sábado, 17 de novembro de 2012

"Soldado Universal 4": Day of Reckoning indeed!


No bom sentido: What the FUCK?! Eis o tipo de filme que raramente encontro: não só atendeu às minhas expectativas, como as superou de forma completamente inesperada. Nunca fui fã da série Soldado Universal. Gostei do primeiro, achei o segundo uma porcaria e só revisitei a série ao ver Regeneração, que muito me agradou. Trata-se de um filme de ação que segue uma premissa manjada, mas supera a fórmula pela excelente execução levada a cabo por John Hyams, que se mostrou adepto da filosofia de que cenas de luta devem ser bem coreografadas e filmadas de forma inteligível. Antes de ver Soldado Universal 4: Juízo Final, eu esperava algo semelhante: apenas um filme de ação extremamente bem-dirigido. Para minha surpresa, encontrei um dos filmes de luta mais audaciosos, criativos e autorais que já vi. Meu amigo Ronald Perrone (ou, como prefiro chamá-lo desde que se tornou um international man of academics, Ron Perry), do Dementia13 aduz que a obra parece um filme de ação dirigido por Gaspar Noé. Ao ver o filme, fiquei com a impressão de que uma experiência genética criou um híbrido de Lucio Fulci, Dario-Argento-no-tempo-de-Suspiria e John Boorman; que referida criatura viu A Identidade Bourne e decidiu fazer algo semelhante, porém com ênfase na atmosfera onírica e na pancadaria explícita. Day of Reckoning é marcado por violência brutal, momentos psicodélicos que fazem o espectador achar que está passando por uma bad trip de LSD e um roteiro com reviravoltas que deixariam o James Ellroy orgulhoso. É um raro (talvez inédito) caso de combinação de troca de porradas digna dos melhores filmes de kickboxing da década de 80 com bizarrices que fariam o Cronenberg exclamar "That is some fucked up shit right there!" e ambições artísticas capazes de quebrar todos os dentes do Woody Allen (o que é sempre algo positivo). Para minha surpresa, o próprio Hyams citou Cronenberg e Gaspar Noé como influências. Só posso descrever o filme como porrada arthouse. Aproveitando o ensejo, deixo registrado aqui, desde já, que sou o titular dos direitos autorais sobre o termo. O supracitado Ron Perry e Daniel Vargas (o artista previamente conhecido como Just Daniel, do saudoso blog Nascido em 29 de Março) podem corroborar tal assertiva. Se The Zuck quiser plagiar a genial expressão que criei, já estou acobertado.


Como sempre, vou divagar antes de falar sobre a obra em análise. Ao contrário do que meus posts sobre O Cavaleiro das Trevas Ressurge ou o retardado Drácula do Coppola podem levar a crer, sou bastante progressista quando se trata de adaptações. Gosto de abordagens inovadoras de obras manjadas. Estou, mais uma vez, exibindo um tremendo teto de vidro, mas encontrei virtudes, por exemplo, no picareta The Amazing Spider-Man, apesar de se tratar de fruto óbvio de covardia e desejo de faturar dinheiro fácil. Sou um grande admirador do Hulk do Ang Lee. Quero dizer, obviamente, que gosto muito do filme, não que eu sou um cara de três metros de altura que admira o filme. Não entendo por que a obra é quase universalmente esculachada. Fui ao cinema esperando ver um filme-pipoca sobre um monstro verde gigante que quebra tudo e tive a agradável surpresa de me deparar com uma tragédia grega sobre um monstro verde gigante que quebra tudo. O que me emputece é condescendência do diretor com fãs do gênero a que pertence a obra. Exemplo? O Batman do Tim Burton (que se orgulha em dizer que "nunca leu um gibi"). É, claramente, caso em que o cineasta viu a fonte e pensou: "Ridículo! Meu intelecto privilegiado pode conceber coisa muito melhor!"

Quem ousaria duvidar da genialidade deste homem? Fucking douche... Mas, falando sério, eu gosto muito dos filmes do Burton. Só acho toda essa imagem de "artista atormentado" uma palhaçada.
Outro exemplo é o Bram Stoker's Dracula (sobre o qual já escrevi exaustivamente): considerando o livro de Stoker "antiquado", o diretor Francis "Carcamano Não é Mano" Coppola e o roteirista James V. Hart optaram por "abordar a história sob um novo prisma", atitude que acabou resultando em uma trama mais retrógrada e formulaica do que o original vitoriano. Ang Lee, por outro lado, olhou para os gibis do Hulk e pensou: "Esse destempero todo só pode ser fruto de um subconsciente muito fodido. Vamos explorar isso!" Ironicamente, o reboot com o Edward Norton (conforme a hilária versão resumida do roteiro) é, em síntese, o mesmo filme, só que burro e maniqueísta. As únicas virtudes da "nova versão" são a cor do Hulk e a ausência daqueles cachorros mutantes idiotas. Falando em ironia, um segundo exemplo de "inovação" que funcionou foi o Dark Shadows do próprio Tim Burton: mesmo sendo fã da novela, ele teve o bom-senso de perceber que um remake "sério"  seria completamente ridículo e fez um misto de homenagem e paródia. E, apesar das piadinhas que já soltei, gostei muito de todos os filmes da "Trilogia Dark Knight" do Nolan e os considero excelentes adaptações, mesmo com toda a pretensão do diretor (citar Dickens e indicar Heat como inspiração é forçar a barra).

Universal Soldier: Day of Reckoning se encaixa na última categoria. Descrever a trama é uma tarefa ingrata, mas vamos lá: a história começa com John (Scott Adkins) testemunhando o brutal (e aparentemente gratuito) homicídio de sua esposa e filha por um bando de maloqueiros liderados por Luc Deveraux (Jean-Claude Van Damme). O infeliz pai-de-família, para fechar o presente com chave de ouro, leva uma série de pancadas que o deixam em coma por nove meses. A surpresa já começa aqui: tudo indica que Deveraux, o "mocinho" dos filmes anteriores, é o vilão. O protagonista é o personagem de Adkins, que tem que carregar Soldado Universal 4 nas costas. Fui brevemente exposto ao trabalho do ator em Mercenários 2 e fiquei com uma boa impressão, que perdurou em Day of Reckoning: Adkins parece ter frequentado a mesma escola de interpretação que o Stallone, convencendo tanto nos momentos dramáticos quanto ao cobrir de porrada inimigos com o dobro de seu tamanho. A propósito, foda-se quem discordar de mim: é fato público e notório que o Stallone é um grande ator. Vai ver Copland e Rocky Balboa, seu puto ignorante. Ou, melhor ainda, vá ler a resenha do Roger Ebert sobre o primeiro Rocky: o respeitado "crítico profissional de cinema" não hesita em compará-lo a um jovem Marlon Brando. Faniquitos com leitores imaginários à parte, só posso acrescentar que fiquei inclinado a ver mais filmes com Adkins, que tem potencial para se tornar um astro.

