez se ela tivesse parado de correr e soluçar por um instante, teria sobrado mais tempo.

Por outro lado, provando que a vida não é justa, Heath Ledger morreu.
Fingindo ser útil, a moça entra em contato com a Prometheus e avisa a Janek que este tem que impedir a outra nave de decolar. Certo, mas há alguns minutos, ele disse, em outras palavras, que faria exatamente isso. E ainda não entendi de onde a doutora tirou que o objetivo do (agora) não-engenheiro é destruir a Terra. A Prometheus, entretanto, não é uma nave de combate, de modo que a única maneira de salvar a humanidade é Janek atropelar a outra nave, transformando seu veículo num tirambaço gigante e, naturalmente, sacrificando sua vida. Detesto apelar para a questão racial, mas Scott não me deixa escolha: Janek, proletário, negro e uma das poucas pessoas sensatas na expedição, acaba tendo que se sacrificar graças ao festival de abobrinhas cometidos pelos supostamente doutos cientistas que ensejaram a viagem inoportuna. Isso é, como o Daniel Vargas me sugeriu, alguma espécie de mensagem pseudomarxista? Será que, como o o Hooper X de Procura-se Amy, Scott está querendo mostrar como The Man sacaneia com a classe operária e as minorias raciais até mesmo numa galáxia muito, muito distante? Não, não é. Se fosse, eu até daria uns pontos ao filme, mas é só coincidência mesmo. O tom da obra deixa claro que o espectador deve tomar partido de Elizabeth Shaw, embora ela só tenha falando platitudes e entrado em contradições inúmeras vezes desde o início do filme. Por outro lado, Peter Weiland é pintado, sem nenhuma sutileza, como o vilão da história, embora eu não veja nada de errado no cara que está pagando a viagem querer participar da aventura e, quem sabe, descobrir como prolongar sua vida - só não vejo como seria possível o personagem ter tomado conhecimento das teorias e despertado de sono criogênico para participar da expedição.

Mas, continuando com a história: novamente, Janek resolve que vai fazer a coisa aprumada e se sacrificar pelo bem comum. Vickers, naturalmente, não concorda, instando o capitão a dizer que ela pode ir para sua luxuosa suíte e ejetá-la, já que o suprimento de água, comida e oxigênio são suficientes para mantê-la viva por dois anos. A "vilã" (e eu, pelo menos desta vez, tenho que concordar com a moça) decide que a sugestão de Janek é bem mais aprazível do que se desintegrar e vai correndo para seu swinging bachelorette pad (obviamente, não vai conseguir chegar lá). Os subordinados de Janek, por outro lado, resolvem, "heróicos", ficar com o afrodescendentão. Falando sério, percebo que a intenção do filme é mostrar toda a situação como uma escolha entre "morte heróica" ou "sobrevivência egoísta", mas a verdade é que não há opção. Ou os rapazes morrem impedindo a nave alienígena decolar e (supostamente) destruir a humanidade ou eles voltam para a Terra e, na remota hipótese de chegarem antes da tecnologia superior do não-engenheiro, morrem junto com o resto da humanidade. É mais ou menos como o final de O Enigma do Outro Mundo do Carpenter, com a diferença de que The Thing é um filme massa e mostra uma ameaça inequívoca, ao passo que este filme é uma porcaria e a ameaça é suposição de pseudointelectuais ineptos. Na verdade, a única opção errada foi a minha, que podia ter visto um filme decente e acabei vendo esta bomba. Não adianta, contudo, lamentar.

Epitáfio: "Morreu pela humanidade em colisão com donut voador gigante." Janek e seus companheiros mereciam coisa melhor.
A Prometheus derruba o donut gigante, que cai em cima de Vickers. Shaw, por outro lado, em raro momento de raciocínio rápido, conseque rolar para o lado (e não, como a comandante, para a frente) e escapa, por pouco, de ser esmagada. Mas sua alegria ameaça durar pouco: seu traje espacial só tem mais dois minutos de oxigênio. E, alguns segundos depois, só restam trinta segundos de oxigênio. Taqueopariu, até a contagem de tempo nesse filme é ilógica. "Ironicamente", ela acaba conseguindo entrar na suite de Vickers, pondo em xeque, mais uma vez, a Teoria da Evolução. Cara, estou começando a achar que a moral desse filme é que Darwin estava errado. Todos os personagens com alguma competência e bom-senso acabam morrendo e a ameba gigante da Elizabeth Shaw sobrevive? Bom, pelo menos só por mais dois anos, certo? Não, eu tinha esquecido que ela havia deixado o aborto mutante na máquina de cirurgias que, claro, fica nos aposentos de Vickers. Revelando um inédito instinto de preservação, a doutora pega um... machado hi-tech, creio eu... na verdade, parece um machado comum, só que meio torto. Design futurístico ou falta de criatividade?