Enfim, após nove meses (dã-Dã-DÃ! Eu falei que o filme é muito foda, não sutil) em coma, John desperta e é informado por um agente do FBI sobre a identidade do homem que assassinou sua família. Ao que parece, Deveraux, com a colaboração de seu antigo arquiinimigo Andrew Scott (Dolph Lundgren, que, em seu "batshit insane mode", interpreta o personagem como uma versão badass de pastor evangélico), está planejando uma revolução, através da "libertação" de Soldados Universais que, após lavagem cerebral, foram infiltrados na sociedade civil pelo governo, para entrarem em ação quando necessário. Emputecido, John resolve investigar o motivo do atentado contra sua família e descobre que sua história está intimamente ligada à "revolução" de Deveraux, o que não é boa notícia: ele é perseguido por um encanador brutamontes que servia ao governo (Andrei Arlovski, o vilão de Regeneration), mas, após uma intervenção química do Dolph, passa para o lado de Deveraux e, sabe-se-lá-por-que, está determinado a assassinar nosso herói, atitude que resulta numa perseguição automobilística mais destrutiva do que o Eri Johnson tentando ser engraçado e uma luta numa loja de artigos esportivos capaz de chocar qualquer fã de splattermovies italianos da década de 80. Em meio a toda a bagaceira, John começa a perceber, gradualmente, que suas memórias e identidade podem não corresponder à realidade.

"Isso dói, porra!"
Se a síntese foi concisa demais, confesso que tive que me conter para não estragar o filme: a trama é repleta de reviravoltas que vão deixar o espectador tão confuso quanto o protagonista. Felizmente, não se trata de confusão decorrente de roteiro mal-redigido. Universal Soldier: Day of Reckoning é o tipo de filme que parece sentir prazer em puxar o tapete do público. O "efeito what-the-fuck" já começa na (assustadora) sequência inicial, filmada em primeira pessoa sob o ponto de vista do protagonista. Pouco depois de dar as péssimas novas ao nosso herói, o agente do FBI, Gorman, revela que não está sendo totalmente sincero: ele envia o supracitado encanador a um motel/casa de tolerância, para chacinar o que só posso descrever como "Soldados Universais Libertados em Momento Sexy Time". O confronto é de uma brutalidade extrema e inclui preciosidades como tiro de escopeta arrancando metade da cabeça-de-um-Unisol-masoquista-que-estava-curtindo-pregos-sendo-martelados-em-sua-mão (literalmente; isso não é eufemismo).

"That is some fucked up shit right there!" David Cronenberg
As cenas de luta são coreografadas, filmadas e editadas com excelência, mostrando que o Hyams filho é muito mais competente do que o Soldado Universal: Regeneração (meu primeiro contato com o diretor) leva a crer. Sem exageros: a última vez que vi cenas de luta que me deixaram com tamanha sensação de estar participando da truculência em exibição foi no subestimado The Hunted, do mestre William Friedkin. Outras bizzarrices incluem o hilário momento de pregação "abram-seu-coração-para-Luc-Deveraux" do Dolph Lundgren, a luta entre Adkins e o Pitbull Arlovsky numa loja de equipamentos esportivos, a luta entre o Dolphão e o protagonista (que mostram que Andrew Scott [ou, mais provavelmente, seu clone, já que o personagem foi vítima de um fatal e inequívoco tiro na cabeça no último filme] pode ter mudado de lado, mas continua mais doido que a porra - seu "That's the spirit, soldier!" é hilário).

COMÉDIA!
Tudo conduz ao combate final entre John e um Deveraux-com-pintura-de-guerra que (não fui o primeiro a notar) remete ao Coronel Kurtz de Apocalypse Now e a (aparentemente sem sentido, mas surpreendentemente lógica) vingança no final do filme.

"Bonasera, what have I ever done to make you treat me so disrespectfully? If you'd come to me in friendship... Ooops! I mean the horror... the horror..."

Tenho que aproveitar a ocasião para fazer um comentário que é de mau-gosto até para meus padrões: Jean-Claude Van Damme é um dos poucos casos em que abuso de tóxicos e subsequente envelhecimento precoce fizeram bem ao ator. Compare o Deveraux de Day of Reckoning com o herói do primeiro filme da série e veja qual dos dois é mais ameaçador. Já tinha notado isso no Universal Soldier: Regeneration e em Expendables 2, mas agora formei, definitivamente, juízo sobre a aparência do cidadão: o Van Damme está acabado, porém muito mais convincente como badass. E o final do filme deixa ampla margem para sequências sem parecer caça-níqueis.

Após ver Day of Reckoning pela primeira vez, achei que o filme acabaria na mesma situação que o Hulk do Ang Lee: esculachado e/ou ignorado por oferecer mais do que o público esperava. Curiosamente, isso não aconteceu - o filme chegou a um estarrecedor 88% no tomatometer e a maior parte da "crítica profissional de cinema" está elogiando o filme e a ambição de Hyams. Talvez eu esteja errado e a humanidade realmente não mereça um cataclisma nuclear que vai nos fazer regredir à Idade da Pedra. Minha sugestão, portanto, é que você veja o filme imediatamente. Agora! Vai, porra!

sábado, 10 de novembro de 2012

Mistérios do Desconhecido: "Crusade"

Doze anos antes do fantástico (em sua versão do diretor) Crusada, de Ridley Scott e treze antes do 300 de Zack Snyder, uma obra fodástica, que reunia as melhores características de ambos os filmes, foi abortada. Estou falando, é claro, de Crusade, roteiro de Walon Green, que seria dirigido por Paul Verhoeven e estrelado por ninguém menos que o (então) pré-Governator Arnold Schwarzenegger. 