Um terceira opção seria "simbolismo anti-fálico". É lamentável, mas tem tudo a ver com a carreira de Ridley Scott.
Naturalmente, o aborto está vivo e cresceu bastante. Surpresa agradável: David ainda está consciente e entra em contato com Shaw. Atitude repreensível: David instrui a cientista a sair imediatamente do (previamente de Vickers, agora seu) apartamento, sob pena de morte, pois "ele está indo atrás de você". Quem? Boa pergunta. O aborto? Não. Um não-engenheiro, que sabe-se lá como, sobreviveu. Não sei se é o mesmo que estava no donut voador ou outro cuja existência era ignorada e não me importo. O filme deixou de fazer sentido há muito tempo. O gigante chega logo descendo a pancada na mocinha, mas esta, pela segunda vez no filme, pensa rápido: ela abre a porta do cômodo onde se encontra o aborto mal-sucedido que, por seu turno, dá cabo do outro alienígena, permitindo que a cidadã escape. Esse filme tem uma porrada de monstros, cada um menos interessante que o outro.

Não sei qual é a onomatopéia que representa bocejo, mas estou de saco cheio.
Enquanto isso, a Dra. Shaw, símbolo de bravura feminista que é, está deitada no chão, chorando e dizendo que "lamenta muito". Duvido que lamente mais do que eu, mas agradeço a consideração. Felizmente (para ela), David está vivo e diposto a resgatá-la. Pois é, senhoras e senhores: a "heroína" do filme é menos proativa que uma cabeça falante. O robô camarada revela que o donut gigante não era a única nave na LV 223: há várias outras e ele pode manejá-las. Que bom que ele revelou essa solução alternativa antes que todo mundo morresse... Peraí. Mas o cara é um robô, porra. Já está fazendo mais que a obrigação dele ao tentar salvar a arqueóloga retardada.

Prosseguindo: os dois se reencontram (não entendi exatamente como, mas que se dane!). David percebe que, apesar de tudo, Shaw continua "acreditando". Sério, que porra de conversa mole de hippie maconheiro metido a filósofo é essa? Esta porra é uma mais-ou-menos-porém-não-exatamente-prequel-de-Alien ou Matrix Revolutions? O robô explica que consegue operar o sistema da outra nave e que, assim que eles se juntarem a outra das "naves deles" (hã?), será fácil retornar à Terra. Shaw entretanto, demonstrando mais uma vez ser um monumento à coerência e estabilidade emocional, afirma que não quer voltar, mas ir ao local "de onde eles (os não-engenheiros) vieram", querendo saber por que os não-engenheiros (ou são "engenheiros" novamente?) criaram a humanidade e mudaram de idéia. Eu diria que ela fez a pergunta e ela é a resposta, mas David, que é um robô, porém muito mais amável que eu, afirma que pode dar um jeito. Ele não entende, mas, sensível, a cientista explica que é "porque eu sou um ser humano e você é um robô". Putz... Depois disso tudo, será que precisamos de mais exemplos de grosseria de humanos para com organismos cibernéticos? Que discriminação é essa, Ridley? O robô devia ter deixado essa dona morrer.

E é assim que termina o filme: com a viúva alegre e seu amiguinho robô viajando pelo espaço em busca de aventuras. Sinceramente, se o filme terminasse com um freeze e passasse para os créditos, ao som de Don't Stop Believing, eu não acharia incoerente. Não, seria uma péssima idéia. Afinal, outra obra que acabou ao som da música do Journey foi The Sopranos que, ao contrário de Prometheus, era uma série muito massa (apesar de eu ter minhas reservas quanto ao final). Evocar comparações não faria bem à preciosidade em análise. Mas o filme consegue se sair com uma conclusão mais ofensiva ainda: em voice-over sobre as cenas finais, Elizabeth Shaw deixa um "relatório final da nave Prometheus". Exatamente com a Ripley faz no final de Alien. E a mensagem sugere que, quem a escutar, não se aproxime do seu ponto de origem, como a mensagem que a tripulação do Nostromo equivocadamente entende que foi um pedido de socorro no filme do qual este não é exatamente uma prequel. E convidar o espectador a comparar os dois filmes é uma idéia horrível, pois só evidencia a decadência de Ridley Scott. Além do mais, por que isso? Se o diretor encheu tanto o saco insistindo que Prometheus "não é exatamente uma prequel de Alien", pra que porra fazer um filme que é, em síntese, uma cópia de qualidade sofrível de seu próprio clássico sci-fi? Talvez porque a imagem final abaixo não deixe dúvidas:

"Não-é-exatamente-uma-prequel" É O CARALHO, RIDLEY!
Depois de toda a embromação e conversa mole sobre Prometheus "não ser uma prequel" de Alien, o filme termina com um Alien (ou proto-alien, como um amigo sugeriu; não importa, esse artifício é picaretagem) saindo de dentro do engenheiro que foi morto pelo aborto mutante! E Elizabeth Shaw deixou uma mensagem advertindo a viajantes incautos que fiquem longe da LV 223, mais ou menos como a mensagem que deu início a Alien. Como cargas d'água o diretor consegue ter a cara-de-pau de insistir que este filme "não é uma prequel"? Eu sei o motivo, mas antes, voltemos ao título do post.