O roteiro não faz feio quando comparado com a obra mais famosa de Green, The Wild Bunch (ou, para usar o meloso título nacional, Meu Ódio Será Sua Herança): a história se passa no século XI e segue as aventuras de Hagen, filho ilegítimo de um nobre francês que, após ser preso tentando afanar tesouros da Igreja Católica, consegue escapar da fogueira (graças a uma picaretagem dolorosa, porém hilária e engenhosa) e, para tirar o rabo da seringa, acaba embarcando na Primeira Crusada (popularmente conhecida como "aquela escrotice horrível que serve de motivação para todo terrorista muçulmano que tem ódio do ocidente judaico-cristão"), sob o comando de seu irmão aristocrata, arquiinimigo e douchebag de primeira grandeza, Emmich. Este não está nem um pouco interessado na companhia do meio-irmão bastardo e fará de tudo para sacaneá-lo.

Por que a obra não foi produzida? Basicamente, a Carolco, que estava financeiramente complicada, não aceitou muito bem a brutal honestidade do Holandês Voador, que, mostrando que pode ser acusado de tudo, menos de mentiroso, recusou-se a garantir que o orçamento não ultrapassaria os previstos US$ 100 milhões. Em consequência, o filme foi para o development hell, onde se encontra até a presente data e de onde, provavelmente, nunca sairá. O que é lastimável, porque o roteiro de Green combina crítica impiedosa à Igreja com cenas de ação eletrizantes e ultraviolentas. Sem exageros, o troço faria 300 parecer Conduzindo Miss Daisy - entre os momentos marcantes, de cabeça, posso citar a luta, no início do saga épica, entre Hagen e seu irmão acanalhado, que termina com o elmo do Emmich encravado no rosto deste e uma subsequente deformação tenebrosa, que só vai exacerbar o ódio entre os manos; e uma sequência que se inicia com o Hagen costurado dentro da carcaça de um asno (literalmente: o negócio é tão grotesco e nojento quanto a descrição faz parecer), sua subsequente fuga e luta com hienas (FUCK! YES!), culminando numa cena de batalha de proporções titânicas, na qual o protagonista, inicialmente desarmado, se vira, inicialmente, com uma foice (MOTHERFUCKER!) e, à medida em que vai matando inimigos, começa, como o Kratos, a fazer uma série de upgrades, terminando com armadura completa e espada gigantesca. O filme tem de tudo: ação, violência extrema, humor negro, romance e nenhuma frescura em retratar a Crusada como uma palhaçada sanguinária e a Igreja, como o supra-sumo da escrotice.

Mas, como já disse, provavelmente jamais veremos o filme (o Arnoldão é titular dos direitos sobre o roteiro e provavelmente seria considerado "velho demais" para interpretar o protagonista, mas eu ainda acho que ele poderia encarar o papel). E o que a Carolco decidiu produzir no lugar de Crusade?  


A Ilha da Garganta Cortada. Se você  viu o filme, é muito provável que você não exista. Se você não viu, posso resumi-lo da seguinte forma: imagine Piratas do Caribe sem o humor, com a Geena Davis no lugar do Johnny Depp e Matthew Modine no lugar da Keira Knightley e eis a obra que foi feita no lugar de Crusade.

CAROLCO! CAROOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOLCO!
Para a surpresa de absolutamente ninguém, o filme do Renny Harlin levou a Carolco à falência. Provando que, como dizia Calvino, Deus castiga.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

"Darkness", daqui a dez anos ou menos, será considerado um "clássico injustiçado"


A Sétima Vítima (Darkness), de Jaume Balagueró, é um filme pouco conhecido e ainda menos estimado. Isso não me incomoda, pois, afinal, foi necessário um certo lapso temporal para, por exemplo, O Enigma de Outro Mundo, do Carpenter, ter o reconhecimento merecido. E o mesmo, naturalmente, ocorreu com Cidadão Kane. Sei que comparar o filme em análise com a obra superlativa de Orson Welles é um exagero. Mas tenho que observar, por outro lado, que a Anna Paquin é bem mais aprazível aos olhos que o saudoso Orson.

Não vá por minha palavra. Tire suas próprias conclusões.

A comparação me deixa com um tremendo teto de vidro, mas estou disposto a correr o risco. It is a far, far better thing that I do, than I have ever done; it is a far, far better rest that I go to than I have ever known. Sim, acabei de citar Dickens. Não, não estou sendo pernóstico. Se o Nolan pode, eu também posso.

Ou talvez eu seja o Batman. Como diria o pessoal do History Channel, não há prova cabal de que eu não seja, de modo que é possível.

Bobagens à parte, tenho que adiantar que acredito no conceito de "Mal" com "M" maiúsculo - Evil, como o arquiinimigo do Austin Powers. Não sei se se trata de algo metafísico (sou um indivíduo pouco religioso, mais por preguiça do que por convicção) ou algum transtorno psiquiátrico, mas acredito que algumas pessoas são completamente despidas de empatia e compaixão e que tal  traço de personalidade é imutável. Não creio que se trate de transtorno anti-social - há, ao longo da história, várias pessoas que demonstraram ser perfeitamente inteligentes e bem articuladas e, ao mesmo tempo, completamente perversas. Essas pessoas me assustam pra caramba. Essas pessoas, via de regra, não chamam a atenção. Geralmente vivem à sombra de ameaças aparentemente maiores, que servem de cortina de fumaça. Exemplo? Hitler era um fracassado escroto, idiota e maligno, mas, infelizmente, dotado de um carisma fenomenal. Sua popularidade não me assusta - conquistar o populacho com discursos incendiários e nojentos que encontram bode expiatório para uma realidade ruim, porém muito mais complexa, é um fenômeno frequente e fácil de entender, por piores que sejam as suas consequências. O que me deixa estarrecido são indivíduos como Heydrich e Eichmann: homens aparentemente civilizados e inteligentes que, inobstante, conceberam a chacina de seis milhões de pessoas com a mesma naturalidade de uma dupla de servidores públicos elaborando um memo - atitude que Hannah Arendt caracterizou como "a banalidade do mal". Ou o Mengele, utilizando o antissemitismo como pretexto para realizar experiências monstruosas destinadas simplesmente a satisfazer curiosidades intensamente repugnantes. Não sei, claro, se foi essa a motivação do Mengele. Só posso especular. Também não faço a menor idéia do que tenha motivado Heydrich e Eichmann. Isso, em última instância, é o mais assustador: não consigo imaginar o que se passa na cabeça de tais indivíduos. Sei apenas que eram sujeitos na plenitude de suas faculdades mentais, de inteligência notável e até certa erudição e, não obstante, conceberam monstruosidades de tal magnitude que nem gosto de imaginar. São pessoas assim que me levam a acreditar no idéia de "Mal com 'M maiúsculo'". Embora seja tentador achar que essa entidade está restrita ao passado, não gosto de me iludir: há evidências de sobra de que tal entidade nunca deixou de se fazer presente. De cabeça, posso mencionar os atentados do 11 de setembro. Quando eles ocorreram, eu estava numa lanchonete no campus da universidade. Quando vi as imagens, minha reação foi resmungar "Que filme retardado é esse?" O negócio era tão impensável que levou um tempo para a ficha cair e eu assimilar que estava vendo uma notícia, não um filme. E alguns colegas que estavam comigo tiveram a mesma atitude. Por que? Porque era algo impensável. Acredito que o governo americano tenha tomado conhecimento dos planos da Al Qaeda com antecedência e deixado de agir, não porque tenha afinidade com teorias conspiratórias retardadas, mas porque me parece inteiramente plausível que alguma autoridade estadunidense tenha recebido a informação e pensado "Bullshit! Essas coisas não acontecem." Se tal hipótese de fato se verificou, imagino que o a pessoa em questão continuou achando o atentado impensável até o momento em que este ocorreu. Acredito, aliás, que algo semelhante pode estar acontecendo agora: fico estarrecido com o fato de as pessoas levarem a sério as idiotices expelidas de forma habitual pelo bufão do Mahmoud Ahmadinejad (exemplo: negar a existência do Holocausto) e, simultaneamente, ignorarem os verdadeiros monstros que servem de alicerce para a teocracia iraniana - gente como o aiatolá Ali Khamenei, que, ostensivamente, classifica armas nucleares como "pecado imperdoável", mas, entre veteranos de guerra de sua pátria,  aduz, com total naturalidade, que acredita que o Estado de Israel será "varrido do mapa". Estou falando, releva mencionar, de um indivíduo cujas convicções ideológicas, ao contrário do que ocorria com os americanos e soviéticos durante a Guerra Fria, fazem com que não se intimide com a idéia destruição mútua assegurada. Tenho que observar que estou só usando exemplos óbvios - o "Mal com M maiúsculo" não se manifesta somente em proporções épicas - os crimes da família Manson, a chacina retratada por Truman Capote em A Sangue Frio e, para usar um exemplo pátrio, o Guilherme de Pádua assassinando brutalmente a Daniella Perez (até hoje não entendi exatamente qual foi o motivo do crime, porque nunca li uma explicação que fizesse um mínimo de sentido) e confortando o viúvo no funeral são exemplos em escala menor, mas não menos horripilante. Se há algo em comum entre os casos que relatei até agora é o fato de que, caso eles não tivessem ocorrido e fossem retratados em uma obra de ficção, esta seria descartada como "implausível". E o que levaria a tal conclusão? O fato de que pessoas minimamente decentes tendem a achar que seu sistema de valores é seguido por todos e tendem a acreditar, por conseguinte, que podem esperar um mínimo de decência dos outros. É essa falácia que confere vantagem a indivíduos malignos: eles contam com a boa-fé dos homens de bem. No horrendo Terminator Salvation (que eu, paradoxalmente, adoro, conforme post prolixo prévio) há uma cena em que o John Connor escuta uma gravação em que sua mãe diz que a Skynet vai usar "suas melhores virtudes contra você". O Terminator 4 é uma porcaria, mas este é um dos poucos momentos de inteligência do roteiro. É isso que pessoas malignas fazem: usam as virtudes de outras pessoas contra estas. Poucos filmes de terror, contudo, tem este insight. O vilão geralmente é um monstro/assassino/assombração/demônio/seja-lá-o-que-for óbvio e barulhento - é difícil não perceber que o Drácula do Christopher Lee, o Michael Myers ou o Leatherface está no recinto e que suas intenções são as piores.

Se você, contudo, acha que ele só quer conversar, fique à vontade.

Não estou esculachando o gênero que, obviamente, idolatro - quando vou ver um filme, estou procurando escapismo e entretenimento, não lições de vida. Mas, de vez em quando, topo com um filme que entende o Mal de uma maneira que mainstream, aparentemente, não entende. Nem sempre é uma obra de terror sobrenatural - Onde os Fracos Não Têm Vez, por exemplo, é um filme que gira em torno da constante dicotomia entre o Bem e o Mal e sobre como este parece infinitamente mais dinâmico e poderoso que aquele. O protagonista do livro de Cormac McCarthy e do filme dos Cohen, Ed Tom Bell, é um homem que resolve encerrar sua carreira na segurança pública porque se depara com o que parece ser uma nova espécie de monstruosidade, que não logra entender. Ao final, ele escuta uma sóbria freada de outro personagem, que explica que esses horrores sempre existiram. A Sétima Vítima é outra obra que se enquadra em tal categoria.