Quem viu Trainspotting sabe em que consiste a "síndrome de Sick Boy". Quem não viu merece minhas condolências, porque aquele filme, ao contrário da porcaria ora analisada, é fantástico. Consegue adaptar um livro denso pra cacete, ser simultaneamente trágico e hilário, tem diálogos bem escritos, uma trilha sonora massa, um edição dinâmica e um Robert Carlyle totalmente psicopata e troglodita. Só posso dizer que assistir a Trainspotting é um alternativa infinitamente superior a perder tempo com Prometheus. Entretanto, para mostrar como sou um cara legal, eis o diálogo que explica a edificante teoria do Sick Boy (Jonny Lee Miller) sobre a vida:


É deprimente, mas, em muitos casos, corresponde à realidade: determinada pessoa tinha um dom e, com o passar do tempo, este se desgasta e não há mais como recuperá-lo. Não digo que se aplique a todos os casos - o Scorsese continua mandando bem até hoje, o Kubrick nunca fez um filme ruim, o Spielberg também não sofreu de senilidade artística (apesar de não conseguir mais fazer um simples filme-pipoca, por excesso de correção política, o homem ainda consegue dirigir dramas de qualidade), o Sinatra continuou sendo um grande intérprete inigualável até a morte e até mesmo o Elvis, obeso e destruindo palcos, ainda conseguia cantar pra caramba. Já o Ridley Scott...

Sem nenhum sarcasmo, eu realmente comecei a assistir a esse filme com muita boa vontade. Tratava-se do retorno de um diretor que eu ainda julgava competente a um universo instigante que ele próprio (com a colaboração do Giger, O'Bannon e Shusset, entre muitos outros) criou, com uma premissa que tinha tudo para render um filme de ficção científica (com ênfase no "científica") dos mais ambiciosos. Estava esperando uma obra na tradição de 2001, Solaris, Blade Runner e, naturalmente, Alien. Porque o clássico de Scott, embora seja, ostensivamente, um "filme de monstro", é imbuído de sofisticação e sutileza que não dão o menor sinal de vida em Prometheus. Um exemplo é a já citada reação de Ripley à tentativa de seus colegas entrarem na nave com o John-Hurt-com-face-hugger - vendo Alien, por mais fria que seja a decisão, é impossível não tomar partido da protagonista. Em Prometheus, por outro lado, temos a Vickers dando um faniquito e queimando o personagem infectado de forma absolutamente inútil para quem quer evitar contágio. No filme em análise, é óbvio que a humanidade não teve qualquer contato com vida alienígena; em Alien, é evidente que a existência de outras formas de vida não é nada especial para a tripulação do Nostromo - eles simplesmente nunca tinha topado com aquela forma de vida em particular. Paradoxalmente, enquanto o Nostromo é um caminhão espacial e seus tripulantes, peões futurísticos, os personagens de Alien se comportam com coerência e profissionalismo a maior parte do tempo (e, quando não o fazem, geralmente sofrem as consequências), ao passo que os "cientistas" que viajam na Prometheus entram em contradição reiteradas vezes, dão aulas de inépcia e irresponsabilidade e baseiam sua conduta em platitudes e emoções exacerbadas. Os personagens de Alien, ao explorar um planeta desconhecido, se portam com cautela e tratam toda a situação como "mais um trabalho"; os personagens de Prometheus chegam à LV 223 como quem está levando doces para a vovozinha. Ao final do filme, contudo, todos os personagens que agiram com um mínimo de ponderação estão mortos e a protagonista debilóide sobrevive. Há, ainda, a maneira escrota como o David é tratado - porra, Blade Runner é um filme cuja trama toda gira em torno de andróides que acabam se mostrando mais humanos que os personagens "normais" e indagando se isso não significaria que eles mereceriam tanto respeito quanto qualquer outra forma de vida inteligente. Aqui, temos que escutar pseudocientistas tratarem o humano artificial, reiteradamente, com deboche e grosseria. É estarrecedor que, quase vinte e cinco anos após dirigir Alien com tanta habilidade, segurança, inteligência e sofisticação, o diretor dirija um filme tão tosco e irritante quanto Prometheus. Eu esperava ver algo parecido com Alien e Blade Runner e tive a infelicidade de ver algo parecido com O Enigma do Horizonte. Uma boa síntese do filme, aliás, seria essa: Prometheus não parece um filme de Ridley Scott, parece um filme de Paul W. S. Anderson. O que deixa patente o quanto a síndrome de Sick Boy do diretor se encontra em estágio avançado. Quanto à insistência do Ridley sobre o filme em análise "não ser uma prequel de Alien", trata-se de atitude que, creio eu, decorre de dupla motivação. A primeira, como já deixei evidente, é que qualquer comparação entre Prometheus e a obra de 1979 deixam o novo filme comendo poeira. A segunda: todo mundo gosta de ganhar dinheiro fácil e, claro, é bem mais interessante dizer que Prometheus "não é uma prequel", pois tal assertiva viabiliza o lançamento de sequências. Que eu, evidentemente, não vou assistir. Já dei chances de sobra ao Ridley Scott. Tenho certeza que ele não vai perder o sono por causa disso, mas também tenho certeza de que não vou perder mais um centavo com as picaretagens do inglês.