À primeira vista, Darkness parece ser um filme de terror bastante manjado: família se muda para um novo lar; coisas estranhas começam a acontecer; a casa, descobre-se, tem uma história assustadora e a sanidade do pai da referida família parece estar sofrendo uma gradual e terrível degeneração. A fórmula é batida e é possível perceber a influência de uma porrada de filmes - desde O Iluminado (irretocável obra de Kubrick que, em minha opinião, é o melhor "filme de casa mal-assombrada" de todos os tempos), House by the Cemetery (que também considero um excelente filme. Fodam-se os 99% - se você não gostou, é provavelmente porque não prestou atenção na genialidade do terror-spaghetti do Fulci) até o o terrível-porém-cômico Horror em Amityville (só o angloafro do James Brolin já devia contar como um personagem adicional e o Rod Steiger está mais exagerado que a porra). A família em questão é composta pelos genitores, Maria (Lena Olin, ainda constrangida por ter participado do ridículo A Rainha dos Condenados) e Mark (Iain Glen, mais conhecido, atualmente, como o Jorah Mormont de Game of Thrones), o pirralho Paul (Stephan Enquist) e a filha adolescente e protagonista, Regina (Paquin). Minha reação inicial ao perceber que a história é conduzida por uma adolescente, claro, foi revirar os olhos e pensar: "Puta que o pariu! Lá vem merda!" Principalmente porque, no início do filme, ficamos com a impressão de que a moça tem uma relação "complicada" com os pais e não está muito satisfeita com a mudança de domicílio. É um início pouco promissor, pois, afinal, ninguém gosta de adolescentes. Não estou sendo hipócrita: se voltasse ao passado e encontrasse um Kurt Breichen de 15 anos, eu cobriria tal elemento de porradas, porque, sinceramente, eu era insuportável. Felizmente, envelheci como vinho: o passar do tempo me tornou este sujeito equilibrado, bem-apessoado, espirituoso e charmoso que sou. Ou, como diria o Marsellus Wallace, me transformou em vinagre. Há correntes teorético-doutrinárias em ambos os sentidos, mas acredito que a primeira procede. Paquin, entretanto, é uma atriz decente e o roteiro, felizmente, foi escrito partindo da premissa de que o público deve gostar da protagonista, ao invés de passar o filme torcendo para vê-la conhecer intimamente a extremidade hostil de um instrumento cortante. Regina é uma personagem bem construída e, surpreendentemente, a pessoa mais equilibrada da família. Sua frescura com a mudança é compreensível - ela não está, afinal, mudando de bairro, mas dos EUA, onde Mark foi criado, para sua Espanha natal. Por que Mark foi criado nos EUA? Porque seus pais se divorciaram quando ele era criança e a mãe (americana, ao que tudo indica) ficou com a guarda. O cidadão, portanto, espera que a mudança possa reaproximá-lo do pai, Albert (Giancarlo Gianini) e, mais importante, estreitar a relação entre o avô e os netos. A casa, porém, não é um dos melhores ambientes. Isso não será surpresa para o espectador, que sabe mais sobre a casa do que os personagens. E eu, mestre do suspense que sou, decidi que só vou falar sobre o prólogo agora.

A sequência que precede os créditos iniciais é um primor de concisão: em poucos segundos, tomamos conhecimento de que, há aproximadamente, quarenta anos, a casa foi palco do homicidio de seis crianças - a sétima (Arrá! Isso mesmo, leitor hipotético! Eis o motivo do título nacional. Parabéns por desvendar o mistério, Sherlock. Aproveitando o ensejo, a água é molhada. Sério.) escapou. O prólogo do filme mostra sua fuga e seu depoimento à polícia ("Havia outras crianças?" "Sim." "Você acha que elas foram machucadas?" "Sim."). Tal fuga é o pivô do desaconchego que nossos novos amigos estão prestes a experimentar.

O revestréiz começa com Paul, que passa a ter um inédito medo do escuro. Não se trata de um medo desarrazoado - as sombras do novo lar parecem engolir os lápis deixados no chão pelo moleque. O principal problema, contudo, é que Mark sofre da doença de Huntington e a moléstia, que, aparentemente, se encontrava sob controle, começa a se manifestar com alarmante intensidade após a mudança. Se você não sabe o que é doença de Huntington, não se preocupe: eu sou um indivíduo que domina vários ramos de conhecimento científico (pesquisei na Wikipédia) e posso definí-la (Ctrl C + Ctrl V) como "um distúrbio neurológico hereditário" que provoca sintomas como "movimentos corporais anormais e falta de coordenação, também afetando várias habilidades mentais e alguns aspectos de personalidade." Noutras palavras, o Jorah Mormont começa a surtar, ter crises convulsivas e se destemperar diante de qualquer provocação, real ou imaginária (quando um eletricista explica, pacientemente, que não faz idéia do que está provocando a instabilidade do fluxo de energia elétrica na casa, Mark dá um súbito faniquito que deixaria o Al Pacino orgulhoso - "In other words, FUCK YOU, RIGHT? RIGHT IN MY FUCKING HOUSE, TO MY  FUCKING FACE! FUCK YOU!").

Menos, cara. Você não está entre os Dothraki.
Embora o avô (que é médico) lhe garanta que não há motivo para preocupação, Regina começa a acreditar, gradualmente, que permanecer na casa não é a melhor idéia (aparentemente, não é a primeira vez que a doença gera consequências tenebrosas). Sua mãe, contudo, insiste, obtusamente, que nada de errado está acontecendo. E continua com a mesma conversa, apesar de o comportamento do marido ficar cada vez mais bizarro: ele começa a lembrar de conversas que não aconteceram e passa a derrubar e perfurar paredes sob o argumento de que a família está sendo espionada por vermes escondidas entre os tijolos (literalmente). Tal brincadeira acaba levando o cidadão a descobrir, sob a escadaria, uma vitrola e discos do tempo do ronco e uma sinistra foto de três... cara, não posso chamá-las de "velhinhas", porque elas são cabulosas... três senhoras de idade avançada e aparência pouco amistosa. E o rapaz decide pendurar a horrenda foto. Talvez seja algo subliminar, mas a fotografia das velhas realmente é cabulosa. Se eu aparecesse querendo decorar minha casa com troço semelhante, certamente teria, com razão, que aturar uma série de esporros proferidos por minha esposa.

De péssimo gosto, Sor Jorah. Francamente! Nem a Patrulha da Noite ia encarar um troço desses.


Quando Paul começa a aparecer com hematomas cada vez mais graves e Maria insiste em alegar que nada demais está acontecendo e que a família "deve permanecer unida", Regina resolve, com a ajuda de seu... não sei se o cara é amigo, namorado ou latin lover da garota... sei lá, com a ajuda de seu colega Carlos (Fele Martinez), dar uma de turma do Scooby-Doo e investigar que raios há com sua nova moradia. O casal acaba descobrindo o passado sinistro da casa. Eles encontram, também o arquiteto responsável pela construção do imóvel, o que não alivia em nada a situação: o homem não sabe quem exatamente era(m?) o(a? os?) proprietários da casa, pois todos os contratos referentes a sua construção (que devia seguir especificações que transformam a casa em, basicamente, um templo enrustido) foram feitos através de um intermediário, de quem o sujeito não lembra. Mas, após descobrir (em cena que lembra tanto o túmulo escondido na sala-de-estar do Dr. Freudstein quanto a "passagem para o inferno" de Horror em Amityville), certos símbolos do "templo" que estavam escondidos sob a fachada de seu novo lar, Regina e seu fiel escudeiro conseguem ter uma idéia da motivação da tragédia que ocorreu na casa há quatro décadas: aparentemente, tratava-se de um ritual, consistente na execução de sete crianças "pelas mãos de alguém que as ame", que só pode produzir efeito durante um eclipse. Coincidentemente (ou não), o mundo está prestes a testemunhar um eclipse solar como o que ocorreu há quarenta anos e, tudo indica, o malassombro da casa quer que Paul seja... (dã-Dã-DÃ!)... a sétima vítima.

Até tal momento, como eu já escrevi, Darkness parece ser um formulaico filme de casa mal-assombrada, mas as coisas tomam rumo radicalmente inesperado e a história puxa o tapete do espectador. Explico: a casa, de fato, é mal-assombrada, mas o verdadeiro Mal que parece prestes a devorar seus habitantes tem uma origem completamente humana e tão tremendamente horripilante quanto os exemplos de "Mal" que elenquei no segundo parágrafo deste post. Não posso adiantar mais nada sobre a trama, só que o(a? os?) vilão (vilã? vilões? Não vou dizer), apesar de ser movido por razões que desafiem a compreensão de qualquer indivíduo racional, é tão (infelizmente) verossímil quanto os homens que idealizaram a Solução Final e, como estes, completamente indiferente às consequências que seu "experimento" pode provocar. Após tal revelação, a história se torna imprevisível, havendo apenas uma certeza: a Escuridão do título original é extremamente astuciosa e vai, como o homem-bomba que morre levando consigo vários infelizes desavisados, usar toda a boa-fé e todas as virtudes de Regina contra ela ("Não, eu sabia que o ritual não iria funcionar porque, sinceramente, eu não o amava"). O  horror do filme assume dimensões lovecraftianas (sei que usei este termo no post sobre Cabin in the Woods, mas o uso é devido e o fato de eu postar sobre os dois filmes em curto espaço de tempo é, realmente, coincidência) que a maioria das adaptações da obra de Lovecraft não logram alcançar.

Cara, eu não entendo como este filme não é cultuado por fãs de terror - enquanto Hollywood regurgita um remake-de-filme-de-terror-de-vinte-anos atrás do outro, uma pérola original e tenebrosa como A Sétima Vítima passa quase que despercebida. Mesmo entre o pessoal cujo gosto não se enquadra com o mainstream, é difícil encontrar alguém que goste de Darkness. Acho o filme muito superior ao fantástico REC (cuja direção foi compartilhada por Balagueró e, não por coincidência, Paco Plaza, diretor de outro cabuloso e injustamente ignorado filme de terror espanhol, Segundo Nome). O roteiro, escrito a seis mãos pelo diretor, Fernando de Felipe e Miguel Tejada-Flores é tão ardiloso quanto a Escuridão do filme. Quando digo que a história, a princípio, parece manjado, tenho que enfatizar a palavra "parece". Mesmo quando está seguindo a fórmula de filmes de casa mal-assombrada, A Sétima Vítima é bastante eficiente. Talvez pelo fato de ter visto, compulsivamente, cinema exploitation e de terror desde pirralho, acho muito difícil me assustar ou sentir desconforto com histórias de fantasmas. Darkness, contudo, consegue tal proeza. Após refletir um pouco, descobri por que: os fantasmas que infernizam a vida de Regina e Paul são retratados como raramente se faz no cinema. Em momento algum eles parecem etéreos, transparentes ou, para ir direto ao ponto, efeitos especiais. São simplesmente crianças (e outras coisas) que surgem, fisicamente, onde, até há pouco tempo, não havia coisa alguma e não poderia haver coisa alguma. E é inequívoco que se tratam de presenças hostis que, como a Sadako/Samara de O Chamado, não estão nem um pouco felizes com o fato de estarem mortas. Os fantasmas de Darkness, enfim, lembram toda história "verídica" de assombração que já me contaram. E eles são apenas coadjuvantes de menor importância - cortina de fumaça para a verdadeira vilania. A revelação da real natureza do Mal que persegue a protagonista bem-intencionada é o grande trunfo do filme. Há um determinado momento em que o espectador fica com a nítida impressão de que deixou de ver um "filme de casa mal-assombrada" e passou a ver um épico de horror e tal sensação permanece até depois que os créditos finais começam a rolar. Se você ainda não viu esse filme, sugiro que vá ver agora, sob pena de ser um debilóide. E, se você achar que minha opinião sobre o gabarito da obra é exagerada, espere uns cinco, dez anos. A História vai provar que eu estou certo. Como sempre.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

"O Segredo da Cabana" me convenceu de que metalinguagem nem sempre é muleta de cineasta pretensioso



Não dei muita atenção a Cabin in the Woods quando este foi lançado porque me pareceu, basicamente, uma versão requentada de Evil Dead. A pegadinha seria a presença de um elemento meta, o que considero sempre um péssimo sinal, pois a História demonstra que metalinguagem, via de regra, consiste em cop-out de diretor ou roteirista pretensiosos e preguiçosos (exemplo: Identidade). O Segredo da Cabana, contudo, mostrou-se a exceção que confirma a regra e provou que eu estava errado quando descartei o Joss Whedon como "hype sem fundamento". Tal juízo foi formado depois de ver Alien Ressurection, que, mais tarde descobri, havia jogado as melhores idéia do roteiro do Boy Wonder na privada. Além disso, sempre achei a Buffy uma versão emo-de-calcinha do Blade e nunca entendi o fascínio que muitas pessoas, cuja opinião respeito, têm pela série (ou atribuo tal fascínio ao fato à presença do "fator calcinha" da fórmula). A constatação de que Alien 4 submeteu o roteiro de Whedon a uma distorção tremenda, somada ao respeito que passei a nutrir pelo diretor/roteirista após assistir ao foderoso Os Vingadores (que, contrariando minhas expectativas, cumpriu com louvou tudo a que se propôs), bem como opiniões extremamente positivas ventiladas por amigos, me levaram a ver Cabin com boa vontade. Tenho que admitir que estou entendendo por que o Joss Whedon é um "fenômeno" nerd e, francamente, fiquei inclinado a dar uma segunda chance Buffy, Firefly e Serenity.

Para não estragar o filme, terei que, excepcionalmente, abordar a trama de forma sintética (motivo pelo qual enrolei tanto para escrever este post após ver o filme - escrever com concisão é, para mim, muito mais exaustivo do que divagar interminavelmente sobre o obra). Começamos o filme com dois focos de narrativa aparentemente paralelos que, posteriormente, irão se mostrar parte de um todo. Parte da trama segue um grupo de cinco amigos (Chris Hemsworth, Kristen Connolly, Anna Hutchison, Fran Kranz e Jesse Williams) que vai passar um feriado na cabana do título; entrementes, um grupo de trabalhadores de colarinho branco está, aparentemente, prestes a acompanhar um evento de relevância notável. Com o desenrolar do filme, o "evento" se revela ser o feriado dos cinco amigos supracitados. Tal feriado, por sua vez, acaba se mostrando uma colossal roubada quando nossos heróis, acidentalmente, encontram um livro altamente suspeito no porão da cabana e (OOOOOH!)...

"Pode ler a parte em latim. Esse trecho aí, que parece ser um feitiço. Isso nunca acabou em desgraça..." Bruce Campbell

... acabam despertando um clã de zumbis antropófagos. Será que eles sobreviverão? Não se depender do pessoal de escritório, que está acompanhando todo o baculejo sofrido pelos mancebos e interferindo para garantir que os monstros dêem cabo de todo mundo ou, pelo menos, de quase todo mundo. Por que? A explicação é lovecraftiana (mesmo; Cthullu não faz uma participação especial, mas por pouco), mas faz todo slasher movie que leva o espectador a se emputecer com as decisões retardadas dos personagens ou se entediar com os tipos (e.g., a final girl "casta" e o engraçadinho que tanta passar por comic relief), a fazer sentido. E isso é só o que posso dizer sobre a trama.

Há dezesseis anos, quando o Pânico de Wes Craven saiu nos cinemas, achei meio irônico o fato de que a publicidade do filme o divulgou (e a crítica engoliu) como uma "paródia" aos slasher films. A ironia residia no fato de que o filme seguia, religiosamente, a fórmula manjada de uma centena de slasher movies que haviam sido lançados 10, 15 anos antes, apresentando, como única diferença, algumas piadinhas autorreferenciais. Prova disso é que o sucesso do filme ensejou uma onda de slasher films que seguiam todos os clichês que o filme do Craven supostamente satirizava. Ensejou, também, entre as distribuidoras de filmes, a insuportável mania de colocar a palavra "pânico" no título nacional de qualquer filme de terror. Exemplo? "O filme é de terror? A história se passa numa ilha? Então vamos chamá-lo de 'Pânico na Ilha'! A história se passa num barco? 'Pânico no Barco'! A história se passa num hotel? 'Pânico no Hotel!' A história se passa na zona rural? 'Pânico no Mato'!"  Nem precisava ser filme de terror.

Se este filme, por exemplo, tivesse sido lançado 20 anos depois, teria o título nacional de "Pânico na Delegacia"
Sério. Isso é chato pra caralho. Lembra a onda de "A Hora de Não-Sei-o-Que" dos anos 80. Parem de ficar adaptando todo título de filme de sucesso a outros, a fim de atrair os idiotas. Não inventem de intitular o próximo filme de ação do Michael Bay de Os Missionários. Se fizerem um filme que se passa no município de Gravatá, pelo amor de Deus, não batizem a obra de Gravatar. Os idiotas vão assistir a filmes fuleiros de qualquer jeito (exemplo: a carreira do Michael Bay). Esse artifício é completamente desnecessário e só serve para irritar.

Mas eu divago. O ponto é o seguinte: O Segredo da Cabana é a paródia a filmes de terror que Pânico alegava ser - o roteiro explora todos os clichês do gênero e se sai com explicações simultaneamente hilariantes e convincentes para sua reiteração (o "maluco-cujas-advertências-são-ignoradas" Mordecai me matou de rir com o "Am I on the speakerphone? Yes I am! I can hear the echo!"). É um dos poucos casos de metalinguagem em que o roteirista e diretor parecem estar rindo com o espectador, não usando o recurso como forma cretina de demonstrar sua pretensa superioridade artística e intelectual e amarrar pontas que se mostraram difíceis demais para se resolver de forma lógica (eu realmente odiei Identidade). O fato de o filme, ao contrário dos slashers padrão, ter bons atores e personagens que realmente têm personalidades, ao invés de um bando de clichês desagradáveis ambulantes, também facilita bastante a empatia do espectador e fazem com que a obra, mesmo quando não está sacaneando com a fórmula, prenda a atenção e não reduz Cabin a uma piada que só tem graça para fãs de cinema de terror - há, afinal, uma diferença entre paródia e comédia.  Além de tudo isso, fechando com chave de ouro, o filme não inspirou, para meu alívio, uma onda de títulos com "segredo" ou "cabana", pois tal efeito teria me inspirado a cometer uma série de assassinatos com requintes de crueldade. E, alguns anos mais tarde, depois que polícia me matasse, quando alguém resolvesse fazer um filme sobre meu surto homicida, o título provavelmente seria "O Segredo do Assassino" ou "O Matador da Cabana" (embora eu não tenha nada nem remotamente parecido com uma cabana), o que seria, por sua vez, totalmente sem futuro.

Resident Evil 6: Digno da Espera


Alguns posts atrás, demonstrei meu entusiasmo com os trailers do Resident Evil 6. Posso afirmar que todas as minhas expectativas positivas foram satisfeitas, inobstante o esculacho que o jogo tenha levado de vários sites dedicados a games (o Gamespot brindou RE6 com uma deprimente pontuação de 4.5). O fato de eu ter passado dois dias imerso e achando o game fodástico não só foi gratificante, como teve sabor de vingança. Trata-se do jogo mais ambicioso da série desde o RE2, reúne elementos de survival horror que caracterizaram os 3 primeiros jogo da série na missão do Leon (e, pelo que ouvi dizer, na da Ada Wong, que não joguei porque detesto a personagem) e de ação e 3rd person shooter que caracterizam o RE4 e 5. Como incesto, trata-se de um game que é diversão para toda a família.

Quanto ao "sabor de vingança", explico: alguns anos atrás, quando adquiri um PS3, um dos primeiros jogos que comprei foi o Metal Gear Solid 4. Não sou fã da série Metal Gear, mas a unanimidade da crítica em consagrar o jogo como um dos melhores de todos os tempos (nota 10 no Gamespot) me convenceu. Como faço com filmes, tenho o costume de jogar games de que gosto reiteradas vezes. Tal hábito se aplica a toda a minha coleção, com exceção da merda que é o Metal Gear Solid 4, que joguei só uma vez até o final e, embora tenha tentado outras vezes,  buscando entender o que o jogo tinha de tão especial que eu não havia notado, nunca logrei passar mais de uma hora sofrendo MGS4. Por que? Porque esta merda não é um jogo e Hideo Kojima não tem interesse em fazer jogos. Ele quer ser um cineasta. MGS4 é um filme com raros momentos de interatividade. Se pular as cutscenes longas e entediantes, temos cerca de 2 horas de jogo. E eu fui otário em comprá-lo porque, se eu tivesse prestado mais atenção nas resenhas, teria percebido algo em comum: a maior parte delas não elogia o gameplay, mas uma suposta fusão "perfeita" de jogo e narrativa. Como já referi, não há nada de perfeito na combinação. A cada meia hora de jogo, você tem que aturar quarenta minutos (ou mais) de cutscenes. Parece, então, que MGS4 recebeu elogios simplesmente pela narrativa envolvente. Ocorre que a narrativa nada tem de envolvente. Quem ler o estupendo memo do David Mamet a respeito de regras que devem nortear aqueles que querem criar drama (como, tudo indica, é o caso de Kojima) perceberá que o roteiro de MGS4 quebra, essencialmente, todas as normas. E o resultado não é foda como o Mel Gibson em Máquina Mortífera, mas tosco como o Mel Gibson sendo detido por dirigir bêbado na vida real e chamando a policial de "sugar tits". Exemplo: após trinta minutos frustrantes, você finalmente consegue matar a Laughing Octopus (não porque se trata de uma inimiga particularmente difícil, mas porque o jogo, arbitrariamente, obriga você a ter que acertar uns quarenta tiros para a personagem perder 1 ponto de HP). Sua recompensa: uma longa cutscene contando a trágica história da inimiga que você acabou de eliminar. Trata-se de um flashback? Não. A narrativa "envolvente" consiste em uma imagem estática de um dos personagens contando toda a porra da história da "vilã trágica" por aproximadamente 10 minutos.

"Tudo começou há trinta e um anos, quando os pais da Laughing Beauty se conheceram num bar. O bar se chamava 'I Love my Mama', porque o proprietário tinha uma grande afeição por sua falecida mãe e resolveu homenageá-la. Como é? Não interessa? Vou contar assim mesmo, só porque Hideo Kojima é um picareta que se acha a reencarnação do Kurosawa, mas não chega nem a um Uwe Boll."

Um dos críticos que elevou MGS4 ao status de "parâmetro para os jogos vindouros" foi o Kevin VanOrd da Gamespot. O mesmo crítico deu a nota de 4.5 ao RE6. E por que uma classificação tão pouco abonadora? Porque, nas palavras do próprio VanOrd, Resident Evil 6 é "um filme de ação interativo disfarçado de game". Todo o motivo para esculachar o RE6 decorre da constatação de que o jogo tem inúmeras cutscenes interativas que "tiram o controle do jogador". Não, Kevin, não é o caso e, a propósito, vá tomar no seu globo ocular anal. De fato, há, em Resident Evil 6, inúmeros momentos em que o jogo se converte em "cinema interativo", mas tenho que enfatizar o "interativo" em tal caracterização. A crítica se aplica perfeitamente ao "irretocável" Metal Gear Solid 4, mas não ao RE6, porque, nos momentos em que este se detém para expor a trama, raramente o jogador é obrigado a ficar inerte e assistir a cutscenes mal interpretadas. As cenas são bem feitas e sempre permeadas por quick-time events que prendem a atenção do jogador e nunca o alienam do jogo. Tenho que salientar, ainda, que tais momentos são muito breves - ao contrário do que ocorre em Metal Gear Solid 4, a cada 60, 90 minutos de ação, você terá que encarar 5, 10 minutos de cutscenes interativas. Se tal crítica é infundada, analisemos as virtudes do jogo.
Para quem vai jogar individualmente (como eu prefiro), são, a princípio, 3 campanhas a serem desbravadas - a primeira, sob o ponto de vista de Leon Kennedy, do RE2 e 4; a segunda, sob o POV do Chris Redfield, do RE1 e 5; e a terceira, comandando Jake, o filho do saudoso supervilão Albert Wesker. Se você quer meu conselho (e, se está lendo isto, presumo que queira; caso contrário, oferecerei o conselho contra sua vontade), sugiro que jogue as campanhas na ordem supracitada: Leon, Chris e Jake. A campanha de Leon se aproxima bem mais do espírito de survival horror dos três primeiros jogos da série, incluindo quebra-cabecas, ZUMBIS DE VERDADE, COMO NOS TRÊS PRIMEIROS JOGOS, e bosses teratológicos, entre os quais (e eu imagino que Lucio Fulci deve estar orgulhoso), um TUBARÃO-ZUMBI. Isso não é piada. Uma das missões obriga o Leon a enfrentar um tubarão mutante ao longo de um tobogã de saneamento (toboesgoto?).

Escorregando esgoto abaixo e atirando num tubarão-zumbi. Não tenho mais nada a acrescentar. Isso é simplesmente badass demais para palavras.

A campanha do Chris é muito semelhante ao RE5: em síntese, tiro em terceira pessoa, em ritmo acelerado. A campanha do Jake consiste em um híbrido dos dois estilos. Nenhuma delas, entretanto, se limita a emular os jogos anteriores - há momentos que colocam o jogador no controle de veículos que lembram muito a série Uncharted. Em comum, as três campanhas tem um sistema de combate ágil e intuitivo - em cinco minutos, você vai estar dominando os controles, que abrangem muito mais opções que o RE4 e RE5, incluindo um botão para partir para o combate corpo-a-corpo, tiro em terceira pessoa, ao estilo Gears of War, e acesso a itens como ervas (para restaurar o HP) com um simples toque no R1 (no PS3) e RB (no X360). Cada campanha toma, aproximadamente, cinco horas e, ao final das três, você terá a sensação de que montou todas as peças de um quebra-cabeça. Isso, sim, é fusão perfeita de jogo e narrativa.  Se você gostou dos três primeiros jogos da série, vai gostar deste e, se gostou do quarto e quinto, também vai gostar deste. Para ser conciso: se você gostou de qualquer jogo da série Resident Evil, você vai se se isolar do mundo até concluir o Resident Evil 6. Simples assim. Quem discorda, com todo o respeito, está errado. Retardado e errado.